Às vésperas do Dias das Mães, no mês santificado pelo Ano da Misericórdia, o ecônomo da Diocese de Crato, Padre Joaquim Ivo Alves dos Santos, solicitou à Comunidade Missão Resgate dois animadores para uma celebração num lugar onde ninguém quer estar.
Por um intricado labirinto de chão batido eles partiram às nove e trinta da manhã. A visita pastoral desta quinta-feira, dia 05, consitia em momentos de oração e louvor na Cadeia Pública do Crato com os filhos que perderam suas mães quando foram para o cárcere e com as mães que não sabem o que acontece com os filhos enquanto cumprem pena. Por fim, seriam entregues aos mais de de 183 presos, entre homens e mulheres, um exemplar do Novo Testamento e um Terço de Nossa Senhora Aparecida.
Às dez horas o padre e os animadores chegam para a revista. Celulares e relógios são deixados em cima da mesa dos inspetor. Da entrada do presídio até chegar a ala dos detentos é preciso atravessar doze portões, todos com grandes. Em um espaço de aproximadamente quinhentos metros, mais cento e dez presos ficam no que os agentes chamam de “posição de confere”, com os braços para trás e a cabeça abaixada. Quando avistaram o padre retirando de uma bolsa azul a batina branca e a Liturgia Diária, eles também curvaram-se. Mas não o fizeram só pelo hábito. Fizeram-no porque tinham esperanças. E, mais do que isso, simbolizaram um desejo de mudança, desejo, aliás, sinalizado em frases escritas nas paredes amareladas e na entrada das celas: “Deus é luz. É fiel. Nosso advogado é Jesus”.
Enquanto o padre paramentava-se e os dois animadores ajustavam o som, os internos que estavam próximos à grade, tratavam de por, às pressas, as camisas e, com as mãos sobre o peito, iam recolhendo-se em pensamentos e em olhares marejados. Outros, sentados em bancos de madeira encostados à mesa onde fazem as quatro refeições diárias, elevavam as mãos, como que em forma de prece. Um deles, retirando um terço do pescoço, entregou-o ao padre para que fosse abençoado. Outro, com pedaço de papel nas mãos, escrito a lápis e com letras de forma, pediu orações pela alma do avô recém falecido. A celebração toda foi acompanhada ora com cânticos, ora em silêncio, ora com o maneio dos dedos que deslizavam com suavidade pelas contas do rosário. Até os que estavam dispersos pelo pátio silenciaram.
Quando o padre perguntou os motivos que os levaram a estar ali, a resposta veio em forma de coro: “drogas, assaltos, ‘querer aquilo que é dos outros’”. “Mas Jesus ama cada um de vocês. Nenhuma ovelha está perdida. Não se precipitem. Confiem”, confortou.
Próximo às onze e trinta, quando o último amém foi pronunciado, uma horda se materializou numa organizada fila para pegar os livros e terços. Em seguida, dirigindo-se à ala feminina, do outro lado, onde vivem vinte e seis mulheres, o Padre Ivo logo quis saber: “E os pedidos de vocês, hoje?”. “Quero sair daqui pra ver minhas filhas se formando…”, disse uma detenta, erguendo-se da mesa e caminhando em direção à grade. “Pois eu tenho aqui o Novo Testamento e um Terço pra vocês”. “Oba, quer dizer, amém!”, reagiu outra detenta, atravessando a mão pelos longos ferros verdes.

Misericórdia que rompe as grandes da vida
Como se estivesse em sintonia com o Santo Padre, um dos detentos, João Batista*, tomando o microfone, agradeceu a solicitude da Igreja Diocesana de Crato em “levar palavras sadias e de honestidade” à Cadeia . “A gente precisa de ouvir palavras sadias, já que a gente não pode ir pra rua ouvir. Essas visitas traz a honestidade. Se eu errei, eu tenho que provar para os outros que eu errei. Com essa presença aqui eu sinto meu coração libertado. Nós ‘tivemos’ boas e alegres esperanças”, disse, justificando por que “mandou pedir” a visita do padre.

A celebração também foi acompanhada pelo advogado Hermano José de Sousa, que integra a Comissão de Direitos Humanos da Universidade Regional do Cariri, URCA, o Conselho da Comunidade, órgão que tem como missão fiscalizar o cumprimento da lei dentro das cadeias, da garantia dos direitos humanos à execução correta das penas, e presidente da ONG Nova Vida, projeto social que atua na formação da cidadania de crianças e adolescentes. Ele conta que, brevemente, graças a uma parceria firmada com o curso de Agronomia da Universidade Federal do Cariri, ações como o plantio de hortas estarão sendo desenvolvidas na intenção de reintegrar os detentos e detentas à sociedade. Enquanto isso não acontece, aencarcerados pelo mundo e pela vida, os homens e mulheres da Cadeia Pública do Crato seguem confiando: “Deus é fiel. É luz. Jesus Cristo é o nosso advogado”.
*O nome do detento foi modificado a fim de preservar sua identidade.





