“Deus escolheu o que o mundo considera como fraco, para assim confundir o que é forte.” (1Cor. 1, 27)
Depois de acolher Jesus como o Cordeiro de Deus e ouvirmos o seu chamado à beira do mar da Galiléia, agora somos convidados para subir o monte e sentados ao lado dos outros discípulos, ouvir o projeto de vida de Jesus que sintetiza todos os valores do Reino de Deus. Assim a Palavra de Deus nos ensina que no projeto do seu Reino só existe lugar para quem, assim como os pobres, simples, humildes e pacíficos, aceita se despir dos projetos individuais e renunciar o egocentrismo, a ganância e orgulho.
Na primeira leitura (Sf. 2,3; 3,12-13), o profeta Sofonias proclama a verdade em uma época difícil para o Povo de Deus. Os reis e governantes desconfiaram da Aliança e pediram ajuda política aos assírios. A influência estrangeira causou a invasão de costumes e práticas pagãs que promoveu a reconstrução dos altares aos deuses estrangeiros. A aliança é abandonada de tal forma que um rei ofereceu seu filho em holocausto à Ball. A estes pecados juntam-se as injustiças que afligem os mais pobres e desprotegidos que são vítimas dos juízes corruptos, dos sacerdotes gananciosos e comerciantes ambiciosos. O profeta denuncia o orgulho e a autossuficiência dos ricos e dos poderosos e convida o Povo de Deus a converter-se à pobreza. Os “pobres” aqui são aqueles mesmos mencionados por Jesus nas Bem-Aventuranças; não são apenas os que possuem poucos bens materiais, mas sim aqueles que se entregam nas mãos de Deus com humildade e confiança, acolhem com coragem e amor as suas propostas e promovendo a justiça e solidariedade. Deste modo, Deus manifesta que sua predileção não depende de fama, poder e riqueza material. Ele prefere os que praticam a justiça. Por isto, aqueles que ouviram o profeta e mudaram suas vidas serão chamados os “pobres do Senhor” ou “o pequeno resto de Israel”. Entender isto é muito difícil principalmente hoje quando muitos cristãos vivem e pautam suas vidas pela falsa “teologia da prosperidade” que os leva a enxergar a riqueza material – mesmo conseguida a base de corrupção e roubo – como sinal prioritário do favor e amor de Deus.
Na segunda leitura (1Cor 1,26-31), São Paulo continua sua catequese fundamentada nos valores do Reino na esperança de converter novamente a comunidade de Corinto que se perdeu já no início de sua caminhada vocacional por se basear no desejo de grandeza e poder. De modo semelhante ao que a Igreja tem feito nesta pós-pandemia, o Apóstolo Paulo, devido as urgências da evangelização, escreve usando a rede social mais comum naquele tempo: a Carta. A sua intenção é resgatar a igreja de Corinto da armadilha que seu orgulho e narcisismo haviam criado no seio da comunidade. De modo paterno, o Apóstolo ao recordar aos cristãos que Deus não escolhe o que é considerado forte e poderoso segundo a lógica do mundo, denuncia que a comunidade cristã está repetindo o mesmo erro cometido por Israel no A.T. colocando a sua esperança e a sua segurança em esquemas político e em projetos individuais assumindo uma perigosa e destrutiva atitude de orgulho e de autossuficiência. Sendo assim, convida os cristãos a encontrar em Cristo crucificado a verdadeira sabedoria que conduz à salvação e à vida plena. É preciso ressaltar que em sua vida e missão, Jesus jamais se gloriou dos espantosos sinais que realizou como manifestação da chegada do Reino. Pelo contrário, Cristo louvou ao Pai por revelar seu amor aos pequenos, humildes e pobres (cf: Mt. 11,25-30 / Lc. 10,21-24). Caso a comunidade de Corinto não se converta e retorne ao caminho do discipulado, seus projetos se transformarão em ruínas e desmoronarão tal qual a Torre de Babel no início da humanidade. Reafirmando o que foi dito pelo profeta Sofonias, Paulo nos lembra que na perspectiva do Reino, a conversão sempre exigirá renúncia ao orgulho, à prepotência e ao egoísmo para que assim se alcance à comunhão com Deus e com os irmãos. E nós, cristãos atuais, estamos decididos a percorrer este caminho de conversão? Estamos dispostos a renunciar a lógica do “deus mercado” que objetifica o ser humano? Renunciaremos a idolatria das armas e da guerra?
Em nossa peregrinação do tempo comum, Mateus tem nos conduzido catequeticamente nos primeiros passos de Jesus em direção a Jerusalém. Depois de afirmar quem é Jesus (Mt. 1,1-2,23), definir a sua missão (Mt. 3,1-4,16) e narrar a vocação dos primeiros discípulos (Mt.4, 18-23), no Evangelho de hoje (Mt. 5,1-12a) o evangelista apresenta as Bem-Aventuranças como uma síntese dos valores do “Reino”; projeto que é o centro da vida e da missão de Jesus. Mateus procurou, assim, oferecer às comunidades cristã nascentes – e também a nós – um novo código ético, que se tornará um caminho de santidade que superará em plenitude a Lei que guiava o Povo de Deus no A.T.
As Bem-Aventuranças são proclamadas em um monte – lugar que recorda o monte Sinai onde Deus se revelou e entregou sua Aliança. No entanto, agora já não é mais um intermediador (Moisés) que recebe a Aliança escrita em tábuas de pedra. É o próprio Deus que fala ao seu povo e coloca sua nova Aliança em seus corações. Elas foram inspiradas em alguns trechos do Antigo Testamento; principalmente nos Salmos (Cf: Sl.84,5.6.13), nos Livro Sapienciais (cf: Prov. 3,13) e nos Profetas (cf: Is. 30,18; 32,20; Dn. 12,12). Elas são propostas que visam orientar aqueles que desejam permanecer na presença de Deus e viver as alegrias do seu Reino. Assim compreendemos que Bem-aventurado, é quem é feliz, abençoado, porque escolheu viver os valores propostos por Deus; ainda que as vezes esta escolha traga sofrimentos advindos da perseguição promovida pelo mal e por aqueles que rejeitaram os caminhos do amor divino.
As palavras e a vida de Jesus nos ensinam que o Reino dos céus pertence àqueles que sofrem porque no tempo presente eles abraçaram as propostas de Deus. Por isso, eles serão saciados, consolados e acolhidos pelo próprio Deus. A recompensa será grande para todos os que sofrem por testemunhar a fé em Jesus Cristo. Mateus nos ensina isto de modo suscinto quando percebemos que em Mt 5,1-12, Jesus apresenta as bem-aventuranças como caminho a ser percorrido e na conclusão do evangelho, Ele as apresenta como reconhecidos frutos de vidas consumadas pelo amor e seguimento ao Evangelho. Tanto que o próprio Jesus nomeia quem viveu as bem-aventuranças como os “benditos do meu Pai” (Mt. 25, 31-46).
Seus ensinamentos nos lembram que precisamos escolher qual caminho irá conduzir nossa vida e nosso coração. Afinal é preciso saber que o Reino de Deus é aberto para Todos, mas não para Tudo; já dizia o Apóstolo Paulo: “Tudo me é permitido, mas nem tudo me convém” (1cor. 6,12) porque nem tudo promove os valores do Reino e protege a vida e a dignidade humana. Caso alguém deseje entrar no Reino, mas tenha escolhido ou se decidido por situações que negam o Evangelho, inevitavelmente precisará decidir: ou permanece no Reino ou fica com suas escolhas que rejeitam as propostas de Deus. Quem ouviu o chamado precisa decidir e seguir o mesmo caminho do Mestre.
Pe. Paulo Sérgio Silva.
Paróquia Nossa Senhora da Conceição – Farias Brito.