O amor como fermento na vida matrimonial

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Na vida matrimonial, o amor deve ter espaço privilegiado para exercer o seu crescimento mútuo na vida de ambos, num um exercício contínuo para que a relação não se torne um fardo e se desgaste ao longo da vida. Só o amor pode construir a pessoa no seu processo de amadurecimento, que, por sua vez, deve fazer parte da vida matrimonial como fermento, para que ambos cresçam de forma sadia e unitiva. Onde existe amor verdadeiro não há espaços para infidelidades, brigas e separações. O amor verdadeiro faz a união sólida do casal e gera uma unidade indissolúvel.

Hoje, infelizmente, a palavra “amor” está muito desgastada. Basta tomarmos como exemplo as falsas propagações da mídia, principalmente da tevê. O amor não deve ser compreendido como sentimentalismo, paixão, romance, aventura, tampouco uma vida permeada de sexo. O amor é muito mais do que isso. O amor é muito mais do que a entrega da carne. É a entrega da vida por completa. O amor na vida matrimonial é doar-se constantemente a alguém para fazê-lo feliz; é renúncia aos próprios desejos e interesses para construir o outro sem que este perca a identidade e sua história. Mais do que sentimento, o amor na vida matrimonial é uma decisão, tomada livre e espontaneamente.

O apóstolo São Paulo, ensinado aos cristãos de Éfeso os deveres necessários entre os esposos, chega a comparar o amor esponsal com o amor de Cristo pela Igreja: “E vós, maridos, amai vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela […]” (5, 25). Este mistério é grande, fazendo referência a Cristo e à Igreja.

Interessante notar que Paulo já se referia, há quase dois mil anos, que a vivência do amor humano é um verdadeiro mistério. Quando nos referimos ao amor matrimonial como mistério não estamos falando simplesmente de um conjunto de regras ou doutrinas, mas um mistério que ultrapassa a própria doutrina e os conjuntos de regras, embora todos eles nos ajudem na compreensão do mistério, dando pistas que assim consigamos amadurecer esse entendimento, sem jamais o explicar por completo.

Embora o pecado tenha ferido a perfeita harmonia planejada por Deus para a vida do casal, Jesus transformou-o em sacramento, restaurando assim a harmonia perdida pelo primeiro casal, uma graça única para que estes possam vencer as dificuldades da vida a dois com a benção divina. De todos os sacramentos, o que apresenta a dimensão visível e natural mais rica é o matrimônio, pois requer o consentimento (o “sim” do casal). Não é o sacerdote quem os casa, são os próprios noivos que se casam na presença do ministro de Deus ou a quem o Bispo delegar. Sem essa profunda realidade humana expressa pelo “sim” – dito pelos próprios noivos – pleno, maduro, desejado, não há matrimônio. Este pode ser declarado nulo futuramente, caso falte a condição pessoal destes, algo que é essencial para a unidade e indissolubilidade que exige consentimento prévio e pleno do casal. É pela graça de Deus que o casal poderá vencer as queixas, as lamúrias, as condenações, os ciúmes, as fofocas, as brigas, as indelicadezas, as comparações e tudo o que leva a martelar os defeitos do outro e a não sublinhar suas virtudes.

Sendo uma realidade dinâmica, o matrimônio está na construção e também nas feridas que machucam e atrapalham o crescimento da vida conjugal. Algumas situações acabam gerando discussões e aberturas de feridas que podem levar anos para serem cicatrizadas, como também podem se tornar momentos de amadurecimentos para que os frutos de uma vida plena e madura se manifestem. O casal é fruto daquilo que cada um traz em sua história pessoal, de seu passado, das marcas deixadas pelas experiências que a vida proporcionou como positivas ou negativas.

O casal também é fruto daquilo que alimenta como sonhos e expectativas para o futuro, de suas necessidades e até de seus hábitos, que até então eram desconhecidos no tempo do namoro. A vida matrimonial se torna dinâmica, porque deve ser vivida sempre em construção, dando-se de forma lenta e progressiva. Matrimônio é casa que se constrói aos poucos e às prestações, a partir do compromisso assumido por ambas as partes como compromisso diário em dar-se da melhor e mais honesta maneira possível, assumindo em suas vidas a celebração que ambos realizaram diante da Igreja. O altar que testemunhou a celebração unitiva do sacramento matrimonial desejado pelo casal, agora se tornará leito para a entrega de ambos os corpos que gerarão frutos do amor esposal.

Quando os noivos sobem ao altar, eles fazem mutuamente uma declaração de amor: “Eu, Fulano, te recebo, Fulana, como minha esposa, e prometo ser-te fiel na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, amando-te e respeitando-te todos os dias de minha vida”. Isso é muito mais do que palavras românticas verbalizadas perante o outro, é, principalmente, um juramento consciente prestado ao outro, perante Deus e a comunidade cristã. Como mistério que é, o amor matrimonial só poderá ser compreendido adequadamente se for inserido no contexto do amor divino que fortalece o amor humano. E isso aumenta ainda mais a responsabilidade do casal cristão, pois deve ser sinal do amor de Deus, ou seja, manifestar na vida cotidiana o mistério que desejaram livremente abraçar. O sacramento do matrimônio não apaga os limites humanos que o outro possui, mas ajudará no crescimento de ambos para que o amadurecimento do “eu” humano seja pleno na vida sacramental do “nós”.

Precisamos ter em mente que o amor humano possui falhas, por mais lindo que seja e maravilhoso no seu mistério. Ele é frágil e precisa de cuidados e carinho especial no dia a dia. Na vida matrimonial cada dia é um novo dia na arte de amar. Quando Deus cria o homem e a mulher e os abençoa para que se multipliquem, Ele ecoa uma frase que ainda hoje testemunha essa unidade e indissolubilidade: “[…] eles se tornam uma só carne.” (Gn 2, 24).

Misteriosamente, como a semente germina na terra e cresce, o amor nasce no coração da vida conjugal quando o casal assume essa passagem na vida cotidiana. Amar é misterioso e é também complexo. Às vezes, o marido fala uma coisa e a esposa entende outra. Em outros momentos a esposa não fala nada e o marido escuta o que ela não falou. Com o tempo, o casal fala com os olhos, com a testa, com os gestos, como o jeito de andar ou se deitar. São os mistérios da vida conjugal acompanhados pelo conhecimento íntimo e natural que são próprios da vivência do mistério celebrado que agora se concretiza na vida a dois. A celebração do sacramento do matrimônio não acaba na Igreja, ele ganha extensão e se perpetua na vida conjugal.

Por fim, tudo aquilo que é contrário ao amor na vida matrimonial precisa ser banido. A palavra “cuidado” pode ser lida como adjetivo e também como substantivo masculino. Referindo-se a ela, somos uma qualidade do amor, pressupomos que o amor tenha sido rigorosamente analisado, meditado e amadurecido. O amor cuidado é o amor aprimorado, cheio de perdão e de zelo, sinal que foi tratado com carinho, esmero, atenção e confiança. Na vida do casal o cuidado nunca deve ser acompanhado de segundas intenções, mas pelo simples fato de amar e de querer cuidar daquela ou daquele que agora faz parte da minha carne e do meu cotidiano, não por acidente, mas por escolha livre e consciente.

O mundo precisa urgentemente aprender a cuidar do amor, um amor de doação, perdão, renúncias, lutas, vitórias honestas, constâncias, entregas, lágrimas, conquistas, derrotas. O mundo precisa conhecer um amor de doação por inteiro, de recomeços constantes, o tempo todo. O mundo precisa conhecer um amor de fé.

Por: Seminarista Adolfo Lima, 4º ano de teologia

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