O REINO DE DEUS É O PRÓPRIO JESUS CRISTO
“Vinde benditos de meu Pai!” (Mt. 25,34)
Com a liturgia do 34º Domingo do Tempo Comum, encerramos o Ano Litúrgico e celebramos a Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo. Em um mundo cada vez mais dividido pelas ideologias político-partidárias, onde as monarquias e impérios ruem e as democracias se auto enfraquecem, que sentido tem atribuir a Cristo o título de Rei? Em uma sociedade onde a rejeição pelos valores do Evangelho cresce a cada dia, o que significa reconhecer Jesus Cristo como Rei? Na época das relações líquidas, onde nada parece ser feito para permanecer, celebrar Jesus Cristo, Rei do Universo é ter a coragem de proclamar diante do mundo que somente Cristo é o sentido último de tudo e de todos, pois apenas Ele é definitivo e absoluto. É afirmar que todo projeto de poder mundano se torna insignificante quando confrontado com o essencial, que é o Reino que Jesus veio trazer. Este Reino é apresentado como uma realidade que Jesus semeou com seu gesto oblativo na cruz, que os discípulos são chamados a edificar e construir na história através do mandamento do amor caritativo.
Abrindo as portas do tempo do Advento, continuamos acompanhando o discurso escatológico que Mateus utiliza para encerrar o seu evangelho. Depois de relatar três parábolas com a intenção de preparar sua comunidade para a segunda vinda de Jesus Cristo (a “parábola do mordomo fiel e do mordomo infiel” – cf. Mt 24,45-51 / a “parábola das 10 virgens – cf. Mt 25,1-13 / e a “parábola dos talentos” – cf. Mt 25,14-30), Mateus nos apresenta, um relato do julgamento final, no qual o “rei” Jesus indaga os seus discípulos acerca do amor que compartilharam com os irmãos, sobretudo com os pobres e fragilizados. A atitude do rei manifesta que o egoísmo, ambição e a indiferença diante do sofrimento, não possuem espaço no Reino de Deus. No seu Reino há lugar para toda a humanidade, todavia, quem permanecer conduzindo a sua vida através do pecado será excluído do Reino. Em suma, depois de convidar a vigilância e fidelidade, o evangelista mostra agora qual será o fim daqueles que se mantiveram preparados e daqueles que não se mantiveram vigilantes para a vinda do Senhor.
Qual o critério, parâmetro ou norma que o rei usa para separar as ovelhas (os discípulos fiéis) dos cabritos (os discípulos infiéis)? Na ótica de Mateus, é a atitude de amor ou de indiferença para com aqueles que se encontram em necessidade (os que têm fome, os que têm sede, os peregrinos e migrantes, os que não têm roupa, os que estão doentes, os que estão presos) e que Jesus chama de irmão. Sendo assim, socorrer e estar solidariamente ao lado dos pequenos, dos pobres e excluídos é socorrer e estar ao lado do próprio Jesus e manifestar egoísmo, frieza e indiferença para com eles é fazê-lo ao próprio Jesus.
Para Mateus, este rei possui como principal ofício ser Pastor e é movido pela misericórdia e compaixão. Por isto, a primeira leitura (Ez. 34, 11-12.15-17), retirada do Profeta Ezequiel, apresenta Deus como um solícito pastor que realiza a redenção e libertação de seu povo escravizado na Babilônia. O povo está há muito tempo longe da Terra Prometida. Eles perderam o Templo, o sacerdócio e as celebrações litúrgicas. Deste modo, eles começam a cair em desespero e duvidar da bondade e do amor de Deus. Então com a imagem do Bom Pastor, o profeta Ezequiel, apresenta Deus e a sua relação com os seres humanos. A imagem manifesta a autoridade de Deus na condução do seu Povo pelos caminhos da história, mas também sua preocupação, carinho, cuidado e amor pelo seu Povo. Com este relato, o profeta nos questiona se estamos ou não dispostos a seguir este Bom Pastor e a deixar-nos conduzir por Ele, confiando que Ele nos ajudará a atravessar caminhos sombrios, e acreditando que Ele haverá de nos carregar no colo para que os nossos pés não se firam nas pedras e espinhos pelo caminho (Sl. 91,9-14). Às vezes, em nossa rebeldia ou ilusão nos agarramos a outros “pastores” e fazemos deles a nossa referência, o nosso líder, um ídolo. O que utilizamos como critérios para escolher nosso guia: a riqueza, a força e o poder?
São Paulo, escrevendo a comunidade dos coríntios (ICor. 15,20-26.28), lembra que não existe outro nome na Terra e no Céu no qual o ser humano deva colocar sua fé que não seja o Senhor Jesus Cristo cuja autoridade e poder não emanam da guerra ou força, mas do amor que encontra seu ápice na entrega da própria vida. Esta oblação da própria vida é recompensada com a Ressurreição e a vida eterna que é o início de uma nova humanidade. O caminho dessa nova humanidade é o Reino de Deus. E este Reino é e será uma realidade onde o egoísmo, a injustiça, a miséria, o sofrimento, o medo, o pecado, e até a morte não mais existirão, pois terão sido vencidos por Cristo.
Provavelmente, assim como está acontecendo conosco e na nossa época, os cristãos da comunidade de Mateus estavam vivendo de modo desinteressado e instalados em um grave comodismo que os levou a viver a fé de forma morna e sem compromisso. Talvez alguns deles diante das dificuldades e desafios, tenham deixado a comunidade e renunciado ao Evangelho. Assim, sua catequese deseja revitalizar a fé, revigorar o entusiasmo, fortalecer a convicção e conversão. Diante do perigo da comunidade abandonar a fé por causa do poder do mundo, Mateus lembra a necessidade viver a fé tendo como caminho a vida do próprio Jesus Cristo que sempre esteve ao lado dos mais fracos e excluídos. Este mesmo Jesus espera e deseja que sua comunidade seja o seu coração, suas mãos e pés que irão continuar seu serviço e assim edificar os fundamentos e alicerces do seu Reino por meio do testemunho.
Embora se utilize da imagem do rei para apresentar Jesus Cristo, Mateus sabe que o reino do seu Mestre não é construído por alianças políticas ou pela força e opressão como os reinados do nosso mundo geralmente são. O rei normalmente possui um cetro e coroa encrustados de ouro e joias preciosas. A coroa de Jesus é de espinhos. Seu cetro e seu trono são a Cruz; é nela que Ele exerce sua autoridade e justiça. O seu exército é constituído por homens desarmado, mas com corações ardentes que os impulsiona a se colocar a caminho. A sua Lei são as bem-aventuranças. Pois, o seu Reino nada tem a ver com o triunfalismo dos reinos humanos – de direita ou de esquerda! Não nos esqueçamos que aquele que entrou em Jerusalém como Rei, veio montado em um burrinho, símbolo de mansidão e serviço.
É um Reino que vem do mundo do amor e da misericórdia de Deus, não das aspirações megalomaníacas dos seres humanos. Por isto, o critério fundamental para fazer parte e permanecer no seu reino é a prática da Caridade; é viver como ele viveu. Dizer que se ama Cristo e não vive seus ensinamentos, no amor a todos os seres humanos, é uma mentira, contradição e uma incoerência. (cf: 1Jo 4,20)
Embora seja uma realidade ainda em crescimento, o Reino de Deus já está no meio de nós. Assim nós o afirmamos quando ouvimos na celebração eucarística: “O Senhor esteja convosco” e prontamente respondemos: “Ele está no meio de nós!”. Nossa missão é fazer com que ele seja uma realidade viva, concreta e presente no nosso mundo. Depende de nós fazer com que o Reino não se torne uma ilusão ou idéia, mas sim permanecer como uma realidade que cresce e transforma o mundo e a vida dos todos os seres humanos. Lembremos São João da Cruz, que talvez pensando no evangelho de hoje, afirmou: “No entardecer de nossa vida seremos julgados pelo Amor.”
Encerremos meditando o salmo de hoje: “Felicidade e todo bem hão de seguir-me por toda a minha vida. E na casa do Senhor, habitarei pelos tempos infinitos.”
Pe. Paulo Sérgio Silva
Paróquia Nossa Senhora da Conceição – Farias Brito.




