HOMILIA DO 6º DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO C

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BEM-AVENTURADOS SÃO OS QUE ESCOLHEM O REINO DE DEUS

Alegrai-vos, nesse dia, e exultai, pois, será grande a vossa recompensa no céu;” (Lc 6,23)

A Palavra de Deus deste domingo nos coloca diante do primeiro discurso de Jesus Cristo, depois que ele constitui sua comunidade e convida a multidão que o segue a tomar uma decisão vital que os leve a viver à luz dos valores do Reino de Deus e não dos valores mundanos. Os cristãos não são retóricos ou coachs! São testemunhas! Sendo assim, não é suficiente ouvir e se maravilhar com as belas palavras de Jesus, é preciso escutar e tornar suas palavras verdade e vida em nossa missão e em nossa história. Assim como aconteceu com a multidão que ouviu Jesus, somos questionados e levados a tomar uma decisão: a quem nós iremos seguir?

A primeira leitura (Jr 17, 5-8), para ajudar a discernir na escolha dos valores afirmados por Jesus Cristo no Sermão das Bem-aventuranças, nos coloca diante do perigo da autossuficiência, situação comum daqueles que põem sua confiança mais nos seres humanos que em Deus. Alinhando-se a pedagogia tradicional dos outros livros proféticos e bebendo também dos livros poéticos e sapienciais, o profeta Jeremias, ao usar uma metáfora sobre as árvores que são diferentes no deserto e na abundância da água, nos fala da nossa condição humana quando decidimos ou escolhemos rejeitar Deus e viver separados das suas propostas salvadoras (cf: Sl 1,1-6; Pr 3,13-20; Jz 9,8-15; Is 61,3; Sl 79, 12-16; Os 14,5-7; Sl 91,13-16; Dn 4,10-24; Sl 143,12; Ct 4,13; Ez 17,8-10.22-24). Assim como acontece com uma árvore em região árida e salobra, nos avisa o profeta, separar-se de Deus é plantar o coração em terra de injustiça, violência e morte. Tal atitude nos faz renunciar ao Reino de Deus que conduz à vida plena.

Na segunda leitura (1Cor 15,12.16-20) encontramos São Paulo dando continuidade à sua catequese sobre a Ressurreição de Jesus Cristo, apresentando-a como primícias[1] da vida eterna para toda a humanidade. Ainda que estejamos à espera da nossa ressurreição futura, a nossa fé exige que vivamos já como pessoas ressuscitadas, uma vez que fomos marcados pela ressurreição de Jesus Cristo ao recebermos o batismo. O que isto quer dizer, afinal?  Que não se pode ter fé na ressurreição ao mesmo tempo em que se nega os valores pregados e defendidos por Jesus. A partir desta afirmação, percebemos que não podemos nos conformar com a lógica deste mundo se quisermos ser verdadeiramente discípulos. Pois o mundo vive a lógica da indiferença que não se compadece ante o sofrimento do próximo, a dialética do materialismo que leva ao acúmulo de riquezas, negando a espiritualidade e transcendência, e pregando a guerra e a morte como solução para a violência. Devemos direcionar a nossa existência para Deus e para a vida plena que Ele tem para nós. A fé na ressurreição gera nova humanidade, que acredita na vida abundante e é solidária a defesa da vida e da dignidade em todas suas dimensões e instâncias. São Paulo nos exorta então a vencer o medo e nos comprometermos ativamente com a justiça, com a paz, promovendo e defendendo a vida em todos os sentidos para alcançar a plenitude da vida em Cristo Jesus.

Ao longo destas semanas através das narrações do evangelho na liturgia temos acompanhado Jesus lançando as primeiras sementes do anúncio do Reino de Deus. E à medida que mais e mais pessoas vão se somando a multidão curiosa que já o acompanha, se faz necessário apresentar as condições e exigências para continuar seguindo Jesus e tornar-se participante do Reino e verdadeiro discípulo.

Se trata do Evangelho meditado hoje (Lc 6,17.20-26). Lucas inicia a narração colocando Jesus em lugar alto: o monte. Ele desce do monte, com os discípulos, e trazendo as Bem-Aventuranças para apresentá-las ao povo, de modo semelhante ao que Moisés fez no Antigo Testamento (cf: Ex 19,20-25; Ex 32,15; Ex 34,27-33). No entanto Lucas apresenta algumas diferenças quando descreve o seu itinerário catequético. Moisés, sobe sozinho para encontrar-se com Deus; Jesus sobe o monte e leva consigo os discípulos. Moisés depois de encontrar-se com Deus, esconde o próprio rosto sob um véu, Jesus levanta os olhos e fala diretamente ao povo.

As Bem-aventuranças fazem eco a toda a caminhada da história da salvação, uma vez que foram inspiradas em alguns trechos do Antigo Testamento; principalmente nos Salmos e nos Livro Sapienciais. Elas são propostas e exortações que visam orientar aqueles que desejam permanecer na presença de Deus e viver as alegrias do seu Reino. Assim, compreendemos que Bem-aventurado, é quem é feliz, e sente-se abençoado, porque escolheu viver os valores propostos por Deus; ainda que às vezes esta escolha traga sofrimentos advindos da perseguição promovida pelo mal e por aqueles que rejeitaram os caminhos divinos.  As palavras e a vida de Jesus nos ensinam que o Reino dos céus pertence àqueles que sofrem porque abraçaram as propostas de Deus. Por isso, eles serão saciados, consolados e acolhidos pelo próprio Deus. A recompensa será grande para todos os que sofrem por testemunhar a fé em Jesus Cristo.

Através das bem-aventuranças, o catequista e evangelista Lucas, nos lembra que precisamos escolher qual caminho irá conduzir nossa vida e nossa coração. Não é suficiente andar atras de Jesus; se faz necessário querer viver como Jesus. Afinal é preciso saber que o Reino de Deus é aberto para Todos, mas não para Tudo; porque nem tudo promove os valores do Reino ou protege a vida e a dignidade humana. Não é à toa que Lucas ao fazer o anúncio das Bem-aventuranças, apresenta logo em seguida o anúncio das “maldições ou Ais” que caem sobre aqueles que promovem os caminhos do mal e da morte. Caso alguém deseje entrar no Reino, mas tenha escolhido ou se decidido por situações que negam o Evangelho, precisará decidir: ou entra no Reino ou permanece com suas escolhas que rejeitam as propostas de Deus.

Alguém pode estar se perguntando enquanto lê este texto. Mas se a escolha das bem-aventuranças vai trazer perseguição e sofrimento, vale a pena vivê-las? (cf:Lc 6,22-23) Numa imagem metafórica podemos enxergar as Bem-aventuranças como sementes fecundas e as maldições como o joio que pode perigosamente crescer e sufocar o Reino de Deus que deseja nascer e frutificar no coração humano (Mt 13,24-30). Utilizando-se de uma metáfora análoga a da primeira leitura, lembremos que o cultivo da terra não é feito sem suor e dor, já que exige muito esforço físico. Logo, cultivar ou viver qualquer parte do evangelho sempre demandará esforço espiritual. E do mesmo modo que as “maldições ou Ais” que parecem ser um caminho mais fácil e prazeroso, o joio se parece com o trigo, cresce rápido e bonito, mas na época da colheita, o joio se apresenta desanimador uma vez que suas espigas são vazias e insalubres. Sendo assim, escolhamos sabiamente, pois o que escolhemos no hoje de nossa vida, é o que teremos mais na frente, no futuro de nossa existência.

Como cristãos, discípulos missionários de Jesus Cristo, sabemos que aquilo que aprendemos em nossa catequese na infância permanece como verdadeiro. O caminho das bem-aventuranças é o mandamento do amor a Deus e do amor ao próximo. É neste caminho que permanece a verdadeira bênção e felicidade plenas.

Pe. Paulo Sérgio Silva

Diocese de Crato.

[1] Originalmente o termo “primícias” significa ou identifica os primeiros frutos de uma árvore. Com o passar do tempo, na Sagrada Escritura, o termo passou a ser utilizado, por exemplo, para falar sobre os primeiros frutos de uma colheita, os primeiros animais de uma cria ou até mesmo o primeiro filho de um casal. No Novo Testamento passou-se a utilizar o termo para falar da Ressurreição de Cristo como primeiro fruto da salvação. Vejamos alguns exemplos a seguir: Os primeiros resultados da colheita (Ex 23,19). Cristo como Primogênito (Hb 1,6; Cl 1,15; Ap1,5; Cl 1,18; Rm 8,29) Figuradamente: o primeiro presente que Deus dá aos fiéis (Rm 8,23); o primeiro a crer (Rm 16,5); o primeiro na ressurreição da vida (1Cor 15,23); o primeiro lugar entre as criaturas (Tg 1,18); os primeiros a serem apresentados a Deus (Ap 14,4).

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