Fátima, Crato e o Céu: quando a Mãe reúne os filhos e revela o invisível

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Nestes primeiros dias após a celebração do Jubileu Mariano na nossa Diocese de Crato, quando a alma ainda parece respirar a serenidade deixada pela presença de Maria, voltamos o olhar para a semana de graças que vivemos. Como quem percorre novamente caminhos sagrados que ainda conservam o perfume do encontro, olhamos para trás e contemplamos a força espiritual que acompanhou a visita da imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima.

À primeira vista, trata-se apenas de uma imagem — madeira talhada, formas delicadas, cores discretas — e, no entanto, nela repousava algo de profundamente vivo, algo que falava à alma com a mesma doçura e firmeza com que a Mãe do Céu falou um dia aos três pastorinhos na Cova da Iria. A imagem, por si só, não é Maria; porém, por um mistério silencioso que o povo fiel crê e experimenta, ela parece trazer consigo o brilho do carisma de Fátima, a memória espiritual de tudo o que Nossa Senhora depositou no coração das humildes crianças de 1917.

E quem presenciou sua chegada ao Cariri pôde perceber essa força mística com os próprios olhos: basta recordar como as pessoas saíram de suas casas, algumas quase às pressas, como quem não quer perder a passagem de um gesto do Céu. As ruas encheram-se de fiéis que, ao verem a pequena figura branca surgir ao longe, sentiram as lágrimas escorrer sem que soubessem explicar exatamente o porquê. Havia algo naquele momento que falava mais fundo do que palavras. Era como se a presença da Mãe tocasse cada um no ponto exato das necessidades da alma: uns lembravam-se de uma dor antiga, outros rezavam por um filho distante, outros apenas se deixavam envolver pela paz. A imagem caminhava, e com ela caminhava o coração de um povo inteiro.

No âmbito eclesial, a visita tornou-se, para a Diocese do Crato, um tempo de rara fecundidade. A força materna de Maria uniu a Igreja local, renovou o ardor espiritual e despertou no povo uma sensibilidade para a graça que só um acontecimento divino é capaz de suscitar. A imagem peregrina, com a suavidade característica, levou a diocese a reencontrar sua própria vocação de povo que caminha unido, confiando-se ao cuidado da Senhora vestida de branco.

E, como se o céu tivesse escolhido o tempo exato para falar ao coração da Diocese, a chegada da imagem peregrina coincidiu com a tão aguardada reabertura da Catedral do Crato. A casa-mãe da nossa Igreja particular, agora novamente aberta e luminosa, acolheu a presença da Mãe do Céu como quem recebe a razão profunda de sua própria beleza. Ver Maria entrar na Catedral — símbolo visível da unidade diocesana — foi contemplar um mistério de perfeita harmonia: a Mãe habitando a casa que é o coração espiritual do seu povo. Ali, onde as pedras antigas guardam a memória de tantos gestos de fé, ela apareceu como ícone vivo da comunhão, lembrando-nos que a Igreja é verdadeiramente família quando deixa a Mãe conduzir cada filho ao encontro com Cristo. A Catedral, reaberta, parecia respirar novamente; e Maria, ao cruzar suas portas, parecia restaurar também o interior de cada coração que a aguardava.

O ponto culminante destas celebrações foi a inauguração do monumento dedicado a Nossa Senhora de Fátima. Ali, diante da nova estátua que agora se eleva como sentinela de fé sobre o coração do Cariri, viveu-se um daqueles momentos que não se apagam jamais da memória pastoral de uma Igreja. Sob a presidência de Dom Magnus, todo o presbitério estava reunido, formando um único corpo sacerdotal ao redor do altar. A multidão de fiéis, segurando velas acesas, transformou a praça numa espécie de mar luminoso, cujo brilho parecia ecoar a palavra do Evangelho: “A luz brilha nas trevas” (Jo 1,5). Era impossível não sentir que aquela cena dizia algo sobre a própria natureza da Igreja: um povo reunido, iluminado e conduzido pela fé.

O clima que se criou foi verdadeiramente familiar. É sempre assim quando a Mãe chega: os filhos se reconhecem, se acolhem, se aproximam. Voltar ali, no pensamento, é recordar o murmúrio das orações que se elevavam ao céu, o calor fraterno que unia desconhecidos, a atmosfera de paz que parecia repousar sobre a praça como um manto de cândida brancura. Quem olhava ao redor tinha a impressão de que a própria Virgem, simbolizada na imagem, organizava discretamente a casa, aproximando corações, reconciliando afetos, chamando todos à mesma mesa da fé.

O som majestoso do órgão embalou a oração da noite. Suas notas profundas enchiam a praça e subiam ao céu como um incenso sonoro, carregado de súplicas e agradecimentos. Havia algo de litúrgico e ao mesmo tempo de poético naquele ecoar solene, como se cada acorde abraçasse o monumento recém-inaugurado e o consagrasse ao louvor de Deus. A música, o povo, a chama das velas, a imponência da estátua erguida — tudo se unia numa harmonia que parecia antecipar, por um breve instante, a liturgia eterna da Jerusalém celeste.

Ao contemplarmos agora o grande monumento, que se ergue silencioso sob o céu do sertão, compreendemos melhor o sentido do Jubileu Mariano para nós. Ele é como um marco espiritual que diz às gerações futuras: aqui passou a Mãe; aqui o povo se uniu; aqui se ouviu novamente o eco da mensagem que fez tremer o mundo em Fátima — o apelo à conversão, à penitência, à oração, à paz. A estátua aponta para o alto, não somente com o gesto, mas com a própria presença, lembrando a todos que também nós temos um lugar preparado no coração de Deus.

Fátima, Crato e o Céu: três realidades que, por instantes, pareciam tocar-se. A mensagem do pequeno lugar português encontrou eco na terra sertaneja; a Mãe que veio à Cova da Iria pareceu vir, uma vez mais, pisar o chão simples de nosso povo; e o Céu, com sua luz silenciosa, desceu como brisa delicada, acariciando a porção do povo de Deus que habita aos pés da Chapada do Araripe. Eis o Jubileu Mariano: um tempo de graça em que Maria nos recorda, com ternura irresistível, aquilo que disse em Caná e repete a cada geração: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2,5).

Deus nos conceda que a memória desses dias continue a ressoar em nós como o órgão naquela noite: firme, majestosa e doce. E que este monumento, agora plantado no coração da Diocese do Crato, permaneça como farol de fé, chamando cada filho e filha a levantar os olhos para o alto, onde está a verdadeira Pátria e onde Maria, junto à Trindade, já nos espera.

*Padre Pedro André Bitú Bezerra, Mestre em Teologia dogmática e cultura moderna pela Universidade de Navarra – Espanha.

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