A IGREJA REUNIDA EM TORNO DA DIVINA MISERICÓRDIA
“Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado. E não seja incrédulo, mas fiel.” (Jo. 20,27)
Concluindo a oitava da Páscoa, celebramos hoje o Domingo da Divina Misericórdia que foi incluído no calendário litúrgico pelo Papa e agora santo, São João Paulo II, em 30 de abril de 2000, na Missa de canonização de Santa Faustina, religiosa cujas revelações particulares a tornaram conhecida como apóstola da Divina Misericórdia. Assim sendo, desde o ano 2000 as comunidades e as paróquias de todo o mundo passaram a celebrar no segundo domingo da Páscoa a Festa da Divina Misericórdia. A partir disto compreendemos porque a liturgia da Palavra deste domingo revela a comunidade cristã como o lugar de encontro com Jesus ressuscitado. A Igreja cuja missão essencial é anunciar o Evangelho, é chamada a ser instrumento da Misericórdia Divina pelo testemunho da Caridade e pela comunicação dos sacramentos de Cristo.
Ao longo desta semana da Oitava da Páscoa temos contemplado – através dos olhos de São Lucas e de sua obra – os primeiros anos da comunidade cristã. Todavia, ao contrário do que o livro de Atos dos Apóstolos nos apresenta, a Igreja já passava por grandes dificuldades internas e externas. Na década de 80 D.C – época na qual Lucas escreveu sua obra – a fé entusiasmada e dinâmica dos primeiros anos de cristianismo começava a esfriar e esmorecer. Os cristãos desanimaram por vários motivos: a) durante anos esperaram ansiosamente o retorno glorioso de Jesus que não se realizou; b) as perseguições tornavam-se cada vez mais frequentes; c) o surgimento de falsos mestres com doutrinas gnósticas causou divisões e descrença no interior das comunidades.
Deste modo, na primeira leitura (At. 2,42-47), Lucas ao apresentar a comunidade cristã de Jerusalém, com os traços da comunidade perfeita e ideal, ele na verdade está recordando aos cristãos o que é essencial na fé cristã para que eles continuem – mesmo em meio as grandes perseguições – dando testemunho daquilo que são verdadeiramente: a comunidade dos discípulos de Jesus Cristo. Por isto, a Igreja é apresentada como uma família formada por pessoas de raça e tribos diversas, mas que vivem a mesma fé “num só coração e numa só alma” (At. 4,32). Se trata de uma comunidade que vive intensamente os ensinamentos do Senhor Jesus e se reúne para louvá-Lo na oração e na Eucaristia, e manifesta esta vivência com o amor fraterno que ecoa em gestos concretos de partilha, de doação e serviço, testemunhando desta forma a graça transformadora da Ressurreição de Jesus Cristo. Será este testemunho concreto do Evangelho vivido e praticado nas primeiras comunidades que inquietará e encantará os pagãos a ponto de eles afirmarem assombrados: “Vede como eles se amam!” (Tertuliano)
Na segunda leitura (1Pd. 1,3-9), o Apóstolo Pedro, em resposta a expectativa da volta gloriosa de Jesus Cristo, escreve uma catequese batismal. Os destinatários são cristãos que vivem em comunidades cristãs das zonas rurais da Ásia Menor e que começam a sofrer as perseguições enquanto tentam professar a fé que acolheram. Como cristão, o autor da carta conhece as provações que eles estão sofrendo porque são as mesmas provações que ele próprio enfrenta todos os dias. Sendo assim o apóstolo informa àqueles que decidiram fazer parte da comunidade cristã nascente que a identificação batismal de cada cristão com Cristo os conduzirá à ressurreição. Por isto, eles devem se manter firmes na fé. Tendo Cristo e sua paixão e morte de cruz como horizonte norteador, Pedro exorta os cristãos a buscar a ressurreição através da vida concreta do dia a dia na vivência da esperança, da solidariedade e do amor. Somente assim eles alcançarão a coerência e a fidelidade necessárias para testemunhar Cristo ao mundo. Em suas breves palavras, Pedro recorda aos membros da comunidade cristã quais os critérios que definem a vida cristã autêntica: o verdadeiro discípulo é aquele que amando a Deus acolhe com convicção a proposta de salvação que – através de Jesus Cristo Ressuscitado – Ele faz a humanidade. Este amor a Deus é manifestado no amor vivencial e concreto para com os irmãos e irmãs.
No Evangelho (Jo 20,19-31), o apóstolo João, expressa a centralidade de Jesus, Vivo e Ressuscitado, na comunidade cristã. É em torno d’Ele que a comunidade se estrutura e se reergue em meio a desolação. E é Ele que lhes doa a vida nova por meio do sopro do Espírito Santo, os animando e tornando-os capazes de enfrentar as dificuldades e as perseguições. Por outro lado, é na vida da comunidade (na sua liturgia, no seu amor, no seu testemunho) que os homens encontram as provas de que Jesus está vivo.
Mas como se chega à fé no Ressuscitado? Pode-se fazer a experiência da fé em Cristo vivo e ressuscitado na sua Comunidade. Ela que é o lugar onde se irradia naturalmente o amor de Jesus Cristo. Com a sua postura, Tomé representa todos que vivem fechados em si mesmos e que não acreditam no testemunho da comunidade; se recusando a acreditar nos sinais de vida nova que se manifestam nela. Como Tomé, nossa atual sociedade contemporânea em constante e permanente atitude egoísta, se recusa a entrar e participar da mesma experiência comunitária do encontro com Cristo e exige obter (somente para si próprio) uma demonstração particular e privilegiada de Deus. Mas é o mesmo Tomé que vivencia a experiência de Cristo vivo no interior da comunidade. No entanto, isto só se torna possível porque no domingo seguinte ele volta a estar com a sua comunidade. Reunir-se com Jesus e sua comunidade é uma indicação que toda comunidade é convocada para celebrar a Eucaristia, pois somente no encontro com a fraternidade, com o perdão dos irmãos, com a Palavra proclamada, com o pão partilhado, é que se faz a experiência com Jesus Cristo ressuscitado.
Ao incrédulo Tomé – por viver na mesma época que Jesus Cristo – foi dada a graça de ao retornar ao seio da comunidade, experimentar de modo “palpável” Aquele que fora crucificado e ressuscitara para nossa salvação. Ele contemplou, se aproximou e acreditou. Tornou-se fiel. Aos cristãos ao longo das eras, no entanto, é transmitido o testemunho escrito das testemunhas oculares, para que nós creiamos e, crendo, tenhamos a vida em seu nome. Nós somos os felizes e bem-aventurados “que acreditam sem ter visto”! Nossa fé é pois Apostólica e Eclesial porque somos herdeiros daqueles que ouviram o Cristo e transmitiram sua Palavra e seu ensinamento fielmente a humanidade.
Para refletirmos: O que a nossa comunidade tem testemunhado? Quem procura Cristo ressuscitado, o está encontrando em nós? O amor de Jesus transparece nos nossos gestos e nas vidas de nossas comunidades?
Pe. Paulo Sérgio Silva.
Paróquia Nossa Senhora da Conceição – Farias Brito.