CRIADOS, SALVOS E SANTIFICADOS PELO AMOR, NO AMOR E PARA O AMOR
“…estamos em paz com Deus, pela mediação do Senhor nosso, Jesus Cristo. […] porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,1;5)
Após celebrarmos o tempo pascal, recordando a paixão, morte e ressurreição do Senhor, que se ofereceu na cruz ao Pai e concluirmos este tempo santo com a celebração do dom do Espírito em Pentecostes, neste Domingo, a Igreja nos convida a proclamar, jubilosos, a glória da Santíssima Trindade, o Deus uno e trino que nos criou, salvou e santificou por amor! Esta Solenidade, longe de ser uma convocação acadêmica/intelectual para decifrar o mistério de “um Deus em três pessoas”, se trata de um convite para aproximar-se do “Deus Vivo e Verdadeiro” (Cânon Romano), que é essencialmente amor (1Jo 4,8) e criou a humanidade para torná-la parte desta família divina na comunhão do seu mistério de amor. Eis o fundamento da esperança e o conteúdo fundamental da fé.
Na primeira leitura (Pr 8,22-31) somos convidados a contemplar a ação criadora de Deus. O texto narrado nos conduz a recordar o livro do Gênesis (Gn 1, 1-31;2,1-4). A sabedoria é apresentada com uma “pessoa” que estava ao lado de Deus desde a eternidade e que colaborou na sua ação de criar o universo. Ao meditar esta passagem, as primeiras comunidades cristãs enxergaram nesta descrição personificada da sabedoria o protótipo/expressão da pessoa de Jesus Cristo ou do Espírito Santo, pois os atributos descritos, indicam que ela – a sabedoria – tem a capacidade de levar os seres humanos a voltar a se relacionar com Deus (ação realizada em plenitude por Jesus Cristo).
A segunda leitura (Rm 5,1-5) confirmando a mesma mensagem, mostra que Jesus Cristo nos revelou o Deus próximo e acessível, que age diante dos dramas humanos. Um Deus que acompanha com compaixão a nossa caminhada e jamais desiste de oferecer vida plena em abundância, dando-nos a justificação. A palavra “Abba” que foi tão usada por Jesus na cruz (palavra usada pelas crianças ao se dirigem ao pai e que se traduz como “papá”) é expressão de intimidade filial e deve definir nossa relação com Deus marcada pelo amor, pela docilidade, pela confiança, pela ternura. Paulo então nos lembra que somos homens ressuscitados para a vida nova, convidados a viver do Espírito, como filhos de Deus e co-herdeiros com Cristo. Cabe-nos como filhos e herdeiros, viver a altura desta dignidade imitando a mesma comunhão trinitária que Jesus revelou.
Ao ouvir o Evangelho (Jo 16,12-15) de hoje, nos situamos novamente na Última Ceia e contemplando ainda o discurso de despedida de Jesus. Suas palavras nos convidam a compreender a salvação não como um ato isolado, mas como permanente ação que se realizou e se realiza ao longo da história e do tempo. Nossa redenção é expressão da comunhão da Trindade: o amor do Pai que nos criou, não nos abandonou a danação do pecado, mas “quando chegou a plenitude dos tempos” (Gl 4,4) se manifestou em totalidade na Encarnação e na redenção através da Paixão, Morte e Ressurreição do Filho, e permanece acompanhando a humanidade através ação vivificadora e santificadora do Espírito Santo.
Para Jesus, ser seu discípulo é tornar-se membro da comunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Por isto, os discípulos de Jesus recebem a missão de testemunhar o Reino dos Céus e são enviados a apresentar – a todos os povos, línguas e nações, sem exceção – o convite de Deus para integrar a família/comunidade trinitária. É esta a fé na qual fomos batizados e que nos introduz na vida desse Deus uno e trino. O amor eterno vivido entre o Pai, o Filho e o Espírito, é o amor que devemos viver entre nós!
Somos humanos e inegavelmente racionais. Mesmo sem perceber, a todo instante de nossa existência estamos buscando compreender aquilo que é captado com assombro pela nossa consciência. Todavia, além de racionais somos também seres inclinados a “transcendência e a espiritualidade”. Por isto não podemos esquecer que a Trindade não é uma teoria acadêmica. Ela é uma realidade concreta e pessoal que deve invadir e impregnar a nossa vida e a vida e missão da Igreja. Mais do que encontrar fórmulas filosóficas ou teológicas abstratas para expressar o que não é possível definir racionalmente, devemos é compreender o que a doutrina da Trindade pode ensinar para a nossa vida cristã e humana. Com base nisto, entendemos que toda sociedade deve buscar sempre ser um lampejo do que é a Santíssima Trindade: Unidade na Diversidade, ou seja, iguais e ao mesmo tempo diferentes.
A comunhão e a sociabilidade da Trindade é um grande exemplo a ser seguido pela nossa atual sociedade que vive tão imersa em “amizades virtuais”, mas se esconde e foge de toda e qualquer possibilidade de convívio e compromisso familiar e fraterno. Uma Família/Comunidade que não se reúne e não respeita a diversidade de dons, carismas e ministérios, não é uma comunidade que vive a comunhão da Trindade e que caminha para a Trindade.
A vida da Santíssima Trindade é dinâmica, pois vive em permanente movimento de amor; de ser amor, de dar amor e receber amor. Deste modo, a vida dos cristãos não pode, não deve ser uma realidade estática, nem simples observação mecânica dos mandamentos e normas doutrinárias. Deve ser também movimento de amor, para acolher e se doar aos outros. Professar a fé na Trindade é acreditar que a Cruz – caminho da nossa salvação – é feita de duas forças: do ato de amar a Deus e amar ao próximo. A haste vertical na terra e apontando para o céu, é o amor e o serviço a Deus. A trave horizontal, é o amor e o serviço ao próximo. Em suma, não há como confessar e professar o amor ao Deus Trino sem confessar, professar e viver o amor ao próximo.
Que a comunhão eterna vivida pela Santíssima Trindade nos ensine o verdadeiro objetivo de nossa fé e missão: testemunhar que somos uma comunidade que nasceu do amor, vive de amor e caminha nesta terra para alcançar a plenitude do amor de Deus. Assim “a Graça do Senhor Jesus Cristo, o Amor de Deus Pai e a Comunhão do Espírito Santo estarão sempre conosco!” (2Cor 13,14)

Pe. Paulo Sérgio Silva
Diocese de Crato.




