HOMILIA DO 4º DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO B

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DEUS É LIBERDADE EM PLENITUDE E VIDA EM ABUNDÂNCIA

Maravilhavam-se com a sua doutrina, porque os ensinava como quem tem autoridade[…].” (Mc. 1,22)

A liturgia deste Domingo nos revela que Deus não se conforma com ações e atitudes de egoísmo e de morte que ferem a dignidade e que escravizam os seres humanos. A ação redentora de seu Filho manifesta que Ele vem ao nosso encontro para nos propor um caminho de liberdade e de vida plena.

A primeira leitura (Dt. 18,15-20) nos convida – a partir da vocação de Moisés – uma reflexão sobre ser profeta. O texto possui contornos de “testamento espiritual” uma vez que se trata de um trecho dos discursos finais de Moisés, realizados na planície de Moab antes da entrada na Terra Prometida. Moisés pressente sua morte e começa a preparar lideranças para guiar e conduzir o povo eleito pelos caminhos do Senhor. Deste modo, nos é apresentado um dos pontos fundamentais da estrutura organizadora de Israel: o profetismo. O profeta é alguém que Deus escolhe, chama e envia para proclamar sua “Palavra” viva aos seres humanos. O verdadeiro profeta não transmite uma mensagem pessoal ou palavras que agradem ao coração do povo. O fundamento de sua vocação é a fidelidade a vontade de Deus. O profeta é aquele que tem a coragem de enfrentar a realidade que escraviza e causa a morte. Ele deve testemunhar fielmente as propostas de Deus para os homens e para o mundo. A missão profética deve sempre servir a Deus, aos planos de Deus, da verdade de Deus, e não ao serviço de planos pessoais, interesseiros e egoístas que causam desolação e sofrimento no mundo.

Sendo assim, na segunda leitura (1Cor. 7,32-35), São Paulo convida os fiéis cristãos a repensarem as suas prioridades vitais afim de não deixar que as realidades passageiras os impeçam de viver o verdadeiro compromisso com o serviço de Deus e dos irmãos. No trecho que meditamos, no entanto, é preciso ressaltar que não se trata de uma rejeição do Apóstolo ao matrimônio, Paulo nunca afirma que o casamento seja uma realidade má ou um caminho a evitar. Para Paulo, o casamento é uma realidade importante. Ele considera que tanto o casamento como o celibato são dons de Deus (cf: 1 Cor 7,7). Para o Apóstolo, mais importante que hierarquizar o celibato e o matrimônio, é viver com o coração inteiramente voltado para a vontade de Deus. O essencial no ser cristão não ser celibatário ou ser casado, mas sim amar e servir concretamente a Cristo. A incisiva defesa do celibato feita por Paulo deve ser vista no sentido de priorizar a liberdade que nos torna mais disponíveis para semear o Reino.

O Evangelho de hoje (Mc. 1,21-28), tal qual as semanas anteriores, ainda nos insere nas ações iniciais da missão de Jesus.  São os primeiros acontecimentos que começam a se revelá-lo como Messias e caminho de salvação. Pela sua Palavra e pela sua ação, Jesus Cristo devolve a dignidade, renova a vida e transforma em pessoas livres todos aqueles que vivem prisioneiros do egoísmo, do pecado e da morte.

Como vimos na primeira leitura, a vocação profética possui como alicerce a fidelidade a Palavra e a vontade de Deus. Os líderes religiosos do tempo de Jesus muitas vezes manipulavam a Palavra para dominar a consciência do povo e manter o poder. Esta não é uma realidade muito diferente da nossa atualmente onde muitos líderes estão mais preocupados em se autopromover do que em anunciar o Evangelho, mas apressados em vender seu produto do que falar de Jesus Cristo e conduzir as ovelhas ao seu encontro. Jesus não perdia tempo com retórica vazia que agrada o ego e o ouvido, mas resseca o coração. A autoridade a qual é admirada com espanto em Jesus é fruto da sua experiência de intimidade com Deus Pai. Seu modo de falar como modo é livre, sincero, coerente e compassivo. Sua palavra possui autoridade no coração do povo porque é acompanhada de ações concretas que são a realização do que Jesus anunciou. Ele vive o que ensina e ensina o que vive.

Na perspectiva bíblica e no tempo de Jesus, esses “espíritos maus” que dominam ou possuem a pessoa, tinham um poder absoluto, que os seres humanos não podiam, sozinhos e com as suas débeis forças, vencer. Assim, creditava-se que só Deus, com o seu poder e autoridade absolutos, era capaz de vencer os “espíritos maus”” e devolver a vida e a liberdade perdidas. Apesar do exemplo se referir a um homem possesso, para Marcos, a ação libertadora de Jesus se realiza contra toda realidade que escraviza o ser humano e isto inclui não apenas a possessão por um espírito mau, mas também realidades concretas como fofocas, julgamentos dos erros alheios, corrupção, ganância, puritanismos, falsidade, imoralidade sexual etc. Repetindo: o evangelista apresenta a realidade através da imagem do espírito impuro. Todavia, o que está sendo refletido não se trata apenas da possibilidade de dominação pela influência demoníaca direta, mas toda ação humana que priva o próximo dos seus direitos primordiais como paz, saúde, alimentação e dignidade.

Assim sendo, temos a mesma missão de Jesus Cristo. Apesar da incompreensão e da intolerância de que são vítimas, os discípulos de Jesus não devem se fechar nas sacristias, ignorar o sofrimento ou se curvar diante da dominação dos perversos. Mas devem assumir corajosamente e de forma bem visível e concreta o seu serviço missionário na transformação das realidades políticas, econômicas, sociais e familiares.

Pe. Paulo Sérgio Silva.

Diocese de Crato.

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