HOMILIA DO 7º DOMINGO COMUM – ANO A – AMOR AO PRÓXIMO: A RADICALIDADE E NOVIDADE DO EVANGELHO

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Se amais somente aqueles que vos amam, que recompensa tereis? […]. Portanto, sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito! ” (Mt. 5,46;48)

A Palavra de hoje revela que a vocação fundamental de todo ser humano é a comunhão com Deus. Comunhão aqui entendida como Perfeição e Santidade. Chamados a ser santos e perfeitos compreendemos que o caminho do discipulado é uma estrada que deve ser construída e percorrida de modo permanente em gestos concretos que são expressão daquilo que carregamos no coração. Tal qual um talentoso alfaiate que se esmera em produzir um traje nobre, Jesus, através do Sermão da Montanha, tem buscado moldar o coração dos discípulos para que eles possam se tornar também sinal da chegada do Reino.

A primeira leitura (Lv. 19, 1-2.17-18) apresenta o Livro do Levítico onde Deus informa de modo suscinto o que Israel deve fazer para viver sempre em comunhão com Ele. Dentre todos os povos da terra, Deus viu e elegeu o Povo de Israel como sinal de seu amor e salvação. Israel recebe assim uma Aliança e é separado dos outros povos. Separado não porque seja superior, mas porque ele deveria tornar-se um referencial de santidade onde todas outras nações se espelhassem e buscassem a mesma santidade como quem busca o lume de uma vela em meio a escuridão da noite.

Mesmo que a princípio ser o Povo Eleito aparente ser um privilégio elitista, na verdade, a eleição e aliança trouxeram grandes exigências e consequências para Israel. O Povo deverá seguir determinadas leis, preceitos, ritos que quando compreendidos em sua essência revelarão que a vida litúrgica/cultual se realiza em simbiose com a vida cotidiana/social. Em suma, o Levítico ensina que para viver em comunhão com Deus se faz necessária a santidade e que a santidade para ser vivida plenamente passa necessariamente pelo amor ao próximo. Este oráculo que meditamos hoje cai como o balde de água fria sobre nossas cabeças uma vez que vivemos em uma sociedade egocêntrica que teima em achar que para viver a fé é suficiente apenas fazer longas orações – orações cheias de palavras, mas vazias de sentido –  e ditar normas e regras para julgar a vida dos outros. E, no entanto, continuamos esquecendo a pergunta feita a Caim: onde está teu irmão Abel? (Gn. 4,9). Assim, para que a santidade não seja apenas uma ilusão ou utopia, é justo e necessário um permanente processo de conversão, que adentre o nosso coração e elimine o orgulho, o egoísmo, o ódio, a injustiça, isto é, a raiz do mal.

Na segunda leitura (1Cor 3,16-23), continuamos acompanhando o Apóstolo Paulo em sua odisseia pastoral na tentativa de evangelizar e trazer de volta a comunidade de Corinto a essência de sua fé. Depois de discorrer sobre a teologia da cruz onde apresentou Jesus Cristo como “sabedoria de Deus”, Paulo percebe que embora já batizados, os membros da comunidade de Corinto ainda não acolheram a Cristo, uma vez que insistem nas competições por superioridades, divisões e conflitos, permanecendo estagnados/estacionados no caminho do discipulado sem crescer e amadurecer na fé. Assim, o Apóstolo recorda aos coríntios que a comunidade cristã é o Templo da nova aliança, pois é no Evangelho anunciado e vivido na comunidade que Deus manifesta e oferece a salvação. Diante de tudo que Paulo relatou ao longo destes dois meses que temos meditado sua carta, surge a pergunta que não quer calar: será que a comunidade dos Coríntios está mesmo vivendo o Evangelho? Será que nós, cristãos atuais, estamos?

Deste modo, Paulo insiste para que a comunidade deixe de lado a idolatria aos pregadores e líderes. E na nossa atualidade é preciso deixar de lado o domínio proporcionado pelas redes sociais que ocasiona o fanatismo pelos pregadores virtuais e influenciadores digitais. Quando são fiéis a sua vocação, tanto os pregadores da Igreja nascente quantos os nossos atuais, respondem ao chamado para anunciar a Cristo e ao seu Evangelho, logo a comunidade não pode continuar a dividir-se em “seitas” cada uma com seu líder. Precisamos voltar ao primeiro amor, isto é, a sentir-se membro de Cristo cujo o amor, a doação plena na cruz e o serviço, fizeram nascer o Homem Novo, Perfeito e Santo.

No Evangelho (Mt 5,38-48), continuamos ouvindo o “Sermão da Montanha” onde Jesus catequeticamente apresenta a “nova lei” que deve guiar a vida dos discípulos para que o Evangelho seja inserido na vida da humanidade. Se no domingo passado foi apresentada a “lei do Amor”, como superação da observância escrupulosa e farisaica, hoje a sua “Lei da santidade/perfeição” é manifestada como superação do Código de Hamurabi ou Lei de Talião.

Em sua origem a Lei de Talião embora tenha surgido na cultura mesopotâmica acabou sendo incorporada no cotidiano de Israel e dos demais povos do oriente (Cf: Ex. 21,24; Lv. 24,20; Dt 19,21). Ela fora criada com intuito de promover a compensação diante de uma ofensa, algo considerado razoável, evitando assim vinganças excessivas, brutais e animalescas. Todavia, como o passar do tempo a referida lei tornou-se mais como uma “justificativa” para a vingança do que um preceito de justiça. E por consistir em uma rigorosa reciprocidade do crime e da pena – chamada de retaliação –, acabava por prejudicar o amadurecimento da sociabilidade uma vez que dava aval ou permissão para se viver sempre em expectativa de promover vingança; prendendo toda comunidade em uma espécie de espiral ou círculo vicioso de violência e rancor.

Ainda que a lei de talião aparente ser razoável, para Jesus não é suficiente. Se faz necessário romper com toda e qualquer sinal de agressividade. Por isto, propõe que os discípulos sejam capazes de interromper o curso da vingança invertendo a lógica da violência, mágoa e ódio quebrando assim os elos da violência que unem todos os povos. Todavia, isto somente se realizará se os discípulos assumirem uma atitude pacífica que responda a agressão não com a violência equivalente, mas com o amor fraterno. Deste modo, compreendemos os exemplos dados por Ele de oferecer o outro lado da face, entregar a túnica e o manto, conduzir alguém que nos força a acompanhá-lo ou até doar por inteiro a quem nos pede apenas emprestado.

Mas como acabar com esta mentalidade de violência que gera a morte e que perpassa a cultura e história de todos os povos? Eis a grande novidade do Evangelho! O amor pleno e integral que permite amar até mesmo quem nos odeia. Mesmo que a Lei antiga traga uma referência ao amor ao próximo (cf.: Lv. 19,18) com o passar o tempo esta lei passou a ser interpretada abrangendo apenas a quem pertencia ao povo de Israel. Sendo assim, o pedido de Jesus apresenta um caminho revolucionário, pois no seu entendimento o próximo não é apenas aquele a quem estamos ligados por laços familiares, étnicos, religiosos ou sociais, mas sim toda a humanidade, sem excepção, inclusive os nossos inimigos. Pois, se Deus é Pai que ama incondicional e indistintamente aponto de oferecer sua graça mesmo aos indignos, do mesmo modo aqueles que querem se tornar membros do seu Reino devem oferecer seu amor a todos.

E nisto consiste alcançar a santidade de Deus apresentado no Levítico e sua Perfeição apresentada aqui no Evangelho: Imitar o jeito de amar gratuito do Pai celeste. Ser perfeitos como o Pai equivale ao pedido para ser misericordiosos como o Pai é misericordioso apresentado anteriormente. Por centralizarem-se na Lei, muitos judeus imaginavam que qualquer descuido atrairia a cólera divina e assim passaram a crer que a observância escrupulosa da Lei lhes concederia a santidade sugerida por Deus.  E esqueceram que o Pai santo é também misericordioso. Muitos judeus assim como muitos cristãos se perderam na estrada do seguimento porque praticavam a Lei, mas não a misericórdia!

O próprio Jesus oferece o exemplo pleno, radical e perfeito de tudo aquilo que Ele hoje nos ensina: a Cruz. Na sua entrega na cruz se encontra a resistência pacífica, o amor e perdão àqueles que o enxergavam como inimigo e que o condenaram; na sua vida entregue na cruz está a doação plena que Ele aconselha ser justa e necessária uma vez que é a expressão concreta de um amor que transborda porque se dá sem conhecer medidas ou limites.

Pe. Paulo Sérgio Silva

Paróquia Nossa Senhora da Conceição – Farias Brito.

 

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