HOMILIA DO 8º DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO C

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DISCÍPULOS COM O CORAÇÃO CHEIO DO EVANGELHO

“… pois sua boca fala do que o coração está cheio.” (Lc 6,45)

A liturgia deste domingo, continuando a estrada percorrida ao longo dos domingos antecedentes, permanece nos colocando diante de Jesus Cristo no período de formação catequética-missionária com os seus discípulos. Os cristãos de todas as épocas são convidados a viver na atitude de transparência e sinceridade em todo o seu modo de ser e de agir. É preciso ter em mente que na esfera civil será comemorado o período de Carnaval. E que, portanto, daqui a três dias iniciaremos um período de mudança de vida, de vigilância e de conversão com a celebração da Quarta-feira de Cinzas que nos introduzirá a pedagogia e espiritualidade da Quaresma. À luz da Palavra devemos nos perguntar então: o que preenche nosso coração? Aquilo que nossa boca testemunha é a Verdade de Jesus? ou são os nossos interesses egoístas?

Na primeira leitura (Eclo 27,4-7), o Livro do Eclesiástico, através de várias alegorias, nos oferece um conselho muito prático, sensato e útil que nos lembra os ensinamentos do evangelho da semana passada: não julgar alguém apenas pela primeira impressão. Utilizando-se de várias imagens (da peneira que revela as impurezas do trigo; do forno, que testa a qualidade da argila e do vaso e a do fruto que revela a qualidade da árvore) o autor sagrado nos ensina que o tempo de convívio e a escuta das palavras revelam a verdade ou a mentira que há no íntimo de cada coração.

Na segunda leitura (1Cor 15, 54-58), a princípio podemos pensar que a conclusão da catequese do Apóstolo Paulo sobre a Ressurreição não possui ligação com o tema da liturgia deste domingo. Todavia, ao percebermos que a ressurreição é a verdade suprema do amor de Deus pela humanidade, podemos então concluir que viver e testemunhar com verdade, sinceridade e coerência o seguimento a Jesus é o meio para que essa vida plena que Deus nos reserva seja conhecida por toda a humanidade. A mentira e a falsidade conduzem a morte. A verdade conduz a vida plena. Em um mundo cada vez mais perdido na prática da mentira e notícias falsas, a audaciosa atitude de anunciar Cristo ressuscitado, por meio de uma vida cristã coerente, revigora nossa fé e nos ajuda a construir comunidades novas, que caminham na esperança da vida eterna.

As palavras que ouvimos no Evangelho (Lc 6, 39-45) de hoje estão situadas quase no final do discurso chamado Sermão da Planície[1]. Neste diálogo catequético, Jesus dirigiu aos seus discípulos algumas analogias e recomendações, afim de ajudá-los a alcançar o discernimento que levará a escolha do caminho a seguir. As imagens alegóricas são diversas: um cego tentando guiar outro cego; o discípulo bem formado igual ao mestre; o cisco do olho do irmão e a trave que há no nosso; a árvore é conhecida pelos seus frutos; a fruta tirada da planta a que pertence e por último, as ações que brotam do coração vistas como tesouro bom ou mal.

 Estas reflexões provavelmente fazem parte dos ensinamentos realizados como apelo a conversão dos fariseus e dos próprios discípulos de Jesus. Os fariseus estudavam cuidadosamente as leis e observavam escrupulosamente os seus mínimos detalhes. Apesar disto, não entendiam que o propósito da lei era a salvação em Deus. A eles, faltava o conhecimento do amor e da misericórdia divina que originou a Lei.  Os discípulos, apesar de presenciarem a demagogia dos fariseus, corriam o risco de viver na mesma situação.  Diante da fama que a proximidade para com Jesus trazia, qualquer discípulo poderia viver com uma máscara da incoerência, da dissimulação, falsidade e ambiguidade. A cegueira ou hipocrisia afirmada por Jesus pode ser de dois tipos: Aquela de quem ainda não descobriu suas próprias sombras e defeitos porque está focado demais em apontar os erros alheios; Ou pior ainda, pode ser a hipocrisia de quem enxerga seus próprios pecados, mas se nega a reconhecê-los e prefere dissimuladamente varrê-los para debaixo do tapete enquanto faz propaganda e alardeia os pecados do próximo.

Vivemos em uma sociedade atual onde milhares ou milhões de pessoas nas redes sociais se apresentam como “guias” (influencers digitais, coachs, escritores de autoajuda) que muitas vezes só estão interessados em enriquecer materialmente. À luz das leituras, o Evangelho indica os preceitos e meios para discernir e distinguir o verdadeiro daquilo que é falso: o verdadeiro “mestre” é aquele que apresenta os valores do Evangelho como Jesus, isto é, com o seu testemunho de comunhão, união, obediência, fraternidade e diálogo. O falso “mestre” manifesta intolerância, falta de transparência, hipocrisia, autoritarismo, divisões e conflitos.

Jesus utiliza-se de uma palavra dura e que causa impacto: Hipócrita! É a atitude de querer ou pretender enganar o próprio Deus. São aqueles que estão sempre apontando falha dos outros para os condenar, mas se negam a ver os seus próprios erros e falhas. Hipócrita é aquele que fala mal dos outros sem se perguntar se aquilo que detesta nos outros (vaidade, egoísmo, avareza, frieza, falsidade, violência) não está dentro do seu próprio coração.

O verdadeiro discípulo de Jesus é aquele que dá bons fruto não apenas em palavras, mas também em obras de misericórdia (Mt 25,31-40). Para isto, se faz necessário um caminhar íntimo ao coração de Jesus que é manso e humilde, afim de que sua graça nos ajude a abrir o nosso coração ao bem e a caridade, para que a nossa vida interior não se converta em uma árvore seca com frutos mirrados, ressequidos e amargos. Que a sabedoria do Filho de Deus nos ensine a tirar a trave que carregamos em nossos olhos, a fim de termos condições de ajudar os nossos irmãos e irmãs a tirarem o cisco de seus olhos.

Pe. Paulo Sérgio Silva

Diocese de Crato

[1] Muitos confundem o Sermão da Montanha com o Sermão da Planície a ponto de presumirem se tratar do mesmo momento catequético. Isto se trata de uma concepção errônea. No Sermão da Montanha, Mateus escrevendo para os judeus, coloca Jesus falando diante de uma grande multidão vinda de várias cidades da Decápole, sendo revelado como o Novo Moisés, subindo e descendo à montanha e trazendo a Nova Lei, e os Mandamentos sendo revelados plenamente na Lei do Amor. Ele mais espiritual e explicativo da lei divina. No Sermão da Planície, Lucas que escreve para fiéis vindos do paganismo, coloca Jesus falando a um público menor (os discípulos), do mesmo modo que os filósofos gregos faziam.  Se trata de um discurso mais curto e que discorre sobre a realidade prática e vivencial do cotidiano, pois o foco é ajudar o discípulo e até o pagão a entender e praticar neste mundo material, os valores do Reino de Deus. Se trata, portanto, de um ensino mais direto, íntimo e pessoal. Aqui o discipulado é apresentado como uma Aliança.  O estudo das leis não se resume a captar um conjunto ético e moral, mas promover a vivência da Lei diretamente na vida cotidiana do discípulo.

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