HOMILIA DA SEXTA-FEIRA DA PAIXÃO DO SENHOR
“Ele tomou o vinagre e disse: Tudo está consumado. E inclinando a cabeça, entregou o espírito”.
Com a Celebração da Paixão do Senhor, no dia em que “Cristo, nosso cordeiro pascal, foi imolado” (1Cor 5,7), a Igreja celebra o mistério da Cruz gloriosa daquele que, “derramando o seu sangue, instituiu o mistério da páscoa” (Oração do dia), e comemora o próprio nascimento do lado de Cristo que repousa na cruz. Assim, compreendemos que a Igreja nasce silenciosa, prostrada, ajoelhada, em oração (como nos ritos da abertura da celebração de hoje), aberta a meditar a paixão de seu Senhor (na Liturgia da Palavra proclamada), intercedendo pela salvação do mundo inteiro (na Oração Universal) e adorando a Cruz que representa seu Salvador.
Na Segunda Leitura, o autor da Carta aos Hebreus proclama que Jesus Cristo, pela sua obediência e confiança, pelas suas súplicas, sofrimentos e orações, tornou-se o Sumo Sacerdote definitivo. O profeta Isaías, na Primeira Leitura, ao narrar o sofrimento do Servo de Javé, que prefigura a missão do Messias, mostra-nos que Jesus foi para a cruz “como um cordeiro levado ao matadouro – Ele não abriu a boca” (Is. 53,7). Mas o Senhor nos ofereceu as suas últimas palavras, já pregado na Cruz. A Igreja guardou essas “Sete Palavras” com profundo respeito e devoção. São sete expressões ditas por Jesus na Cruz e recolhidas pelos evangelistas. Nessas expressões, revela-se a identidade de Jesus: Quem Ele é e qual a sua missão. Elas são a expressão das suas maiores preocupações. (Reflitamos: quais serão as minhas preocupações e recomendações no momento de minha entrega final a Deus?)
“Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem (Lc 23, 34)”. Jesus, sempre revelou o perdão do Pai. Nos encontros com os pecadores revelou a misericórdia restauradora de Deus. E na Cruz Ele confirmou que é possível viver a maior exigência da fé cristã: o perdão incondicional a todos. O perdão revela a dignidade e a humanidade escondidas no coração de quem nos feriu. Na vida cotidiana, quando formos decepcionados, quando formos traídos e abandonados ou quando formos humilhados, caluniados e destruídos, contemplemos o Senhor dilacerado na Cruz, dizendo: “Pai, perdoai-lhes.” e “Hoje estarás comigo no paraíso” (Lc. 23,43). Jesus morre entre dois ladrões. No entanto, não assume o papel de condenador, mas oferece uma nova chance de salvação. Jesus revela uma promessa que muitos precisam ouvir, sobretudo aqueles que sofrem carregando cruzes injustas e vivendo vidas devastadas pela dor, pela solidão, pela dúvida ou pela humilhação.
“Mulher, eis o teu filho; filho, eis a tua mãe” (Jo. 19,26): O sim dado por Maria no momento da Encarnação repercute até à Cruz. Jesus, mesmo crucificado e despojado de tudo, nos oferece um tesouro. Entrega-nos a sua mãe para que seja presença cuidadora e consoladora. “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?” (Mt27,46). Aqui contemplamos todo o aniquilamento do Senhor. É aquilo que São Paulo diz: “Aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo” (Fil. 2,8). Jesus sofreu todo o aniquilamento moral, psicológico, afetivo, físico, espiritual, pois Ele “foi castigado por nossos crimes e esmagado por nossas iniquidades” (Is. 53,5).
“Tenho sede…” (Jo. 19,28). Jesus tinha sede de muitas coisas: sede de fazer a vontade do Pai, de anunciar o Reino, de defender a vida, de ser presença solidária etc. Os santos afirmam que na Cruz a sede que Jesus revela é, na verdade, a sede de Deus de salvar toda a humanidade. Hoje, muitos (pelos quais ele derramou o seu sangue preciosíssimo) continuam vivendo no pecado, afastados do amor de Deus e da Igreja. Quantos nem sequer buscam à Missa aos domingos, não sabem o que é uma Confissão, não comungam, não rezam, enfim, vivem como se Deus não existisse?!
“Tudo está consumado” (Jo. 19,30). Cristo grita para o universo que a dívida imposta pelo pecado está “paga”. Mesmo que pareça um fracasso total, na cruz tudo é pago e consumado. Nela, o Senhor mergulha nas trevas do sofrimento humano e ali revela a presença do Deus “compassivo e clemente e misericordioso” (Ex.34, 6-7 / Sl. 86, 15). Do alto da Cruz, Jesus manifesta a consciência que não viveu em vão. Sua vida frutuosa, consumada no amor e pelo amor, torna sua morte fecunda a ponto de fazer surgir vida em abundância. “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito” (Lc. 23,46). Só quem viveu intensamente a vida doada pode acolher a própria morte com paz, confiança, serenidade e abandono nos braços de Deus. Jesus morre como viveu: sustentado na confiança do Pai. Ele, que foi as mãos do Pai, agora entrega-se nos seus divinos braços. Jesus que viveu em divina comunhão com o Pai, no momento de intenso desespero, quando deveria abandonar a confiança por se sentir infinitamente desamparado, oferece todo seu Ser para ser acolhido por Deus Pai.
Essas palavras, proferidas por Jesus no alto da Cruz, impactam nosso coração. Elas nos levam a fixar os olhos em Jesus Crucificado, lembrando-nos que só podemos crer Nele se estivermos dispostos a enxergar, da cruz, todos os seres humanos que sofrem por causa do pecado no mundo, em todas as épocas.
O que contemplamos na Cruz? A expressão da plena compaixão e comunhão de Deus com os sofredores. Ela aponta para Aquele que foi plena e permanentemente fiel ao Pai e ao seu Reino. A partir da Cruz de Jesus, descobrimos o sentido das nossas próprias cruzes.
Pe. Paulo Sérgio Silva
Pároco da Paróquia São Sebastião, em Mangabeira, distrito de Lavras-CE