A ESCRAVIDÃO DA RIQUEZA QUE IMPEDE O AMOR DE DOAR-SE
“Combate o bom combate da fé, conquista a vida eterna, para a qual foste chamado…” (1Tm 6,12)
A liturgia deste domingo tendo como centro mais uma parábola catequética nos convida novamente a uma reflexão sobre a nossa relação com os bens materiais. Somos exortados a enxergar os bens deste mundo como dons que Deus colocou nas nossas mãos, para que os administremos e partilhemos, com gratuidade, solidariedade e amor.
Na primeira leitura (Am 6,1a.4-7), continuamos acompanhando o abrupto, contundente e categórico clamor do profeta Amós, que emprestando sua voz ao coração de Deus, denuncia o luxo, a luxúria e a irresponsabilidade das classes dominantes (rei, ministros, sacerdotes e comerciantes). Em sua época, Israel vive novamente um falso tempo de prosperidade e paz. As autoridades se fartam de comida, roupas e perfume finos enquanto o povo padece sufocado pela injustiça social e a ameaça de invasão pagã. Contrariando a expectativa dada pela falsa prosperidade, o profeta anuncia que Deus não apoia esta realidade e não irá silenciar diante desta situação, pois um reino onde alguns privilegiados se empanturram enquanto outros morrem de fome não é sinal de presença divina, mas sim de egoísmo, corrupção e injustiça. E isto não tem nada a ver com o projeto que Deus traçou para a humanidade e para o mundo. A realidade denunciada pelo profeta revela uma semelhança preocupante e vergonhosa com a nossa sociedade atual. Vivemos ainda tempos dramáticos como resultado da devastação da pandemia e das crescentes guerras. E enquanto milhões de pessoas frequentam filas em busca de restos de comida e ossos, pretensos influenciadores digitais, empresários, ministros religiosos e políticos acumulam fortunas e expões vidas desnecessariamente luxuosas e opulentas.
A segunda leitura (1Tm 6,11-16) apresenta a conclusão da carta do Apóstolo Paulo ao seu estimado amigo, Timóteo, a quem Paulo considerado como filho na fé. Se na primeira leitura o profeta Amós denunciou os erros de uma vida longe de Deus, aqui São Paulo oferece conselhos de como um verdadeiro homem de Deus deve viver. O cristão deve fugir da perversidade que mata e esmaga o ser humano. Deve viver a justiça, a piedade, a paciência, a fé, o amor, a firmeza e a mansidão (1Tm 6,11). Para o Apóstolo, “guardar o mandato íntegro e sem mancha até a gloriosa manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo” (1Tm 6,14) significa imitar a vida de Jesus, e de modo semelhante a Ele doar-se inteiramente pelo próximo, não vivendo para si mesmo, mas partilhando tudo que possui para que todos possam ser ricos da Graça de Deus em Cristo Jesus.
O Evangelho (Lc 16,19-31) apresenta-nos a parábola do rico e do pobre Lázaro, que respectivamente parecem reproduzir a denúncia do profeta Amós – ricos fartos e pobres famintos – na primeira leitura. Igualmente ao profeta Amós, a catequese de Jesus rema contra a corrente do senso comum que normalmente acredita que riqueza é sinal de benção divina. Para o evangelista Lucas, a riqueza é sempre sinal de pecado, uma vez que transparece uma apropriação, em benefício próprio e egoísta, dos dons que Deus reservou e ofertou para todos.
Em discurso que recorda muito o Salmo 1, Jesus apresenta na parábola a vida de dois homens: um rico vive rodeado de luxos e festas, enquanto um necessitado chamado o Lázaro, vive na miséria e encontra-se doente. Não são dados mais detalhes sobre a vida de ambos. Não se sabe se Lázaro era um homem virtuoso e piedoso. Não diz se ele fora trabalhador ou um preguiçoso e por isto estaria sozinho e doente. Apenas o seu nome nos oferece uma pista para seu destino e sua esperança: Lázaro significa “Deus ajuda”. Quanto ao rico, também pouco se sabe sobre suas atitudes. Não se menciona se era bom ou mau cotidianamente. Se costuma ir ao templo rezar ou se era um explorador dos mais pobres. Apenas uma única atitude: uma completa indiferença ante o sofrimento e a fome de Lázaro. Porque então os dois são levados a caminhos tão diferentes e extremos na vida eterna?
O rico tornou-se a personificação do uso inadequado da riqueza. O seu luxo o levava a pensar em satisfazer unicamente suas próprias necessidades. E isto ocupou tamanho espaço em seu coração que o cegou a ponto de não enxergar alguém faminto e doente todos os dias na porta de sua casa. Ele é a pessoa cujo poder financeiro leva todos ao redor a se preocupar e servir. Ao passo que Lázaro é menosprezado, ignorado e esquecido por todos, menos por Deus. O fato de Jesus nomear Lázaro, mas não o rico também é simbólico: revela que quando o dinheiro passa a dominar nosso coração e se apodera de nossa vida, pode fazer com que esqueçamos quem somos. Alguém sem nome não possui identidade.
Com a passagem da vida terrena para a vida eterna, a distância que era apenas temporária e remediável se torna permanente. Já não há mais possibilidades de mudança nos destinos. O abismo entre a riqueza e pobreza que era reparável pela caridade e solidariedade na vida terrena, agora na vida eterna se revela intransponível devido a separação entre a misericórdia e a ganância e o egocentrismo. No final cada um permaneceu com o que escolheu como apoio para a própria vida: os bens materiais passageiros, no caso do rico, que o levaram a perder tudo. A confiança e esperança em Deus, no caso de Lázaro, as quais permanecem para sempre.
Na segunda parte da parábola quando o rico intercede pelos irmãos que ainda estão na vida terrena, Jesus oferece mais um valioso ensinamento para os fariseus que eram especialistas em decorar a Lei, mas não em vivê-la. O rico sabia da importância da Palavra de Deus, mas escolheu não escutar seus apelos e não se deixar transformar por ela. Ao mencionar a ressurreição, Jesus ensina que nem mesmo os mais miraculosos sinais são capazes de transformar um coração que não acolheu a Palavra de Deus.
Quantas lições a Palavra de Deus tem para oferecer para nossa sociedade atual vive em constante ato de afastamento de Deus e autodivinização! A riqueza financeira cada vez mais centralizada nas mãos de poucos não é vista como algo que deve servir a todos, mas como expressão de status e domínio. A riqueza cultural que ao invés de ser usada para ensinar e servir, torna-se um meio para demonstrar superioridade e subjugamento. E a riqueza afetiva que ao invés de produzir comunhão e fraternidade é transmigrada para possessividade e dominação alienantes.
Em resumo. O evangelho nos convida a mais uma decisão vital enquanto continuamos acompanhando Jesus na subida a Jerusalém. Escolheremos imitar a vida do rico indiferente e egocêntrico denunciado na parábola e no clamor do profeta Amós?! Ou buscaremos viver a vida de fé e de esperança do pobre Lázaro cujas virtudes são também apresentadas através dos conselhos do Apóstolo Paulo para Timóteo?
Peçamos ao Deus que venha em nosso auxílio como sua Palavra e nos faça colocar em prática os valores do Reino nos tornando mais atentos aos irmãos necessitados. E assim a caridade nos torne livres para partilhar com eles aquilo que nos foi confiado pelo Senhor na esperança de multiplicarmos estes dons enquanto caminhamos, já aqui na vida terrena, para a vida eterna.
Pe. Paulo Sérgio Silva.
Diocese de Crato.
Paróquia Nossa Senhora da Conceição – Porteiras.
Paróquia Nossa Senhora das Dores – Jamacaru.