HOMILIA DO 4º DOMINGO DA QUARESMA – ANO C

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A MISERICÓRDIA É FONTE DE PERDÃO E ALEGRIA

Mas era preciso festejar e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi encontrado” (Lc 15,32)

            Nesta quarta parada de nossa peregrinação em direção a Jerusalém somos chamados a viver o “Domingo Laetare” (Domingo da Alegria). Esta pausa para viver a alegria em meio a observância quaresmal, convida-nos a descobrir o Deus misericordioso que se empenha em reconduzir-nos a uma vida de comunhão com Ele. Sua Palavra o apresenta com a imagem de um Pai que ama com amor eterno e infinito e que por isto está sempre pacientemente à nossa espera, pronto para nos acolher no calor de um abraço quando decidimos retornar a sua vida. Ao contrário do que podemos comumente pensar, a quaresma não possui como característica a tristeza, o sofrimento e a penúria como mera recordação do pecado, pois se trata de uma preparação para celebrar a ação definitiva de Deus em favor do ser humano.

            Na primeira leitura (Js 5,9a.10-12), no início do Livro de Josué, contemplamos os primeiros momentos do povo de Israel na almejada chegada à Terra Prometida. Enquanto realiza o Rito da Circuncisão, o povo entende que são chamados a uma conversão comunitária, sinal de um princípio de vida nova na terra que lhes trará felicidade, liberdade, paz e comunhão com Deus. O tema central aqui é a Vida Nova que se inicia para o Povo de Deus. Este recomeço para o povo eleito é marcado pela celebração da Páscoa em uma terra onde serão livres da escravidão. Todavia, para que esta condição seja perene será sempre necessário permanecer na fidelidade a Aliança feita com Deus. Sendo assim, somos convidados, a uma experiência semelhante. É preciso rejeitar a sedução do pecado e caminhar em direção à vida nova, de liberdade e de paz oferecida pelo Reino de Deus que é o centro e a essência da missão de Jesus Cristo.

 Na segunda leitura (2Cor 5, 17-21), o Apóstolo Paulo, olhando para além da entrada na Terra Prometida, recorda que o grande dom de Deus se realiza não em um lugar, mas em uma pessoa: Jesus Cristo. Ao se deixar abraçar pela redenção em Cristo, a humanidade não entra em uma nova terra, mas em nova condição: a filiação divina. Adentramos na comunhão com ele por seu amor e perdão. Não se trata de um lugar, mas de uma experiência de fé. Acolhendo a oferta de amor que Deus nos faz através do seu Filho Jesus seremos transformados/transfigurados em criaturas novas porque seremos definitivamente reconciliados com Deus e com os irmãos e irmãs.

A motivação da parábola anunciada no Evangelho de hoje (Lc 15, 1-3.11-32) é oferecer uma resposta meditativa aos fariseus que se escandalizavam com a atitude acolhedora de Jesus em relação aos pecadores públicos. Todo o capítulo 15 do evangelho segundo Lucas é na verdade uma catequese dedicada ao ensinamento sobre a misericórdia. Não é à toa que esta parábola é considerada o coração do Evangelho, uma vez que revela o jeito de Deus ser, pensar e agir. O seu âmago é a apresentação da misericórdia divina vista aqui como uma mescla ou junção do amor e da generosidade do pai, que acolhe tanto o filho mais velho e fiel quanto o filho mais novo e rebelde, em uma jubilante festa pascal.

Em respostas as críticas farisaicas, Lucas apresenta uma catequese sobre a bondade e o amor de um Deus que quer estender a mão a todos sem excluir ou marginalizar ninguém. Nesta parábola compreendemos que o amor de Deus é constituído de Misericórdia e que, portanto, não segue os ditames da justiça humana baseada na lógica racional.

Embora a parábola seja normalmente denominada como “o filho pródigo”, o personagem central é o Pai. Este ser que ama de forma gratuita, com um amor fiel e eterno e respeita as decisões e escolhas dos filhos mesmo quando são fruto de erros, irresponsabilidade e da rebeldia. Muitos teólogos afirmam que aqui o Pai ama como amor de mãe. Um amor que permanece fiel e inalterado apesar da rejeição do filho mais novo e da amargura do filho mais velho. Este amor e sua amplitude são simbolizados na paciência para com o rancoroso filho mais velho, na acolhida festiva ao retorno do rebelde filho mais novo, no anel que representa autoridade e na sandália que representa o homem livre. A alegria que permeia a liturgia de hoje não é, portanto, a do filho que retorna, mas na verdade é a alegria do pai que reencontra seu filho vivo e salvo (Lc 15, 7.10/ Ez 18,21-22 / Ez 33,11).

A “rivalidade entre os dois irmãos” tendo Deus como apaziguador não é algo novo na história da salvação. Ela aparece pela primeira vez com Caim e Abel (Gn 4,1-16), depois com Esaú e Jacó (Gn 27,1-45), e José e seus irmãos (Gn 37,12-35). Aqui ela é revelada como um sentimento de amargura alimentado no silêncio do coração até emergir numa explosão como demonstrada no rompante do irmão mais velho. Os acontecimentos possuem também traços que nos recordam a parábola do Fariseu e o Publicano (Lc 18,9-14). Tanto filho mais velho quanto o fariseu consideram a presença na casa do Pai e no templo como um tipo de “trabalho” pelo qual deveriam ser pagos. Daí vem o rancor do filho que se considera obediente e perfeito porque não gastou a herança com prostitutas de modo semelhante ao fariseu que afirma não ser adúltero, ladrão e desonesto como o publicano (Lc 15, 29-30 / Lc 18,11-13). O filho mais novo enquanto caminha retornando à casa paterna ensaia uma oração (Lc 15,18-20) que se assemelha a pequena oração do publicano (Lc 18,13).

A parábola do “pai bondoso e misericordioso” é a imagem de Deus que respeita nossas decisões e nossa liberdade mesmo quando a usamos para buscar a felicidade onde só há desolação, penúria e morte. É o Deus que nos ama de forma infinita e que incansavelmente espera nosso regresso. É este amor que promove o reencontro, a acolhida e a reintegração a sua família divina.

Esta catequese nos faz um convite para nos revestirmos de cada personagem, mas sobretudo, contemplar a todos através do olhar do Pai. Agimos muitas vezes como o filho mais novo, ingrato, insolente, teimoso, egoísta, orgulhoso e autossuficiente ou como o filho mais velho, rancoroso, amargurado e incapaz de compaixão. Assim como fez com fariseus, saduceus, escribas e doutores da lei do seu tempo, ainda hoje Jesus convida os cristãos a aceitar e partilhar da jubilosa alegria de Deus, diante da conversão dos pecadores que os conduz de volta à dignidade da vida. Lucas encerra a parábola com o insistente convite do Pai para que o filho mais velho entre e partilhe da alegria por causa do retorno do irmão. Não sabemos a decisão final do filho mais velho. Ficara ele sentado no umbral da porta, emburrado, indignado e recusando-se a deixar que o pai seja misericordioso? Ou superou o rigorismo disfarçado de obediência (a lei pela lei) e abriu-se ao amor para se tornar imagem e semelhança do Pai? Ficaremos também nós, sentados “à porta do céu”, nos recusando a entrar por vislumbrar dentro dele, pessoas que considerávamos indignos da graça divina?

Enquanto caminhamos “neste vale de lágrimas”, aqueles que foram encontrados por Cristo e se dispõem para colaborar no anúncio do Evangelho, devem buscar ao menos agir como o empregado que comunica ao irmão mais velho o retorno do seu irmão na esperança de que se aproxime da festa e se alegre. Então, no anoitecer de nossa vida, talvez já maduros espiritualmente e com a “estatura do Cristo” (Ef. 4,13), contemplaremos o mundo com o olhar misericordioso do Pai.

Pe. Paulo Sérgio Silva

Diocese de Crato

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