HOMILIA DO 3º DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO C

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JESUS CRISTO: CENTRO E ÁPICE DO ANÚNCIO DA PALAVRA

O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa Nova aos pobres.” (Lc 4,18)

Encerrado o tempo do Natal com as epifanias do Verbo Encarnado no período do seu nascimento, o Tempo Comum inicia sua mistagogia também apresentando as “epifanias” de Jesus Cristo no início de sua vida pública enquanto lança os alicerces da comunidade cristã. No domingo anterior, vimos a manifestação de Jesus em Caná, em meio aos festejos de um casamento. Hoje, Jesus se manifesta numa celebração da sinagoga de Nazaré, onde Ele, ao exercer o ministério de leitor, atualiza a promessa messiânica. Deste modo, a liturgia de hoje nos conduz a compreensão de que a verdadeira experiência de fé cristã somente se torna possível em nossa história quando fazemos da Palavra de Deus o centro de nossa vida e a força que impulsiona nossa missão. Embora muitos queiram reduzir a Palavra a uma mera doutrina intelectual, sabemos que ela é “viva, eficaz e penetrante” sendo um auxílio para “discernir os pensamentos e as intenções do coração” (Cf: Hb 4,12).

A primeira leitura (Ne 8,2-4a.5-6.8-10), assim como domingo passado, apresenta o povo de Israel enfrentando dificuldades durante o retorno a terra santa depois do exílio da Babilônia. O governador Neemias e o sacerdote Esdras receberam autorização do rei da Pérsia para reconstruir Jerusalém e o Templo. O sacerdote convoca e conclama o povo a reunir-se tendo como centro o que eles possuíam de mais sagrado: as Lei. A leitura clara e a escuta atenta da Escritura produzem um pesar no coração de cada fiel, o sentimento se transforma em choro e propósito de conversão. O povo recorda que Deus nunca abandonou Aliança feita com Israel. Esdras e Neemias convidam o povo a alegrar-se e festejar diante do privilégio de poder novamente ler e escutar a palavra de Deus. Esta leitura manifesta todo o respeito que o povo de Israel possuía pela Lei, e ao mesmo tempo questiona se nós, cristãos, ainda temos a mesma afeição, reverência e consideração pela Sagrada Escritura nos dias atuais.

Na segunda leitura (1Cor 12,12-30), continuando a reflexão sobre a unidade na diversidade, São Paulo recorda aos cristãos de Corinto que a sua comunidade nasceu do anúncio do Evangelho e se alimenta da Palavra e que por isto, deve superar todas as formas de divisão por meio da mesma Palavra também. Em meio as rixas e competições desnecessárias que permeiam a comunidade de Corinto, Paulo ensina aos fiéis que a Igreja mais do que a soma dos indivíduos batizados, é o princípio unificador da presença atualizada de Cristo na terra. Logo, fugindo das divisões que alimentam o ego, os cristãos, através da diversidade de dons e carismas, devem buscar alcançar a unidade na multiplicidade dos fiéis. Usando a analogia do corpo humano e seus membros, o Apóstolo afirma que os fiéis cristãos, para permanecer unidos a Cristo, devem transformar a Palavra em realidade concreta através da unidade, comunhão, solidariedade e do serviço. Afinal, “ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo”. (Bento XVI, Carta Encíclica Deus Caristas Est. 1,1)

No Evangelho (Lc 1,1-4; 4,14-21), no início do seu escrito, Lucas o endereça a alguém chamado “Teófilo” (do grego Theós = Deus, Philos=amigo). Deste modo, ele nos comunica que pesquisou e partilha sua experiência de fé, escrevendo para todos que já são ou desejam ser amigos de Deus.

Se utilizando de uma passagem do profeta Isaías, Lucas apresenta o projeto da missão de Jesus. Neste contexto, entendemos que Cristo é a Palavra de Deus que se faz pessoa e, portanto, se faz realidade concreta no meio da humanidade, realizando o tempo da Graça de Deus, anunciando a libertação e trazendo a esperança àqueles que padecem ante o sofrimento, miséria e o pecado. Pois “o cristianismo não é a religião do livro”, (Bento XVI, exortação apostólica pós-sinodal Verbum Domini). Nossa esperança nasce e é alimentada “não duma palavra escrita e muda, mas do Verbo encarnado e vivo” (São Bernardo, Homilia super Missus est, 4, 11 e CIC, §108).

Nas palavras do profeta Isaías, Jesus sintetiza o seu projeto de vida e missão: anunciar aos pobres a Boa Nova. O tempo da Graça por excelência. Afirmar que a Palavra de Deus se cumpriu, significa afirmar que a humanidade finalmente encontrou Deus em Jesus Cristo. A ação messiânica de Jesus se torna a atualização de todas promessas que Deus fez a humanidade através do povo de Israel no A.T. Em paralelo, entendemos que se o agir de Jesus, em seu tempo, foi a atualização do tempo da Graça, no “hoje” de Israel, do mesmo modo o agir da Igreja no mundo é a atualização da Graça redentora de Cristo para a humanidade.

Através do projeto missionário de Jesus, Lucas recorda aos cristãos de todos os tempos, o caminho missionário da Igreja e as condições para permanecer na fidelidade ao seu Mestre. Os discípulos devem viver conscientes de que a sua missão é a mesma de Cristo e que consiste em levar a “boa notícia” da libertação e salvação aos mais pobres e excluídos do mundo. Assim como Jesus, a Igreja é ungida e guiada pelo Espírito para viver e dar continuidade ao tempo da Graça iniciado por Ele.

Cabe-nos as indagações reflexivas: Estamos atualizando a salvação dada em Cristo ou apenas realizando pastoral de manutenção? Em nosso tempo, quem são os que necessitam do anúncio da Boa Nova? São as crianças e idosos ignorados pela sociedade? São os migrantes carentes de solidariedade e acolhida e sem lar para morar? São aqueles que estão presos nas prisões físicas? Ou aqueles que se encontram cativos nas prisões existenciais dos vícios e do pecado? São as famílias atacadas em sua sacralidade? São as crianças não nascidas cujas vidas foram extirpadas pela sociedade egoísta e narcisista?

A luz do Evangelho de hoje entendemos que só em Cristo é que podemos compreender toda a história da salvação e toda a Palavra que foi anunciada pelos profetas. E assim como aconteceu com aqueles que o ouviram no seu tempo, cada cristão e cada comunidade deve fixar o seu olhar em Cristo e tornar-se anunciador da esperança colaborando na construção de verdadeiras comunidades de vida e de amor. Pois esta é a essência da missão da Igreja: promover o encontro com Jesus Cristo afim de que todos os povos da terra se tornem teófilos, isto é, se tornem “amigos de Deus”.

Pe. Paulo Sérgio Silva

Diocese de Crato.

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