Como estamos lendo e meditando a Palavra de Deus?

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Imagem: reprodução da internet

A Bíblia é a “Carta” de amor por excelência que Deus manifestou para a humanidade. Foi escrita por muitos “autores” que partiram da mesma fé, ou seja, várias experiências peculiares relatadas e registradas no conjunto de livros: Pentateuco, Históricos, Sapienciais, Proféticos, Evangelhos, Atos dos Apóstolos, Cartas Paulinas, Epístolas Católicas e o Apocalipse.

Temos aí a formação da Sagrada Escritura. Realidades registradas à luz do Espírito Santo. Ao ser conservada a história do povo de Deus para nossos dias percebemos que somos chamados à superação de tantas dificuldades enfrentadas no cotidiano. Mesmo nas provações Deus caminha conosco. Isso é fato! Em nossa trajetória imanente rumo a transcendência!

A Revelação de Deus à humanidade foi transmitida na Bíblia em dois estágios diferentes e complementares: tradição oral e a tradição escrita. Tais experiências salvíficas não eram para ficar em único período da história.

Quando meditamos a Palavra de Deus nos transportamos para a situação vivida pela comunidade e nos indagamos acerca da mensagem que estimula nossa comunidade. “Portanto, anunciar a Palavra de Deus começa sempre por nos pedir a nós mesmos um renovado êxodo, deixando as nossas medidas e as nossas imaginações limitadas para abrir espaço em nós à presença de Cristo” (BENTO XVI, 2010, p. 207). Rezar com a Bíblia é presentear o coração. Santo Agostinho (1999, p. 37), nos fala dessa inclinação do coração humano em se aproximar da graça do Senhor que se manifesta através de sua Palavra permeada em nossa história: “[…] criastes para Vós e o nosso coração vive inquieto, enquanto não repousa em Vós”. Esse processo de memória e escrita foi realizado em parceria de Deus com a humanidade. Chamamos a isso de história da salvação, dirigida a seus filhos e filhas, muitas vezes ingratos e insensíveis ao amor de Deus. Mesmo assim Deus nos ama e isso nos basta.

Ao lermos algo que alimenta a alma estabeleçamos saudável critério de assimilação da vontade de Deus expressa no texto e sua aplicação na vida. No campo religioso são de bom-tom atitudes de oração, ruminação e abertura interior sobre inquietações propostas através do texto sagrado. Guardadas as devidas proporções.

A partir dessas perspectivas sentimos a Palavra de Deus que vem ao nosso encontro. Sendo assim, socializamos as benesses advindas do providencial gesto amoroso de Deus que nos torna cônscios de sua vontade e plenos de seu amor.

A boa nova de Nosso Senhor comporta espaços geográficos bem delineados – onde existem pessoas, lá é o “lugar teológico” de ressonância da Palavra de Deus:

“É a comunidade, útero de cristãos, que tem de ser beneficiada com os furtos de novos irmãos e irmãs na fé. Somos continuadores da boa nova de Jesus. O tempo presente questiona a qualidade da presença profética da Igreja interna e externamente. Porém, anima saber que o Espírito Santo mobiliza os cristãos a dinamizar a Igreja, para que todos tenham vida”. (ALVES, 2017, p, 82).

Estamos situados em uma determinada comunidade de fé. Para facilitar elencamos algumas modalidades de leituras as quais devemos ter cautela em não adentrarmos e, ao mesmo tempo, observemos se existem ainda hoje.

É necessário evitar o desvirtuamento da originalidade do texto sagrado: com suas respectivas, intuições existenciais e pastorais para o nosso cotidiano!

I. Leitura fundamentalista: genuinamente como se apresentam os termos no texto, literal. Sem levar em conta o contexto em que foi redigido.

  • Somente na Bíblia existe a ação de Deus e pronto.
  • Só na Bíblia existe toda verdade sobre Deus e sua ação.
  • Anti-histórico, ou seja, tomada ao pé da letra sem o cuidado de situar o contexto da comunidade. Fechamento aos sinais de Deus no cotidiano.
  • Mostra-se anti-ecumênica.
  • Atitudes: alimenta o autoritarismo, cria clima sectário, fechamento e intolerância religiosa: Mt 12,46-50; Mt 13,53-58.

 

II. Leitura doutrinarista: intuito de justificar normas religiosas.

  • Busca de doutrinas religiosas que eu preciso saber para me salvar.
  • Imagem de Deus racional, regulador e impositivo.
  • Exacerbada preocupação em saber o que é a doutrina.
  • Primeiramente a “doutrina” depois a vida humana.
  • Tal leitura, supervalorizada na catequese, causa graves males.
  • Atitudes: a Bíblia se torna elemento de salvação de determinado grupo. Manifesta zelo exagerado pelas normas religiosas. Esse tipo de comportamento pode gerar hipocrisia e clima de certeza única: Lc 6,1-5; Jo 8,57-59; Jo 10,22-39.

III. Leitura moralista: finalidade de julgamentos externos.

  • Visão reducionista e maniqueísta da realidade, ou seja, isso é bom / mau.
  • A Bíblia utilizada como manual de conduta para não se condenar.
  • Atitudes: imagem de Deus rígida, castigador, fiscal: condena / salva. Isso gera deturpação de valores: Lc 5,27-32; Mt 9,9-13; (Mt 3,1-5).

IV. Leitura intimista: exclusivamente à luz de “minha” experiência “mística”.

  • Prevalece exagerado sentimentalismo pessoal ou em grupo.
  • Vontade direcionada através do sentimentalismo, às vezes sem senso de razoabilidade.
  • Atitudes: imagem de Deus triunfalista, light, sou o centro do amor de Deus, visão particularista de Deus: Tipo – “Deus me revelou…” Mt 17,4.

V. Leitura academicista: justificar conhecimento intelectual ou defender racionalmente pontos de vista que me agrada.

  • Bíblia como fonte de conhecimento intelectual apenas.
  • Racionalização do religioso em detrimento do espiritual.
  • Tirar dúvidas para satisfazer curiosidade intelectual ou justificar de modo pragmático alguma especulação.
  • Atitudes: limites para atualizar a Palavra de Deus, Bíblia como elemento prático, objetivo, mentalidade subjetivista ou conceitual da realidade: Mt 11,25-26.

Peçamos ao Espírito Santo que suscite a transparência e o cumprimento da vontade de Deus em nossa vida. Dessa maneira, a Sagrada Escritura será legado continuado da autêntica práxis cristã, em benefício da maturidade filial ao bom Deus, que não se cansa de nos amar incondicionalmente.

Perguntas para aprofundamento pessoal e catequético

  1. Minhas leituras bíblicas são condicionadas por alguma dessas modalidades?
  2. Meditar nos coloca no caminho de Deus. Faço isso diariamente?
  3. Estou aberto a decodificar o querer de Deus em mim? Deixo Deus agir?

 

 

 


 

Fontes:

AGOSTINHO, Santo. Confissões. São Paulo: Nova Cultura Ltda. (Coleção os Pensadores)

ALVES, Gilberto Siqueira. A Mistagogia da Palavra: uma leitura catequética de João 1,1-18. In: Revista de Catequese. Ano, 40, n. 149. Janeiro/Junho.2017. p. 78-88,

BENTO XVI. Exortação Apostólica Pós-sinodal: Verbum Domini. Sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja. São Paulo-SP: paulinas, 2010.

 

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