“Em nome de Cristo, nós vos suplicamos: deixai-vos reconciliar com Deus. ” (2Cor. 5,20)
A partir da celebração de hoje faremos uma pausa na vivência litúrgica do Tempo Comum, pois iniciaremos o período da Quaresma, época favorável para promover nossa reconciliação com Deus e acolher a sua graça que veio a nós na pessoa do seu Filho Jesus. Iniciamos a caminhada espiritual que nos conduzirá à festa anual da Páscoa. Como o povo de Israel que peregrinou 40 anos no deserto; como Jesus que jejuou 40 dias e 40 noites; caminharemos estes 40 dias ansiosos para contemplar o Senhor Ressuscitado no novo dia da nova história.
Na primeira leitura (Jl. 2,12-18), somo exortados pelo profeta e sacerdote, Joel que exorta o povo de Israel depois do Exílio a celebrar fielmente na casa do Senhor. O povo é convidado a oração, a conversão e a fazer jejum, penitência e súplicas a Deus. Eles haviam abandonado a Deus e agora deveriam voltar o coração inteiramente para Ele através de um verdadeiro e coerente culto que ao invés de se resumir a solenes gestos externos deveria ser acompanhado de manifestações concretas da sua conversão interior. O profeta lembra ao povo que Deus é misericordioso e compassivo. Como eles, nós, cristãos, somos convidados a rasgar nossos corações através da mortificação, da penitência e de uma entrega confiante ao Senhor na oração. Busquemos um sacerdote e rasguemos os corações no Sacramento da Reconciliação para receber sua “bênção, oblação e libação. ” (cf: Jl. 2,14)
Com a imagem do Deus compassivo, paciente e clemente apresentado pelo profeta Joel, na Segunda Leitura (2Cor. 5,20-6,2), o Apóstolo Paulo nos convida a ter a coragem de se reconciliar com Deus. Ele nos lembra o sacrifício supremo do amor divino: seu Filho na cruz. O Cordeiro Inocente que se tornou pecado para que pudéssemos ter justiça diante de Dele. Por isto é agora o dia da salvação. No hoje, no agora, neste dia atual de nossa vida devemos buscar a reconciliação com Deus para que a graça fruto da paixão, morte e ressurreição do seu Filho não passe em vão em nossa história.
No Evangelho (Mt. 6,1-6.16-18), através do discurso de Jesus, somos apresentados as Obras de Penitência que são a tríade da espiritualidade cristã: a Oração, o Jejum e a Esmola. Ao mencioná-las, Jesus exorta os seus discípulos a viver uma vida coerente diante de Deus ao invés de transformarem sua fé em um espetáculo externo cheio de pompa e egocentrismo, mas vazio da presença divina para quem convive com eles.
A Oração, como nos ensina Santa Tereza D’Ávila, é um momento de diálogo íntimo com quem mais nos ama. Deve ser este o encontro com Deus uma expressão daquilo que vivemos diariamente em nossa espiritualidade. É o ato de responder a escuta da sua Palavra e manifestar nossa confiança, apesar de vivermos num mundo que despreza a oração e que rejeitando a intervenção divina, esquece-se Dele. O Jejum é definido normalmente como o ato de deixar de comer carne ou outro tipo de alimento. Todavia, ele não deve se resumir ao esforço de mortificação pessoal na comida, mas também na mortificação dos gastos desnecessários, da exibição de riqueza, dos sentidos e das paixões desenfreadas. Deve ser expressão de uma consciência solidária capaz de reconhecer a dor e o sofrimento das pessoas que passam fome. Quanto a Esmola, ela precisa ser mais do que aquilo que sobra quando nos saciamos. Precisa ser um gesto concreto que transforma vidas, garante a dignidade e a justiça. Deve ser um ato de serviço ao próximo. Numa sociedade cada vez mais repleta de pessoas abandonadas, depressivas e infelizes, reservar tempo para estar com o outro em sua vida, será sempre um ato de fé e serviço cristão. Estas três obras de penitência são a expressão da compaixão de Deus que já no Antigo Testamento ordenava, suplicava e clamava diante de nossa fria indiferença e comodismo: “Visto que nunca faltarão pobres na terra em que moras, eu te ordeno: abre tua mão para teu irmão, teu necessitado, teu pobre, em tua terra. ” (Dt. 15,11) e no Novo Testamento orientava-nos na pessoa do seu Filho quando clamava: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt. 14,16)
Temos ainda na Igreja no Brasil para a vivência da Quaresma a Campanha da Fraternidade, que neste ano de 2023, toca de modo corajoso em uma ferida aberta que sangra diante de nossos olhos como o sangue de Abel diante de um inexpressivo irmão, Caim: a Fome. Esta palavra tenebrosa se quer deveria existir em uma sociedade que se afirma cristã. Embora se iniciem com a mesma letra Fome e Fraternidade nunca deveriam ser colocadas ao mesmo lado em uma mesma frase numa comunidade formada pelos discípulos de Jesus Cristo. Tendo consciência de que a Sagrada Escritura trata da fome como um flagelo que manifesta a ambição que gangrena a sociedade, a indicação de Jesus de que precisamos nos sentir responsáveis diante das necessidades dos outros nos recorda que não podemos assistir com passividade e negligência à fome no mundo, pois ela não é fruto da carência de alimentos, mas sim do nosso egoísmo que devora o planeta enquanto deixa o irmão a suplicar migalhas que caem de nossa ganância voraz.
A Comunidade Cristã nasce, renasce, se revigora e revitaliza-se continuamente através de um alimento que nutre o corpo e alma: a Eucaristia. Este Deus/homem que se fez pão para saciar nossa fome de amor deve nos tornar não apenas adoradores, mas em expressão concreta desta mesma compaixão que se doa em plenitude por nós. O que Faremos? Como responderemos aos apelos de Deus? Diremos novamente: “Por acaso sou o guarda do meu irmão”? (Gn. 4, 9) ou abriremos confiantemente nossas mãos e diremos: “ Só temos aqui cinco pães e dois peixes? ” (Mt. 14,17)
Ânimo! Coragem! Já é hora de colocarmos nossos pés e corações na estrada de nossa fé. Caminhemos pressurosos movidos e atraídos pelo Amor que se entrega por nós na Cruz.
Pe. Paulo Sérgio Silva
Paróquia Nossa Senhora da Conceição – Farias Brito.