A GLÓRIA DE DEUS SE FEZ AMOR NA CRUZ
“Humilhou-se a si mesmo; por isso, Deus o exaltou acima de tudo.” (Fl. 2, 8-9)
No último Domingo da Quaresma, somos colocados às portas de Jerusalém e consequentemente às portas do “Tríduo Pascal”. A “Semana Santa” constitui o centro do ano litúrgico e seus ritos recordam o núcleo da fé cristã (Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor). Como uma fonte de onde se origina a água que alimenta todos os rios, do Tríduo Pascal emana toda a espiritualidade cristã. Assim sendo, a Palavra nos leva a contemplar Deus que em seu amor de Pai, envia seu Filho ao nosso encontro. O Salvador partilha a nossa condição humana, faz-se servo e oferece a própria vida para vencer definitivamente o mal e o pecado. A cruz que aos poucos vai se fazendo presente no caminho e na vida de Jesus ensina o ápice do amor divino e humano: a doação da vida.
Na primeira leitura (Is 50,4-7), o profeta Isaías narra a missão de um servo anônimo que foi chamado por Deus para testemunhar à humanidade sua Palavra de salvação. Apesar do sofrimento, calúnias, torturas e perseguição, o profeta permanece confiante ante os desafios. Porquê? Porque confiou em Deus e aprendeu que Ele jamais abandona aqueles a quem chamou e que permaneceram na fidelidade a sua missão. Este servo anônimo, com sua fé e confiança, representa a fidelidade à aliança com o Deus de Israel, incentiva o povo a perseverar diante das perseguições e a esperar a ação divina. Os primeiros cristãos aprenderam a enxergar neste “servo” o anúncio da missão e dos acontecimentos da Paixão de Jesus Cristo.
Na segunda leitura (Fl 2,6-11), o Apóstolo Paulo por meio de um hino usado pelas primeiras comunidades Cristãs, apresenta-nos o exemplo de Cristo. Assumindo a condição humana, o Filho de Deus renunciou o orgulho e a arrogância (raízes do pecado) e livremente escolheu permanecer obediente aos planos de Deus Pai, servindo a humanidade, até a doação da própria vida. A “kénosis” (esvaziamento/rebaixamento) leva a renúncia de glórias humanas, honrarias, status social e bens materiais e a busca para doar-se pelo bem do próximo. Cristo, que em obediência ao Pai, assume a condição humana sem renunciar sua essência divina, em sua humildade realiza a santificação/divinização humana.
O hino resulta centralizado na “kénosis” de Cristo (Kénosis é o ato de se esvaziar de si mesmo, sem perder a própria identidade, para se abrir ao outro e encontrar-se no outro). Ao encarna-se assumindo a condição humana, o Filho de Deus renunciou o orgulho e a arrogância (raízes do pecado) e livremente escolheu permanecer obediente aos planos de Deus Pai, servindo a humanidade, até a doação da própria vida. Na vida e na obediência radical de Jesus, contemplamos a ação de Deus presente na história. Uma presença atuante, que, esvaziando-se, não quis ser tratado como Deus, mas como servo. O Deus que se faz servo-escravo é aquele que quebra a lógica da prepotência e da arrogância e apresenta a humildade e a caridade como caminho de realização humana. Ele rejeitou o caminho do orgulho e da arrogância e escolheu a obediência ao Pai por meio do serviço como o dom da vida. É esse mesmo caminho de vida que todos aqueles que carregam o honroso nome de cristãos devem livremente seguir.
O Evangelho de hoje (Lc 19,28-40/ Lc 23,1-49) apresenta dois períodos da conclusão da vida e missão de Jesus Cristo. No primeiro momento, na procissão de entrada em Jerusalém, evoca a vitória do Rei Davi sobre os filisteus, situação que provocou inveja no Rei Saul e levou o povo a aclamá-lo como seu salvador (1Sm 18,6-16). Assim como aconteceu com Davi, Jesus é acolhido e aclamado pelo povo e pelos discípulos e ao mesmo tempo é rejeitado pelos líderes políticos e religiosos. Sua entrada na cidade, montado em um jumentinho e acompanhado pelos pobres revela a mensagem do Messias que veio humildemente realizar o Reino de Deus.
No segundo momento temos a narração da Paixão do Senhor. As diferentes ações realizadas por Jesus revelam que ele morreu como viveu: com confiança em Deus Pai e com misericórdia e compaixão para a humanidade. O serviço na Ceia, a oração sacerdotal pelos discípulos, a oração confiante no Getsêmani, a palavra de consolação às mulheres a caminho do Calvário, o perdão ao ladrão arrependido, a entrega da própria vida na cruz, a confiança plena ao entregar seu espírito ao Pai, revelam o coração do Deus humanado que é capaz de renunciar seu bem mais precioso para salvar aqueles que ama.
A paixão e morte de Jesus são o momento supremo de uma vida inteira feita dom e serviço. Na cruz, é revelado definitivamente o amor de Deus – esse amor que não guarda nada para si – que se faz dom total para a humanidade. A morte de Jesus deve ser entendida no contexto de toda a sua vida. Desde cedo, Jesus entendeu que o Pai O chamava a uma missão: anunciar um mundo de justiça, de paz e de amor para toda humanidade. Para realizar este projeto, Jesus caminhou “fazendo o bem” e anunciando que Deus era amor e que não excluía ninguém, nem mesmo os mais pecadores. Sua vida ensinou que os pobres, enfermos e sofredores não deviam ser excluídos, como se fossem amaldiçoados por Deus. Na cruz, vemos surgir o Homem Novo, que ama radicalmente e que faz da sua vida um dom para todos.
Por amor, Jesus veio ao nosso encontro, assumiu nossas fragilidades, experimentou a fome, o sono, a desolação; conheceu as tentações que todos nós enfrentamos, sentiu a angústia e o medo diante da morte. E quando flagelado, abandonado e incompreendido pelos seus discípulos, permaneceu amando. Desse amor radical nasceu vida plena, que Ele quis repartir conosco através da Ressurreição e da Eucaristia.
Esquecido por aqueles a quem tanto ajudou, perseguido e caluniado por aqueles que o rejeitaram desde sempre, Jesus Cristo permanece confiante na conclusão de sua missão. Assumindo nossa condição e carregando sobre seus ombros e sua vida a nossa “Cruz”, Jesus enfrenta e vence os mais profundos desafios da existência humana vivida sem Deus: a Dor, o sofrimento, a Solidão e a Morte. O salmo meditado na liturgia de hoje manifesta a atitude de Jesus de permanecer em sua entrega confiante a Deus, mesmo quando se torna incapaz de sentir sua presença e comunhão no momento que mais necessita.
Assim a Palavra de Deus convida a refletir sobre a conclusão e o ápice de uma vida feita dom e serviço pela salvação da humanidade. Na cruz, a humanidade compreende enfim que o amor de Deus não conhece limites. Será que compreendemos a responsabilidade e exigência de seguir Jesus Cristo? Enxergamos as cruzes ao longo de nossa estrada de vida e as pessoas crucificadas nelas? Para onde nossa vida está nos conduzindo? Com nossa vida, afirmamos que Jesus Cristo é verdadeiramente o Filho de Deus?

Pe. Paulo Sérgio Silva.
Diocese de Crato.




