Chamados ao Amor

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A caridade é paciente, a caridade é bondosa. Não tem inveja. A caridade não é arrogante. Nem escandalosa. Não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a in justiça, mas se rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.”

(1Cor 13, 4-7)

Deus, criador de tudo, criou o homem e a mulher como efusão de seu amor. Amou-os de forma incondicional, dando-lhes liberdade para corresponderem a esse mesmo amor, numa profunda comunhão de intimidade. A família, consequência dessa vocação, é, dentre todas as obras de Deus, a obra predileta que manifesta o amor de Deus e o seu projeto de salvação que atinge a todo ser humano. A família não é criação de punho humano, nem do Estado, nem mesmo da própria/Igreja, que defende a todo custo o seu valor e a sua importância, mas é, constitutivamente, ligada à natureza do homem e da mulher, para o bem e a felicidade pessoal, da sociedade e da Igreja.

Cada homem e cada mulher são chamados a manifestar e a realizar esses mesmos projetos de amor em meio aos seus lares e onde quer que estejam ou vivam. São chamados, por graça, a andarem de mãos dadas à aliança com o seu Criador, oferecendo-Lhe respostas concretas de fé e de amor que ninguém mais pode dar em seu lugar. A família é o berço do amadurecimento cristão e da tomada de consciência sobre nossa responsabilidade na defesa e no compromisso assumido acerca dos valores evangélicos que deverão nos acompanhar ao longo da nossa vida em meio as nossas ações e escolhas cotidianas. O homem e a mulher são chamados a viver numa comunhão de amor e unidade, por meio de uma entrega sincera de um ao outro, numa comunhão de amor, da qual o homem é chamado a participar, pois Deus é amor e o ser humano é chamado a participar desta comunhão geradora de unidade.

Deus coloca no centro da criação o homem e a mulher, com suas diferenças e semelhanças, mas com igual dignidade. Deus criou-os à sua imagem e semelhança (Gn 1, 26-27), chamando-os à existência por amor e para amar. De todas as criaturas visíveis, só o ser humano é capaz de responder de forma consciente a este mesmo amor que brota do amor incondicional de seu Criador; o homem é a única criatura que Deus quis na terra em si mesma, somente ele é chamado a participar e a corresponder a este amor que o conduz a uma vida autêntica e profunda. Foi para este fim que o homem fora criado, e aí reside a razão fundamental da sua dignidade.

Mas este mesmo amor não pode ser mascarado por “verdades” que correspondam somente aos nossos anseios e perspectivas individuais que nos levem a valorizarmos um forte amor individual mais do que um amor coletivo. Amar o outro não quer dizer que devemos fechar os olhos para as suas fraquezas e limitações. O verdadeiro amor jamais é cego. Amar de verdade é ver da forma correta, é ver a partir de dentro, é ver com os olhos de Deus. Amar é deixar com que os olhos sejam iluminados pela verdade e pela esperança; não podemos deixar que as “nossas verdades” triunfem diante da Verdade e nem confundamos a esperança com amenização de erros e falhas. Amar o outro, com suas carências e erros, não significa amar as carências e fraquezas do outro. O amor é a sobrevivência que se enraíza na vitória dos fracassos do outro que luta diariamente para que as suas vitórias possam ser celebradas pelo outro.

São Paulo, ensinando aos cristãos de Éfeso os deveres recíprocos dos esposos, ao comparar o amor esponsal com o amor de Cristo por sua Igreja, conclui: “Este mistério é grande, quero dizer, com referência a Cristo e à Igreja. Em resumo, o que importa é que cada um de vós ame a sua mulher como a si mesmo, e a mulher respeite o seu marido” (Ef 5, 32-33). Paulo já mencionava há mais de dois mil anos a grandeza e o mistério deste amor humano, um mistério que ultrapassa as barreiras de toda compreensão racional e doutrinal. Embora estas nos ajudem dando-nos pistas para a compreensão do mistério, mas jamais o explica. Por si só o mistério é impenetrável à razão humana. Este mistério vai além da razão.

Muitos casais receberam o sacramento do matrimônio, mas não sabem dizer no que consiste a sua realização na vida de cada dia. Rapidamente experimentam a incapacidade de se amar, falta de unidade entre ambos, falta de diálogo, de caricias antes e após a relação sexual, de desejos e expectativas incongruentes, sofrimento na vida a dois, mas não se dirigem a Deus, para que seu pecado e fraqueza sejam derrotados pelo poder de Cristo crucificado e ressuscitado. Para muitos, a bênção divina deve garantir uma vida feliz e abençoada, aumentar a fidelidade por parte dos dois e no crescimento do amor ao longo do tempo, aumentar a sensação de segurança e estabilidade da união. Estas motivações são boas e verdadeiras, mas, ao mesmo tempo, não se tornam suficientes para que os cônjuges possam se regozijar de que conseguirão viver diariamente o sacramento do matrimônio e que irão compreender a sua sacralidade ao longo da vida como caminho em comunhão para Deus. O sacramento do matrimônio precisa se tornar um sinal de cura interior onde um ajude ao outro a curar-se de suas fraquezas e mazelas, tudo acompanhado de um profundo amor e sensibilidade, auxiliados pela graça de Deus.

O Catecismo da Igreja nos ensina que a família cristã é uma comunhão de pessoas, vestígios e imagem da comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo (2205). O ser humano aprende a ser humano dentro do âmbito familiar. Os valores que esta carrega são de suma importância, porque serão estes que guiarão ao longo da estrada da vida as suas próprias e as de seus filhos, serão estes mesmos valores evangélicos que deverão iluminar certas escolhas que precisarão ser feitas em determinados trechos e esquinas da vida. No mistério do verdadeiro amor, pensamos sempre no outro e menos em nós. O outro é o centro das nossas escolhas e sonhos. Amar um ao outro de forma verdadeira é fazer com que o amor seja mais forte do que todas as fraquezas manifestas ao longo da vida, fazendo com que o outro se sinta amado e este me faça ser amado. Numa vida a dois o amor jamais poderá brotar somente de um, mas unicamente de dois corações que geram unidade. Todo casal que quer fazer com que o outro se sinta amado de forma plena e verdadeira deveria olhar para a cruz de Cristo, lá poderá perceber um amor que não busca vantagens, que não tem muita poesia, mas um aniquilamento de amor capaz de tornar livre o outro de todas as amarras que o tempo se encarregou de colocar, um caminho capaz de fazer perder-se completamente por amor. Amar é perder-se completamente pelo outro sem perder o outro de vista, andando no mesmo compasso e na mesma dança, esperando quando for preciso esperar, andar de forma mais lenta quando for necessário colocar-se no tempo do outro, é chorar pelas derrotas e alegrias do outro, é esvaziar-se pelo outro como Cristo se esvaziou de si mesmo por amor ao homem.

Por fim, o mundo moderno tem carência de um modelo conjugal e familiar que ajude a preencher o vazio do coração humano. Pelo amor conjugal, o casal é convocado a transcender os limites e as fraquezas de cada um. Na certeza de que Deus, no matrimônio, quis derramar as suas bênçãos, cada um vai se tornando bênção de Deus para o outro, e ambos para a família e a sociedade. A convivência sadia é uma arte que precisa ser resgatada em nossos dias, num espaço que exige silêncio, tempo para se ouvir e falar, para conversar e conviver. Somente uma sadia convivência pode tornar a casa um ambiente harmonioso e delicado de se viver, de se amar, de se respeitar, de rezar, de ter sensibilidade com a dor do outro e suas fragilidades, uma convivência que cria intimidade emocional verdadeira entre duas pessoas. Na convivência familiar, manifestam-se as qualidades, os valores e também as limitações de cada pessoa. Com a convivência, aquilo que somos verdadeiramente vem à tona, as máscaras que ao longo da vida que colecionamos caem todas por terra, permanecendo quem de fato somos: seres necessitados da caridade do outro.

Por: Seminarista Adolfo Lima, discente do 3º ano de teologia  

 

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