ACOLHAMOS AO CRISTO E SUA CRUZ
“E vós, quem dizeis que eu sou?” (Lc. 9,20)
As solenidades celebradas nos domingos anteriores encerraram o tempo pascal e ao mesmo tempo nos reintroduziram na longa estrada do tempo comum. Tempo litúrgico este que nos convida a aprofundar nossa vocação de discípulos missionários através do convívio com Jesus Cristo. Para assegurar nossa permanência nesta estrada, a Palavra de Deus nos conduz a compreensão de quem de fato é Jesus e qual sua missão. E uma vez feita esta experiência, a mesma Palavra nos indaga se estamos dispostos a trilhar o mesmo caminho percorrido por Cristo, mesmo sabendo que ele nos conduzirá à cruz.
A primeira leitura (Zc 12,10-11; 13,1) apresenta-nos um profeta desconhecido cuja vida repleta de sofrimento, perseguição e aflição, tornou-se fonte abundante de conversão e purificação. Ainda que a imagem deste servo oprimido remeta a outros episódios de perseguição ao inocente injustiçado (Cf: Is, 52,13-15; Is 53,1-12) que inesperadamente oferece sua vida como sinal da glória divina, o oráculo parece remeter também ao prodígio do rochedo que se transforma em fonte abundante de água em meio ao deserto graças à intervenção de Deus (Ex 17,1-7; Nm 20,1-13; Sl 77,15-16). Sua missão, que a princípio aparenta desembocar em um desastroso abismo, nos revela que uma vida de doação não é um caminho de fracasso, mas sim um manancial capaz de gerar vida nova. As primeiras comunidades cristãs lançaram novas luzes sobre a figura deste misterioso profeta e o enxergaram como imagem prefigurada do Messias, Jesus Cristo.
A segunda leitura (Gl 3,26-29) o Apóstolo Paulo escreve a comunidade dos Gálatas – que por uma fraqueza na fé, estava tentando retornar ao julgo da lei de Moisés – recordando da condição oferecida a eles pelo Batismo. Uma vez tornados filhos e filhas de Deus, os membros da comunidade de Gálatas devem abraçar a cruz, renunciar ao orgulho (fonte de todo pecado) e percorrer o caminho cristão do amor e da doação da vida. Revestidos da graça de Cristo, livres das algemas do pecado e da morte, todos formam a família de Deus – sem qualquer discriminação de raça, posição social ou de sexo. Todos são “filhos” e receberão a mesma herança (vida eterna). Filho adotivos em igual dignidade e herdeiros da vida em plenitude. O mundo ainda nos enxerga como pessoas que foram revestidas de Cristo?
O Evangelho (Lc 9,18-24), o evangelista Lucas nos recorda que para percorrer e permanecer no caminho com Cristo, é necessário conhecê-lo. Sendo assim a passagem que hoje meditamos traz-nos três importantes questionamentos: Quem é Jesus? Qual a sua missão? Estamos dispostos a permanecer no seguimento a Jesus e abraçar a cruz?
O episódio narrado inicia-se mencionando um fato que identifica profundamente Jesus: um momento de oração. O seu hábito de rezar impressiona tanto que os discípulos passarão a desejar rezar de modo semelhante (Lc. 11,1). A oração é o lugar do encontro de Jesus com o Pai. É Nele, no Pai, que Jesus encontra força para prosseguir no seu caminho em direção a redenção.
Depois, Jesus indaga aos discípulos sobre como o povo em geral o identifica. A resposta oferecida, revela que para aqueles que não fizeram um encontro pessoal com ele, sua identidade e missão permanecem desconhecidas. O povo, diante de seus feitos e suas palavras, enxerga Jesus como um dos grandes profetas do passado que poderia ter ressuscitado. O povo encantou-se com os milagres e prodígios, todavia não conseguiu percorrer todo o caminho do discipulado. Faltou-lhes o passo definitivo: o encontro com Jesus Cristo (Cf: Jo 3,1-21; 4,4-40). Deste modo, o povo que viu os milagres, prodígios e portentos (Sl 134,9), mas não se aproximou da “fonte” que os origina, tornou-se “discípulo da curiosidade”.
A pergunta é redirecionada para os discípulos. Aqueles cujos últimos 3 anos foram percorridos e vivenciados ao lado de Jesus. A resposta de Pedro não é expressão apenas da sua fé pessoal; se trata da confissão de fé da comunidade apostólica; Pedro fala em nome dos discípulos. Afirmar que Jesus é o Messias é dizer que ele é aquele esperado para resgatar o povo de Deus e trazer-lhe a salvação da parte de Deus. Tal afirmação é sinal de uma crescente intimidade com Deus Pai, fruto da convivência com Jesus. Nos indaguemos: Quem sou eu? Sou parte de uma numerosa multidão que confunde Jesus com outras pessoas? Já posso afirmar que Jesus é o Salvador, como fruto da minha experiência de fé? Ou apenas como uma afirmação intelectual, eco do que ouvi de outras pessoas?
Todavia, os discípulos precisam estar dispostos a viver as consequências desta resposta. Não é suficiente saber que Jesus Cristo é o Messias. É preciso aceitar o modo como Deus escolheu realizar sua missão salvadora. Missão esta que não será fruto de glórias humanas ou aclamações políticas; a libertação que Jesus trará tão pouco nascerá através do poder das armas, mas pelo amor e pelo dom da vida. E somente será verdadeiramente discípulo quem estiver disposto a aceitar a decisão de Jesus e querer colaborar de coração, de corpo e alma, nesta missão.
Por isto, as palavras finais do evangelho são direcionadas aos discípulos de todas as épocas. Todos são convidados a seguir Jesus. Seguir Jesus com sua decisão redentora e não com os anseios humanos e individuais que nem sempre são os anseios de Deus. É Deus quem decide como realizar a salvação. Se eu decidi trilhar este caminho, meus pés e meu coração devem permanecer nos mesmos lugares onde estiveram os de Jesus. Tomemos, como Ele, a cruz do amor, da entrega e da renúncia de si mesmo e façamos da vida um dom. Isto não deve acontecer somente em meio as nossas celebrações, mas na vida diária (“tome a sua cruz todos os dias”). Desta forma, anunciamos ao mundo que nossa estrada não é outra senão a que leva ao calvário e depois ao sepulcro vazio.

Pe. Paulo Sérgio Silva
Diocese de Crato.




