O presidente da Comissão “Comunhão e Partilha” da CNBB e Bispo da Diocese de Parnaíba (PI), Dom Alfredo Schaffler, fala sobre como surgiu esta comissão e seus objetivos. Explana o artigo Tarefa do Bem Comum, como a política pode ajudar na formação de uma sociedade melhor para o povo, o que a Igreja Católica deve fazer para combater as desigualdades sociais. Expressa sua alegria em receber o apoio da Diocese de Crato no projeto que lidera na CNBB e compartilha a felicidade de visitar mais uma vez esta Diocese que tem como característica marcante o ser romeira e missionária. Na entrevista a seguir, concedida na casa paroquial da Paróquia São José do Limoeiro, em Juazeiro do Norte-CE, ele revela passos de sua luta por uma igreja onde o evangelho de Cristo seja vivenciado, concretizado no apoio ao social e em ações que ajudem aqueles que mais necessitam.
Patrícia Silva (PS): Dom Alfredo como surgiu a Comissão “Comunhão e Partilha” e qual a sua finalidade?
Dom Alfredo (DA): Este projeto tem um longo caminho que nós percorremos. Começou a suscitar a partir de fatos concretos quando se percebeu que temos dioceses cuja situação econômica é mais do que precária. Por exemplo, encontrei uma diocese que, por sete anos, não acolheu nenhum seminarista, porque o bispo não tinha o recurso financeiro para custear os estudos dos seminaristas.
E aí, a gente colocou isso nas reuniões do Conselho Permanente – no momento estou na presidência do Regional Nordeste IV- então a gente faz parte do conselho permanente. Colocamos isso, e têm muitos bispos que ficaram assustados, porque não estavam imaginando que nós compartilharmos as mesmas reuniões e assembleias etc., e que existissem diferenças tão acentuadas. A partir disso, começamos a refletir, um dando uma sugestão, outro dando outra sugestão.
Por fim, ficou afirmado que nós vamos, concretamente, ajudar na formação dos futuros sacerdotes, dos padres, na formação dos seminaristas de filosofia e teologia. E colocamos numa votação uma proposta, depois que eu fiz um levantamento, minucioso, nas 275 dioceses do Brasil e, na votação da assembléia geral, que estavam 280/290 bispos presente, passou, por unanimidade, que cada diocese, mensalmente, da receita ordinária, vai depositar num fundo 1% da receita ordinária, e com este dinheiro nós vamos ajudar as dioceses em situação menos favorável economicamente.
Classificamos em três categorias: o primeiro grupo são dioceses cuja renda mensal não chega a R$ 10 mil – temos dioceses que não chegam a R$ 5 mil; O segundo grupo que tem até R$ 20 mil; e o terceiro grupo até R$ 30 mil;
O primeiro grupo vai receber dois pisos salariais por cada seminarista. O segundo grupo recebe um e meio salário por seminarista de Filosofia e Teologia, e o terceiro grupo, que começamos ainda já este ano, um salário mínimo por seminarista, contanto que, atualmente, estamos sustentando por conta desse fundo que estamos administrando junto com dois bispos, um atual de Bom Jesus da Lapa, mas que foi transferido para São José, perto de Aparecida, São José dos Campos, e Dom Antoninho que está em Mato Grosso. Estamos sustentando 277 seminaristas provenientes de 45 dioceses. Então, a essas 45 dioceses nós estamos repassando, todo mês, o valor correspondente ao número de seminaristas que eles têm.
Fizemos uma prestação de contas. Começamos isso em 2012, a partir de julho, e fizemos uma prestação de contas em 2013, e este ano fizemos, na assembléia, de novo, fizemos a prestação de contas. E aí, os bispos que estão sendo beneficiados, ou qualquer um, podiam dar o seu depoimento. Nós escutamos depoimentos, assim, belíssimos, porque, a gente percebe o quanto essa ajuda, ajuda estas dioceses.
PS: Dom Alfredo, quantas dioceses, hoje, contribuem com este fundo? A diocese de Crato também faz essa contribuição?
DA: A diocese de Crato, hoje, também faz essa contribuição, está participando. Nós temos 275 dioceses no Brasil e, pelo último levantamento, parece que três ou quatros dioceses que ainda não se manifestaram, mas, num universo de 275, não representa muito. Por exemplo, uma lá no fim do Amazonas, que o bispo nunca mais veio, porque está doente, então não tomou conhecimento, e tem uma outra que, as vezes, o bispo foi transferido ou morreu e os administradores, as vezes, não tomaram conhecimento disso. Mas, as outras dioceses, hoje, de fato, estão todas participando.
A diocese de Crato, aqui no Ceará, são todas as nove dioceses, que estão participando. E, aqui no Nordeste, praticamente, todas estão participando religiosamente.
PS: Existe um período de duração desse projeto, é limitado ou permanente?
DA: Este projeto, inicialmente, foi colocado para cinco anos e, depois de cinco anos, vamos fazer uma avaliação. Por quê? No momento, nós recebemos em torno de 260/265/250, 5 mil reais, porque a receita da diocese nem sempre é a mesma, e temos um gasto de 320 tantos mil reais, como vamos cobrir?
Nós estamos repassando para as dioceses beneficiadas, dez vezes por ano, mas nós recebemos de todas as dioceses, doze vezes, então, com isso, temos um pequeno fundo, uma pequena reserva de capital para cobrir essa diferença que existe em cada mês. Depois de cinco anos, vamos fazer uma avaliação, vamos ver… por exemplo, já encontrei um bispo que disse para mim: olha nós não estamos mais precisando de dinheiro para os seminaristas da filosofia, basta vocês ajudarem para a teologia, porque a situação, por tais razões, melhorou um pouco.
E, assim, estamos incentivando para que cada diocese tente caminhar com as próprias pernas, mas temos regiões, por exemplo, eu fui agora, numa visita pastoral na nossa diocese de Parnaíba e o município, cuja renda per capita anual chega a R$ 230 mil, isso significa que não chega a R$ 6, 00 por pessoa, por dia, aí não se pode esperar muita coisa. Nós temos dioceses no Piauí, São Raimundo Nonato, que, no ano passado, tinha municípios que o ano todinho choveu 80 mm, então é pobreza pura. Toda semana saem ônibus cheios de gente que vão para São Paulo, vão embora, porque os jovens não têm perspectiva, não conseguem ver futuro. Temos de dizer, com muito pesar, eu digo isso, piauiense, de papel passado, posso dizer, mas, o nosso Piauí caminha devagar.
No Piauí, não temos pista duplicada, nós temos municípios ainda que você só encontra, chega lá em estrada de terra. Então, a gente tem de ver, tem regiões ainda muito carentes, mesmos eles se esforçando, mas não corre dinheiro, o povo não tem! Você chega numa cidade e pergunta: de que o povo vive? É da aposentadoria dos idosos. Ótimo, mas isso não vai botar o município adiante, os jovens não estão vendo futuro.
Mas, em todo caso, depois de cinco anos, vamos ter essa avaliação, cada bispo vai dizer, vamos ver como vamos fazer esta avaliação. Mas, eu creio que isso é um gesto profético que estamos colocando em vista dos 50 anos do Concílio Vaticano II. Porque no Concílio Vaticano II, o documento Lumen Gentium, no item 23, já fala que as igrejas devem se ajudar mutuamente, também, materialmente. Há 50 anos isso está no papel, agora, finalmente, botamos em prática.
PS: O projeto foi aprovado em 2012?
DA: Foi aprovado em 2012. Na assembléia começou, no segundo semestre de 2012, em julho, e os primeiros repasses foram a partir de outubro, novembro, janeiro e fevereiro não receberam. Em 2013, a partir de março até dezembro as dioceses não receberam. Este ano já abrimos para o terceiro grupo as dioceses cuja renda não chega a R$ 30 mil por mês.
PS: E o que o senhor percebeu que melhorou nesses dois anos?
DA: Sem dúvida nenhuma, os bispos tiveram a oportunidade de investir mais em outras dimensões pastorais, porque o dinheiro do seminário eles estão recebendo através desse projeto, então isso causou um alívio muito grande. Esses dias um bispo, ali no Piauí, me procurou e disse: olha, eu consegui, pela primeira vez, uma receita, por mês, de R$ 7 mil, agora, se não fosse a comissão “Comunhão e Partilha”, nós temos onze seminaristas, eu não poderia ter esses seminaristas, porque não tinha com que pagar. Então, a gente tem de reconhecer que um gesto nos dá credibilidade e eu sempre digo: nós, como bispos, como dioceses, nós temos capacidade de fazermos mais coisas, porque a gente está, às vezes, longe, não imagina as dificuldades que um bispo passa quando chega na diocese e não tem o dinheiro nem para manter os seminaristas, quando temos outras dioceses, temos paróquias, hoje, no Brasil, cujo dízimo chega a R$ 200 mil.
Nós temos esse espírito missionário e acho que nós só temos a ganhar quando abrimos para os outros, quando nós olhamos horizontes, quando nós olhamos para frente. Se nosso olhar termina na porta da sacristia, ou na porta das nossas cúrias diocesanas, eu creio que nós não vamos avançar, nós sempre temos que olhar longe. A gente olhando Ato dos Apóstolos, cartas de São Paulo, São Paulo já fazia coleta para ajudar os cristãos, lá em Jerusalém, naquele tempo, porque a terra de Jerusalém, quem conhece, já andou lá, ainda hoje se sabe é uma terra muito ingrata, não dá para criar gado grande, exemplo uma região como a nossa caatinga, no sertão, às vezes. Paulo já fez coletas naquele tempo para os cristãos, então, nós temos, nesse sentido, avançar, o dinheiro não nos pertence, nós somos, apenas, administradores, e se nós aprendemos a ser generosos, nosso povo não vai faltar, nosso povo é muito bom.
PS: Eu vejo que alguma das grandes preocupações que o senhor tem é de combater essa desigualdade existente em nossa sociedade no geral. Então, o que falta a nossa Igreja, para que nós possamos fazer isso de forma ainda mais concreta?
DA: Eu creio que são diversas formas. Primeiro, a participação efetiva dos leigos nos conselhos, conforme o direito canônico, o direito da Igreja estabelece. Lamentavelmente, temos ainda, às vezes, paróquias que na hora que o dinheiro cai na mão do padre começa os mistérios da igreja. Isso deve pertencer ao passado. Eu nunca, nos meus 45 anos de padre que eu tenho, vi alguém que queria que o padre passasse mal, pelo contrário, o povo tem muita estima pelos padres, quer muito bem aos padres, sempre disponíveis a ajudar.
Agora, segundo momento é uma prestação de contas, o povo tem o direito de saber para onde vai o dinheiro. Nós, por exemplo, começamos a prática, em todas as missas, no fim da missa, a gente já diz quanto deu a coleta. Depois do ofertório, nós temos pessoas que vão a sacristia, contam, e no fim da missa, – eu quando celebro, como bispo, digo, gente quero agradecer a vocês por participarem da coleta, a coleta deu tanto… Eu não sou dono do dinheiro da diocese, eu só apenas encarregado de administrar da melhor forma. Eu creio que isso são formas para nós avançarmos, para que as pessoas participem, com gosto, para que não sejamos uma Igreja rifada, leiloada e bingada. Nós temos de ter a condição de valorizarmos a Igreja, porque aquilo que eu valorizo, naquilo que eu valorizo, eu acredito, eu meto a minha mão no bolso. Então nós temos de olhar isso.
Em nossa diocese, de todas as taxas de batizado, de casamento, não tem mais nada disso. Toda paróquia está se mantendo por conta do dízimo. E temos um sistema, dentro das paróquias, paróquias que já tem uma receita melhor e estão ajudando as paróquias que ainda não caminharam tanto. Naquela questão, hoje, na urbanização, cada vez mais pessoas vem morar na cidade, se tem de criar novas paróquias nas periferias, então, claro, todo começo é difícil. Não é justo, portanto, que todo padre que trabalha lá, com a mesma dedicação, está na privação de outras paróquias, as vezes até mal intencionado, porque não sabem mais onde aplicar o dinheiro. Então, temos um sistema, onde cada paróquia repassa o dinheiro a diocese para um fundo, cada padre recebe o mesmo tanto, para que cada paróquia tenha um pouco mais de equilíbrio.
Eu creio que, nesse sentido, nós precisamos caminhar e podemos ainda crescer muito. Cada paróquia, cada diocese tem a sua caminhada, mas o próprio governo, a Receita Federal, hoje existe uma prestação de contas rigorosa. Nós temos que nos adequar a isso, nós temos que caminhar nessa direção, temos que nos organizar para que tenhamos essa transparência. Eu, por exemplo, quando eu vim aqui, para o Ceará, antes de ter essa estrada perimetral Norte, eu vinha lá pelo lado de Martinópoles, Morioca, etc, e aí tinha uns municípios que a gente passava, toda vez quando eu passava lá, eu via grande outdoor, e o prefeito colocava toda prestação de contas lá. Acho que isso são atitudes louváveis, nós temos também isso.
Eu, pelo menos na diocese, todo anos presto contas, para todo mundo ficar sabendo, nós temos um jornal bimestral, e aí a gente coloca. De dois em dois meses, mandam para todos os párocos o quanto que entrou na dioceses nesses dois meses, o quanto aplicou e quanto deu o saldo. Claro que, se uma paróquia atrasa, consta também, todo mundo fica sabendo, então é uma participação toda conjunta, nós somos um conjunto, porque a administração funciona como matriz e filial. A diocese é a matriz, as paróquias são as filiais. Então temos que nos adequar, temos que cumprir os prazos, porque você tem a água, você tem a luz você tem o telefone, você tem a data certa de pagar se não cortam. A diocese tem de prestar conta, agora tem umas coisas que custam, mas a gente está, nesse sentido, avançando. Todo padre recebe, de dois em dois meses, o quanto a diocese está arrecadando ou quanto que a diocese tem disso, daquilo que nós estamos gastamos. Somos uma família, também temos que mostrar como andam as finanças. E, assim também, acho que nas igrejas, nesse sentido, tem de ser essa partilha.
Nós temos também outra comissão, por exemplo, a comissão do Amazonas, que até o Cardeal Hummes, que está presidindo esta comissão, visita praticamente todas as dioceses lá no Amazonas. Pelas distâncias que eles têm, pelos meios de transportes, eles têm despesas enormes, porque esses barcos com que eles estão percorrendo essas beiradas do rio, não é qualquer um que pode dirigir, precisa de alguém que conhece, que podem andar. Os padres passam, às vezes, meses para visitar as comunidades. O bispo me falou que tem padres que não têm nem casa paroquial, moram dentro do barco, com redes, aqueles mosquitos, muriçocas, etc., etc. São também irmãos nossos que anunciam a palavra de Deus com as mãos missionárias, temos também de nos sentir comprometidos com esses irmãos nossos. Por isso, eu digo, através dessa comissão, nós somos ainda capazes de fazer mais, e eu sei que muitos bispos estão refletindo, vendo.
O Dom Sérgio, que foi bispo auxiliar de Fortaleza, arcebispo em Terezinha, hoje é arcebispo de Brasília, ele sempre defende isso, nós temos que avançar mais. Dom Odilo, por exemplo, de São Paulo, fala que somos capazes de fazer mais e assim por diante. A gente tem de olhar, o Brasil é a sexta economia, visivelmente, o povo já vive bem melhor do que outros. Então, será que nós, como igreja, não podemos seguir esse exemplo de repartilhar um pouco, de dividir um pouco? Eu creio que nós só podemos crescer, na nossa credibilidade, no anúncio da boa nova, se o povo percebe, também, isso. Por isso, este ano, fizemos um folder, com todos os dados, quanto que entrou, quanto que saiu. No depoimento, temos um vídeo de bispos que já ordenaram padres, até, por exemplo, quatro padres de etnia indígena, também por conta desse projeto. Eu fico agradecido que vocês divulguem isso, para que o povo de Deus também tome conhecimento, para que o povo note que igreja também se preocupa com o social.
PS: O senhor falou, eu achei interessante, essa questão das paróquias que se sustentam do dízimo. Vocês não sentiram dificuldade pela questão de nem todos os fiéis católicos terem a consciência de devolver o dízimo?
DA: Olha, o dízimo é um trabalho que nós temos de fazer, mas o dízimo é muito mais do que um dinheiro, claro que precisamos, mas o dinheiro não é o mais importante. O dízimo, para mim, expressa o amor que eu tenho pela minha igreja. Então é isso que devemos cultivar, é isso que devemos incentivar. Eu quero que a minha igreja tenha os meios necessários para a evangelização, para as despesas que se tem com o secretariado, com a administração, com o transporte do padre. O padre também tem de ganhar alguma coisa e a manutenção da igreja, dessas coisas todas.
Nós fizemos essa caminhada quando eu cheguei na diocese no ano 2000, já estava marcado que íamos acabar com todas as taxas, porém, eu vendo um pouco a situação, achei que não tinha condição, que, de fato, a diocese não estava numa situação tão favorável, então, viemos preparando. Agora, paulatinamente, todo ano, ministramos um sacramento, se a pessoa paga o dízimo ou não participa, ela recebe o sacramento tal qual todos os outros. Eu fiz essa experiência quando pároco de Terezinha ainda, também não tinha taxas de batizado etc., e as pessoas perguntavam: mas, padre, não tem uma despesa, um panfleto do dízimo, como se inscrever? Isso falou muito mais alto do que dizer, não, você não é dizimista, então você paga tanto, como se fosse uma mercadoria que a gente está vendendo. Eu acho que a generosidade sempre fala mais e incentiva muito mais as pessoas a participar. Este ano cada paróquia, do dízimo, 10%, tem de se destinar a dimensão da caridade e da promoção humana.
PS: Quantas paróquias vocês têm lá?
DA: Nós temos 275 comunidades, aglomeradas em 22 paróquias. Cada paróquia está repassando ou para a Pastoral da Criança ou para um outro projeto social. Temos um projeto social que incentiva as mulheres a costurar, temos 14 centros sociais para acolher crianças que estão em risco, que estão sendo acolhidas. Então, cada paróquia, destina, também, 10%. E o povo percebe que estamos praticando a caridade, porque tem situações que não se podem dar, apenas, palavras bonitas, dizer confia em Deus, você tem que meter a mão no bolso e ajudar a comprar um remédio, um quilo de arroz, de feijão. Claro que tem de ter critérios, porque, também, têm malandros, sem dúvida nenhuma, e aquilo que o povo nos confia, não temos o direito de jogar pelo ralo, mas temos sempre de nos lembrar das periferias que o Papa Francisco tanto insiste, nessas periferias tem sofrimento.
Nós, por exemplo, em Parnaíba, temos mais de 40 famílias que vivem do lixo da cidade, daquilo que nós jogamos no lixo, eles tiram e comem. Lá nós temos um centro social para acolher essas crianças e outras situações que nós estamos ajudando. Eu creio que, se, fazemos aquilo que a Igreja sempre fez, porque quem fundou os primeiros abrigos, os primeiros hospitais, as primeiras escolas, hospícios foi a Igreja. Vocês, aqui, em Juazeiro pelo menos uma opinião que carrego comigo, esta devoção do Pe. Cícero, essa estima que o povo tem, porque, no fundo, no fundo, o padre Cícero fez muita caridade e a caridade não se apaga. Na penumbra de nossa vida, nós temos, pelos discursos e pelas manifestações, seremos julgados pela caridade.
PS: Eu tive acesso a um artigo publicado pelo senhor, no ano de 2013, que tem como título “Tarefa do Bem Comum”. Eu queria que o senhor falasse um pouco sobre esse artigo, onde o senhor coloca bem claro essa questão da consciência que vai desde você jogar um papel, no meio da rua, até as grandes manifestações, principalmente, nesse período atual de copa do mundo que a gente está vivenciando.
DA: Se nós rezarmos no Pai-Nosso, venha a nós o Vosso reino, que significa construir o reino de Deus? Significa, acima de tudo, construir uma sociedade onde não é na lei do mais forte, do mais esperto, na lei da mentira, subterfúgios que vamos conseguir construir um mundo mais equilibrado, nós vamos construir um mundo diferente daquilo que se está aí base da fraternidade, então é isso que nós temos que ver. Construir o bem comum significa ter, de um lado, a co-responsabilidade por este mundo que está por vir e, de outro lado, não é apenas falar para os outros, mas fazer a nossa parte.
Um papel que eu jogo no chão, numa cidade, em qualquer canto, está prejudicando a minha cidade, a sua cidade na qual eu participo. Um imposto que eu estou negando, um sinal de transito que eu não estou observando e tantas outras coisas, eu estou contribuindo para uma sociedade mais violenta uma sociedade mais insegura. Lamentavelmente, não temos partidos que se preocupem tanto assim com o bem comum. Uma grande parte de nossos partidos que temos se preocupa mais com a eleição do que com o desenvolvimento do bem comum e por isso, nós nos arrastamos ainda, em tantas partes desse Brasil.
A gente nota, visivelmente, a diferença de um município para o outro. Eu pelo menos, nas minhas andanças, eu sou um bispo que roda por ano mais do que 40 mil km, na minha diocese eu vejo diferença. Municípios, que começaram, por exemplo, lá houve uma criação de municípios num número muito elevado, em 1996. Tem municípios hoje que é um gosto você andar e tem outros municípios que estão enfiados em dívidas, porque ambos receberam, mais ou menos o mesmo repasse, tendo uma população, mais ou menos na mesma quantidade, então por que uns tem o seu pequeno hospital, posto de saúde no interior, tem médicos que atendem, tem a escola, tem praças que tem uma limpeza, coleta de lixo,etc., e tem outros municípios que se arrastam, se afundam na sujeira e na lama?
Por exemplo, sem citar, porque fica feio falar da vida alheia, né?! (risos). Passei num município que o prefeito, simplesmente, não recolheu o pagamento da luz, da iluminação pública, porém se cobrou do povo, mas não se repassou. Hoje, graças a Deus, podemos dizer, com a lei da responsabilidade fiscal e outras legislações que foram feitas, esses prefeitos não recebem os repassem, eles têm que pagar as dívidas e com isso eles se arrastam. Agora, quem eles tão prejudicando? A população, porque falta o material do posto de saúde, não tem gasolina para uma ambulância, para levar uma pessoa doente. Então a gente tem de olhar, nós não podemos construir o bem comum sem valores, sem verdades, sem ética, sem respeito ao próximo, sem essa preocupação com o bem comum. Lamentavelmente, temos uma grande parte dos nossos partidos que não demonstram uma grande preocupação com isso. Por isso, hoje, cada vez mais, se percebe o desencanto das pessoas com a política partidária, a política devia ser um alto exercício da caridade, se fosse voltada para o bem comum, porque a política tem o objetivo de desenvolver o bem comum.
Esses dias eu vi uma estatística que mais de 60% da nossa população não quer mais o voto obrigatório, então, significa que mais da metade do povo não ia mais para a eleição. Será que isso vai solucionar? Que aquilo que deve ser modificado, de novo, não vai ser modificado porque nós nos ausentamos? Nesse sentido, eu creio que não podemos nos calar, nós temos que fazer questionamentos. Qual foi atitude de Jesus? Qual foi a pedagogia de Jesus? A pedagogia de Jesus consistia em, primeiro lugar, fazer perguntas. Para a mulher adultera: ninguém te condenou? Para Pedro, que queria ir embora: vocês querem ir embora também? Uma pergunta faz as pessoas muito mais refletirem do que uma acusação. Eu creio que nós devemos ir nesse sentido.
Eu falo todo dia, cinco minutos, na rádio e uma vez por semana um programa na televisão local, falo nos novos meio de comunicação, onde a gente também está participando, temos um jornal, então todas as portas que se abrem para o anúncio da boa nova eu estou usando, sempre nessa parte de fazer perguntas, de fazer questionamentos, para que as pessoas reflitam saiam, as vezes, um pouco da inércia, para despertar, porque nós escrevemos a nossa história com aquilo que fazemos e com aquilo que deixamos de fazer. Então, eu concluo e faço uma pergunta a vocês: você está escrevendo a história da sua vida com aquilo que você faz ou com aquilo que você deixa de fazer?
PS: Dom Alfredo, então, nessa perspectiva, uma falta de política que vise o bem comum, estaria resultando nas manifestações que a gente tem hoje?
DA: Nós temos que escutar a voz da rua, através das manifestações. Nada existe sem causa. Temos de dizer, com toda veemência, que estamos contra a violência, contra manifestações onde se quebram as praças, os telefones, ou prédios públicos, prédios de banco etc., isso não é a solução. Mas, as manifestações, graças a Deus, que a presidenta reconheceu isso, eu acho bom que aconteçam e que haja muitas manifestações para que se percebam, nós temos que repensar a nossa atuação política partidária, precisamos de uma reforma política, que se arrasta há anos no nosso Congresso, nós temos um abaixo-assinado, que está correndo por aí, para que o povo se manifeste.
Por exemplo, houve um abaixo-assinado para que 10% da receita do governo fosse destinada para saúde, está no Congresso em panos mornos. Será que estas pessoas, que estão no Congresso, e não respeitam uma manifestação democrática, devem ser reeleitas? Por isso a importância dos meios de comunicação. Aquele projeto nefasto, que está no Congresso, quando no artigo 14, no item 4, reza, expressamente vedar todos os canais de meios de comunicação à instituições religiosas. Está escrito. E também está se tentando fazer um abaixo-assinado para que isso pudesse ser colocado em prática. Por quê? Porque o próprio governo que temos, também, muitas pessoas não querem ser questionadas. Para mim, o grande mérito da nossa presidenta, quando eles queriam avançar, nesse sentido ela falou: é melhor o barulho na rua, do que silêncio nos meios de comunicação. Mas, existem grupos no governo que temos, que ainda querem botar uma fechadura na boca daqueles que são comunicadores. E isso é triste. A gente sabe que isso está acontecendo na Venezuela, a gente sabe que tá, em partes, acontecendo na Argentina, na Bolívia e não falta gente que quer que isso aconteça, também, aqui. Seria triste.
Por isso é bom que a população fique de olhos abetos e não concorde, não assine esses projetos de manifestação popular que circulam por aí. Mas, nós sempre temos de ver, a política é necessária, nós precisamos, e precisamos de bons políticos. Eu creio que um bom político é aquele que não procura cargos para botar todos os seus parentes e aderentes nem que não sejam como assessores deles, mas de um outro político do mesmo partido, noutra cidade, e depois fazem esta troca, mas que procuram, acima de tudo, se preocupar com o bem comum do povo.
PS: Dom Alfredo a Diocese de Crato é caracterizada por ser romeira e missionária. Este ano, nós estamos celebrando cem anos de caminhada com um povo que enxergam, através do Pe. Cícero e da Mãe Das Dores, um caminho de ajudar ao irmão e chegar até Deus. Para concluir nossa conversa, eu gostaria que o senhor deixasse uma mensagem para todos nós, nessa visão de busca sempre do bem comum, a qual a nossa Igreja tem como responsabilidade.
DA: É com muita satisfação e alegria, que digo algo, aqui, agora, para vocês que já falei em muitos cantos e recantos, como bispo e, ainda mais, atualmente na presidência da CNBB do Regional, a gente viaja muito então a gente tem com o que fazer as comparações. E eu sempre digo que vocês, aqui, estão de parabéns, porque, em Juazeiro, se sabe acolher bem os romeiros. Isso é visível. Em venho aqui, acho, que desde 1968, como padre novo, vindo lá de Picos, aqui o padre Murilo me acolheu.
Eu vim, às vezes, ajudar nas confissões, ele sempre falou isso, e eu creio que ele tem uma grande contribuição para o desenvolvimento dessa cidade, dessa região, através desse ensinamento. O romeiro está aqui e vem sempre de novo, porque não se sente usado nem explorado, mas se sente respeitado na sua manifestação religiosa. Só posso fazer votos que continuem assim. Eu creio que isso é uma visão muito maior do que usar o dinheiro do romeiro, porque tem também aqui, posso dizer, no Ceará, conheço um outro Santuário por aí que, meu Deus, é uma diferença de noite para o dia, onde, às vezes, até um copo d’água estão vendendo para um romeiro, e aqui sempre houve essa generosidade. Essa abertura, esse respeito aos nossos queridos romeiros que vem compartilhando a mesma fé que nós temos, então não temos o que explorar.
Segundo aspecto, o aspecto missionário. Nós não somos a igreja de Jesus Cristo se não formos uma igreja missionária. Se a pessoa apenas se preocupa consigo mesmo e fica parada, tudo que fica parado, apodrece. E o que apodrece cria catinga. E eu pergunto: não temos, também, muitos cristãos de catinga, porque perderam o espírito missionário? Como é bonito as novas comunidades que temos e que vocês também tem aqui. Jovens que colocam um ou dois anos da vida deles, interrompem o estudo da universidade, para se dedicar a evangelização. Isso é missionário. Quando, agora, o site da CNBB, em relação a juventude, abriu para a inscrição de missionários, nas férias, para ir para o Amazonas, em menos de cinco horas, mas de mil jovens se inscreveram.
Então, nós temos de olhar a última palavra de Jesus Cristo, que nós temos, antes d’Ele ter sido arrebatado ao Pai: Ide, anunciai a todos os povos. Em cada missa que vocês participam, a última palavra que o padre diz, ide, e nós voltamos para a televisão, ficamos sentados e parados. A pessoa que fica parada a poeira se assenta e perdemos o brilho, e com isso não atraímos nenhuma alma nova.
Temos de ter esse espírito missionário. Nós não vamos na casa de um vizinho para falar, agora, da copa, para falar de um capítulo da novela, por que não vamos falar também de Jesus Cristo? Quando foi que você falou a última vez para seus filhos de Jesus Cristo? Nós temos de ser uma Igreja missionária, e uma Igreja missionária sempre é aquela que vai nas periferias para anunciar a boa nova, esse Jesus Cristo que é o caminho, a verdade e a vida.
Reportagem: Patrícia Silva
Transgravação: Patrícia Mirelly





