HOMILIA DO 24º DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO A

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O PERDÃO SEM LIMITES COMO SINAL DO AMOR INFINITO

“É assim que meu Pai que está nos céus fará convosco, se cada um não perdoar de coração ao seu irmão.” (Mt.18,35)

            Amados (as) irmãos e irmãs!

            No domingo passado acompanhamos o Mestre Jesus falando aos discípulos sobre os passos da correção fraterna que é fruto da caridade. Continuando a sua formação catequética que visa preparar os discípulos para o Reino de Deus, a Liturgia da Palavra, nos indica um tema que está ligado essencialmente a caridade fraterna que é: o Perdão.  Enquanto nos apresenta um Deus que ama sem estipular cálculos ou medidas, a Palavra lembra a todos os cristãos que devemos assumir uma atitude semelhante para com todos caminham ao nosso lado.

            No Antigo Testamento já existiam normas e leis que convidavam a viver o perdão para com os irmãos de comunidade. No entanto esta dinâmica de amor e de misericórdia excluía os inimigos e estrangeiros e explicitava que o perdão tem limites e que não se deve perdoar indefinidamente. Pedro, representando a comunidade ainda presa as atitudes legalistas, pergunta qual o número de vezes que se deve perdoar. Respondendo a ele, a parábola utilizada por Jesus, fala-nos de um Deus cheio de bondade e de misericórdia que derrama sobre os seus filhos a superabundância do seu perdão. Por meio desta parábola, somos convidados a descobrir a lógica do Reino de Deus e a deixar que a mesma lógica de perdão e de misericórdia sem limites seja o caminho que conduz nossa vida ao lado dos irmãos com os quais partilhamos a fé.

            No primeiro momento da parábola (Mt. 18,21-35), um funcionário real ao prestar contas ao seu rei percebe-se incapaz de pagar a sua dívida gigantesca. O rei ordena então que o funcionário e a sua família sejam vendidos como escravos. O devedor, no entanto, suplica a sua compaixão, e o senhor deixa-se dominar por sentimentos de misericórdia e ao invés de adiar o pagamento, perdoa completamente a dívida. Este mesmo funcionário que experimentou a misericórdia do seu senhor, se recusou, logo em seguida, a perdoar um companheiro que lhe devia uma pequena quantia. A atitude dele, relatada pelos outros funcionários, escandaliza o rei, que decide o castigar severamente.

            A atitude incoerente do funcionário é a mesma que é repreendida na primeira leitura (Eclo. 27,33-28,9) quando o autor do Livro do Eclesiástico pergunta ao pecador que alimenta o rancor e a ira: “Não tem compaixão do seu semelhante e pede perdão para os seus próprios pecados?” Esta pergunta praticamente faz eco a atitude indignada do patrão ao constatar a dureza de coração do empregado que instante antes havia sido perdoado de toda sua dívida. Todavia, a indagação não se dirige apenas ao personagem da parábola narrada, mas também a cada um de nós que muitas vezes corremos pressurosos aos pés do sacerdote para suplicar o perdão no sacramento da Penitência ou Reconciliação e no entanto, nos recusamos a perdoar a mínima ofensa que nos foi dirigida. Os ensinamentos contidos na parábola nos exortam a despertar para perceber que todos somos convidados em nossa fé a evitar caminhar pela lei de Talião, isto é, invertermos a lógica do “olho por olho, dente por dente”, fazendo com que as nossas relações com os irmãos sejam marcadas por sentimentos de perdão e de misericórdia. Somente assim o ser humano construirá a sua felicidade nesta terra, pois assumindo a lógica do Reino poderá pedir e esperar de Deus o perdão para as suas falhas.

            Mas como alcançar algo que parece ser humanamente impossível? Como perdoar sem limites? São Paulo, na segunda leitura (Rm. 14,7-9), nos apresenta nosso modelo a ser imitado: Jesus Cristo. O cristão deve moldar sua vida a luz da vida do próprio Mestre. Pois “se vivemos, vivemos para o Senhor, e se morremos, morremos para o Senhor. Portanto, quer vivamos quer morramos, pertencemos ao Senhor”. Cristo na sua atitude de perdão infinito, é o modelo que devemos imitar.

            Às vezes, na vivência diária de nossa fé, esquecemos o essencial e perdemos tempo e força em discussões fúteis e desnecessárias. Discutimos se devemos receber a comunhão na mão ou na boca, se determinado cântico é litúrgico ou não, se os padres devem se casar, se a procissão do padroeiro da paróquia deve passar somente por tal rua. E facilmente, esquecemos o amor, o respeito pelo outro, a fraternidade, e que todos vivemos e pertencemos ao mesmo Mestre e Senhor.  A pedagogia da parábola que é o centro do evangelho de hoje sempre me faz lembrar a letra de um cântico que meditamos em nossas celebrações que afirma: “Se eu não perdoar o meu irmão. O Senhor não me dá o seu perdão. Eu não jugo para não ser jugado. Perdoando é que serei perdoado”. (Cântico de Comunhão Quaresmal). Pois o centro de nossa fé é o perdão encarnado. O que é a Cruz senão a manifestação concreta do perdão incondicional, infinito e superabundante deste Deus benevolente?

            Na história narrada, Jesus Cristo, nos lembra do essencial da missão do discípulo. A parábola revela que existe uma relação entre o perdão de Deus e o perdão humano. Mas então o perdão de Deus tem condições? Ele não é infinito? O Evangelho não está negando a infinita misericórdia de Deus. Todavia, para que o perdão de Deus alcance o coração humano, este mesmo coração deve permanecer aberto tanto para pedir misericórdia para com também para ser fonte de misericórdia. Se um coração se fecha e endurece-se pela mágoa e rancor, a graça de Deus não encontrará espaço para entrar e fazer nele a sua morada. Afinal, com a mesma medida com que medimos os outros seremos também medidos por Deus (Mc. 4,24 / Mt. 7,2). O Papa Francisco inclusive ressaltou estes dias que a atitude de pedir e oferecer perdão é essencial para todos os relacionamentos, sobretudo para a família é a base de toda sociedade. Nas palavras do Papa Francisco: “Sem perdão a família se torna uma arena de conflitos e um reduto de mágoas.”

Quem fez a experiência suprema do perdão deve ser transformado por este perdão e vivê-lo também. Perdoar o próximo significa atualizar o mesmo perdão que recebi de Deus. Quem se reconhece perdoado, sabe que o perdão é sempre um dom, que recebo de Deus por pura benevolência.

            Mas atenção! O perdão não pode ser confundido com a omissão ou silêncio diante do que é errado. O cristão não silencia a injustiça e a maldade; não aceita o pecado e não se cala diante do erro. Todavia, também não alimenta rancores e mágoas através dos erros dos outros e jamais deve permitir que os conflitos o impeçam de ir ao encontro para partilhar o perdão recíproco. Perdoar não significa ficar em silêncio ou fugir do dever da construção de um mundo fraterno. Significa estar sempre disposto a ir ao encontro, a estender a mão para levantar quem caiu, a dar outra oportunidade para recomeço, assim como Deus, em sua infinita misericórdia, faz conosco no dia do nosso Batismo e faz a cada vez que o buscamos no sacramento da Reconciliação.

            Em suma, perdoar é experimentar o amor de Deus e deixar-se transformar por Ele. Não poderemos pedir o máximo do perdão para nossos pecados, enquanto não somos capazes de perdoar o mínimo da ofensa que nos fizeram. O próprio Jesus já havia dito que somente quem muito ama será capaz de muito perdoar (Lc. 7,36-50). Ser discípulo de Jesus Cristo significa assumir na vida uma atitude de bondade e compreensão e assim ter a vida marcada pela Misericórdia, pelo Acolhimento e pelo Amor que é a origem de todo perdão. Pois como nos lembra São João da Cruz: “No entardecer da vida, seremos julgados pelo Amor”.

Oremos: Ó Deus da paciência e do perdão, vós que perdoastes a nossa imensa dívida. Nós Te pedimos que o teu Reino se realize em nossos corações e que todas as nossas comunidades sejam sinal deste Reino de Paz e de Perdão. Amém.

Pe. Paulo Sérgio Silva

Paróquia Nossa Senhora da Conceição – Farias Brito.

 

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