HOMILIA DO 3º DOMINGO DA QUARESMA – ANO B

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AMAR A DEUS E AO PRÓXIMO, EIS O MANDAMENTO DEFINITIVO

Destruí este templo, e em três dias eu o levantarei.” (Jo. 2,19)

A Liturgia da Palavra deste Domingo manifesta a eterna preocupação de Deus em conduzir a humanidade ao encontro da vida nova. Nesse sentido, em comunhão com Campanha da Fraternidade, a sua Palavra nos propõe caminhos de conversão enquanto nos ensina que para viver a comunhão com Deus necessitamos também viver a comunhão e a fraternidade com os demais seres humanos.

Na primeira leitura (Ex. 20,1-17), por meio do livro do Êxodo, somos apresentados ao Decálogo, um conjunto de mandamentos que visa indicar o caminho correto para uma vida plena. Os mandamentos pretendem levar Israel (e toda humanidade) a deixar a escravidão do egoísmo, da autossuficiência, da injustiça, da ganância, das paixões e da cobiça que levam a exploração. Os mandamentos nascem do amor de Deus e procuram indicar ao Povo o caminho para ser feliz. A resposta do Povo será aceitar as indicações e viver de acordo com esses preceitos. Longe de ser uma algema composta de dez elos que visam amarrar a liberdade, os mandamentos são orientações que indicam às duas dimensões fundamentais da nossa existência: a nossa relação com Deus e a nossa relação com os irmãos. Percebemos esta dinâmica pelo modo como os mandamentos são mostrados: os quatro primeiros mandamentos visam orientar como deve ser estabelecida nossa relação com Deus. Os 6 mandamentos consecutivos visam estabelecer laços comunitários de respeito, dignidade e reciprocidade.

Na segunda leitura (1Cor. 1,22-25), o apóstolo Paulo sugere-nos uma conversão à lógica de Deus que é manifestada em plenitude na loucura da cruz. Assim compreenderemos que a salvação, a vida plena, a felicidade sem fim não estão numa lógica de poder, de autoridade, de riqueza e de dominação, mas na vida da cruz, isto é, no amor total, no dom da vida até às últimas consequências, no serviço simples e humilde aos irmãos. Para o apóstolo Paulo, na cruz de Jesus, manifestou-se, plena e definitivamente, o poder salvador de Deus.

No Evangelho (Jo. 13-25), somos apresentados a uma catequese prática de Jesus, onde Ele busca ensinar com palavras e gestos concretos, o mistério da cruz e ressurreição. Indignado com a exploração financeira do Templo de Jerusalém, Ele reafirma a inviolabilidade da dignidade humana e apresenta-Se como o “Novo Templo” onde Deus Se revela aos homens e lhes oferece o seu amor. Assim como Deus não permanece numa fé que busca coisificar o humano em troca de enriquecimento material, Ele também não habita um templo onde existe exploração da vida humana. Deste modo, o evangelista nos convida a contemplar Jesus e assim descobrir na sua vida e no seu “Evangelho” essa proposta de vida nova que Deus nos quer apresentar. De nada adiantará uma observação mecânica e obsessiva dos mandamentos se ao mesmo tempo formos insensíveis ao sofrimento que o pecado causa na vida dos nossos irmãos e irmãs. Como é que podemos encontrar Deus? Como podemos descobrir e viver os seus caminhos? O Evangelho responde: com Jesus. Nas palavras e nos gestos Dele, Deus revela-Se a nós e manifesta-nos o seu amor, oferecendo a vida plena e se fazendo companheiro de nossa caminhada.

Assim como fez com o povo de Israel, o libertando e salvando, Deus quer continuar a ajudar a humanidade a caminhar livre e feliz, sobretudo no limiar de sua Casa – casa aqui entendida seja como Templo, seja como ser humano integral). Desta maneira, compreendemos a reação singular e única de Jesus – que não aparece em nenhum outro momento ao longo do evangelho. O Templo era ou ao menos deveria ser o único lugar onde todos poderiam se sentir acolhidos e ouvidos por Deus. E diante da “liturgia comercial” que havia ocupado centro da vida do Templo e que negava aos mais pobres o acesso ao interior do Templo e aos sacrifícios expiatórios, Jesus expressou a indignação que sentiu no coração do Pai. O Senhor já havia dito pelo profeta Isaías: “Não posso suporta maldade na festa religiosa!”[1] (Is. 1,11-17). Por isto, a reação de cólera de Jesus, motivada pelo desrespeito de muitos pela Casa de Deus. Para além da multiplicação de pães e as curas milagrosas, o que o Senhor deseja é edificar o seu Reino, tornar toda a humanidade uma comunidade fraterna, solidária, livre, onde os direitos e a dignidade de todos são respeitados.

Qual é o verdadeiro culto que agrada a Deus? Evidentemente, não são os ritos pomposos que muitas vezes por ausência de espiritualidade se tornam áridos e estéreis. Não deve haver dicotomia entre o culto e a vida diária, porque a vida diária é a continuação da experiência que vivemos na Eucaristia. No dia do Senhor, celebramos o mistério da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo, que vivemos durante a semana. O culto que Deus acolhe é uma vida vivida na escuta e na prática da sua Palavra manifestada em gestos concretos de doação, de entrega e de serviço a humanidade. A observação dos mandamentos não pode e nem deve ferir a dignidade humana, afinal Deus não se encarnou e nem se entregou na cruz por um rito, mas sim pela humanidade. Humanidade esta que apesar da ingratidão, permanece sendo para Deus, o seu bem mais precioso. A partir do mistério da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo nos tornamos o corpo vivo, o templo vivo, graças ao Espírito Santo que nos foi dado no Batismo (Rm. 5,5). Sendo assim, busquemos assumir este zelo vital exigido e vivido por Jesus. Zelo este que deve ser tanto pelo Templo construído quanto pelo ser humano onde habita este mesmo Espírito que nos foi dado.

Em nossos exercícios espirituais, sacrifícios e renúncias quaresmais supliquemos ao Senhor que Ele nos faça percorrer este caminho quaresmal de modo que ele seja um itinerário de conversão e de penitência, para podermos eliminar da nossa vida todo o pecado, purificando assim o nosso corpo que permanece sendo templo do Espírito Santo.

Pe. Paulo Sérgio Silva

Diocese de Crato

[1]De que me serve a mim a multidão das vossas vítimas?” – diz o Senhor –. “Já estou farto de holocaustos de cordeiros e da gordura de novilhos cevados. Eu não quero sangue de touros e de bodes. Quando vindes apresentar-vos diante de mim, quem vos reclamou isto: atropelar os meus átrios? De nada serve trazer oferendas; tenho horror da fumaça dos sacrifícios. As luas novas, os sábados, as reuniões de culto, não posso suportar a presença do crime na festa religiosa. Eu abomino as vossas luas novas e as vossas festas; elas me são molestas, estou cansado delas. Quando estendeis vossas mãos, eu desvio de vós os meus olhos; quando multiplicais vossas preces, não as ouço. Vossas mãos estão cheias de sangue. Lavai-vos, purificai-vos. Tirai vossas más ações de diante de meus olhos. Cessai de fazer o mal, aprendei a fazer o bem. Respeitai o direito, protegei o oprimido; fazei justiça ao órfão, defendei a viúva.”

 

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