“O autoconhecimento moral que exige penetrar nas profundezas do coração mais difíceis de sondar (o abismo), é o início de toda a sabedoria humana. […] Somente a descida aos infernos do autoconhecimento constrói o caminho da glorificação.”
(Immanuel Kant)
Arte é como religião. Alivia a existência. Nos faz transcender além de nós mesmos. Um dos ofícios da arte é justamente desvelar os avessos que os olhos humanos não conseguem abrigar em si mesmos. Com este desvelamento, ela convida-nos à redenção que dela se desprende. Religião existe para unir. Para manifestar o sagrado aos nossos olhos e nas nossas vidas. Religião nos redime. A liturgia bem celebrada e bem participada atualiza a ação salvífica de Cristo em nossas vidas. A escatologia é antecipada por meio do culto. Religião e arte são inseparáveis porque ambas dão testemunho do Criador por meio de suas belezas manifestadas na vida do homem.
Aristóteles sugeriu uma unidade entre beleza e bondade, atributos que arte e religião buscam incessantemente. A arte sobrevive sem a religião, mas a religião não sobrevive sem a arte. É pela arte que a eternidade se antecipa, visita-nos pelos recursos da temporalidade. É por meio da realidade humana que Deus se faz presente nos corações necessitados, ousa colocar os seus pés em lugares manchados pelo pecado e deixar suas pegadas para que assim possamos perceber que Ele ousou passar por ali e que deixou rastros para que O sigamos. As marcas de sua presença nos faz tomar consciência que esteve ali. O ausente é presente, sem faz presente. Como bem afirmava Clodovis Boff (2017, p. 32): “[…] o polo central, último e decisivo da nossa vida espiritual não é “experimentar Deus”, mas, sim, é ter Deus mesmo habitado em nós por sua graça. […]”.
Por isso que a teologia é um saber que só pode ser construído na humildade. A revelação de Deus é como um mosaico que aos pouco vai se tornando compreensível, quando somos pacientes e sabemos esperar. A Revelação de Deus se torna compreensível na medida em que somos abertos ao seu Espírito, quando somos sensíveis e pacientes à sua vontade e ao seu tempo. A Revelação de Deus atinge a história humana porque este é o seu receptor. Por isso que a sua aproximação exige respeito por nossa parte, exige sensibilidade para que não aconteça a quebra do mistério. Exige fé por nossa parte.
A fé cristã não conegue sobreviver sem interpretação; a mensagem da revelação exige uma exegese contínua, não para expressar o conteúdo do Evangelho de maneira nova, mas para expressar a mensagem da revelação conforme as circunstâncias contemporâneas, de tal forma que ela adquira uma importância e plausibilidade para a vida concreta dos seres humanos. A fé não carece de crenças cegas. A manifestação de Deus se faz presente em nosso cotidiano, somos nós que não conseguimos percebê-Lo devido a nossa imensa cegueira e secura. A fé busca razão para fundamentar àquilo que é crido. Religião é crença. É re-ligar aquilo que está des-ligado. Religião é interpretação do divino, mas este não se esvazia e não fica preso em nossas interpretações. Religião não cabe em definições.
O Salmo 62 assim o diz: “Minha alma está sedenta de vós, e minha carne por vós anseia como terra árida e sequiosa, sem água” (Sl 62, 2). Isto significa que a alma, por sua natureza, tem sede de Deus. Uma alma sedenta nunca será saciada com coisas passageiras e mundanas, nunca encontrará sua felicidade resumida neste mundo. Aristóteles tratando acerca da organização do conhecimento humano, dizia que o homem por natureza deseja conhecer. Assim, a alma por sua natureza deseja conhecer a Deus, sua sede só será saciada quando conformar sua vontade e sua inteligência para Aquele que a criou por amor. Sua sede só será saciada quando contemplá-Lo face a face.
Um dos grandes problemas e limitações que os cristãos enfrentam no dia de hoje é a falta de contato para com a Palavra de Deus, sem ela não conseguimos compreender e entender como Deus agiu e age na história humana para salvar o homem de seu pecado. Deus grita ao coração do homem, mas somente este pode responder. Deus não invade o coração do homem, mas somente este pode abrir as portas e deixar que Deus tenha acesso ao seu mais intimo, deixe que Ele faça morada em seu coração. O coração sedento pelo divino faz com que esta tenha a sensação de que não está completa, pois sempre falta algo. É como se a alma obtivesse memória de onde vem e para onde vai e, por conta disso, sentisse “saudade de Deus”, o que gera nela a esperança da volta deste, esperança de toda cristão.
O relacionamento com Deus implica a transformação da pessoa humana no sentido de uma sempre maior abertura para Deus. Ouso dizer que somente o seguimento de Cristo é o caminho para a plenitude da salvação, uma vez que Deus não se achega às pessoas humanas nos caminhos de fé das religiões não cristãs do mesmo modo como naquele caminho que é Jesus Cristo, a perfeita autocomunicação de Deus às pessoas humanas. A sede e a saudade que nos atraem para Deus encontram satisfação em Cristo, fonte de água viva, que chega a nós pelos dons do Espírito Santo e dos Sacramentos, especialmente a Eucaristia que nos une a Ele, ameniza a saudade e nos impulsiona a ir em frente e a buscar Deus sempre mais.
Está distante da casa dos braços do Pai nos faz com que caiamos em si e sintamos saudades de casa e queiramos voltar, mas nem sempre temos a coragem devida de encararmos as consequências dos nossos atos. Edith Stein afirmava que até Deus se detém diante de nossas escolhas. A liberdade é uma faca de dois gumes: pode ser nossa redenção ou nossa completa perdição. Dar senhorio a Jesus e segui-Lo é submeter a nossa liberdade e vontade à d’Ele, porque Ele é o Senhor. Assim o fez Jesus acerca da sua relação com o Pai. A vida de Jesus não fora tirada à força, Ele a entregou livremente, em favor da salvação dos homens, por amor do Pai, que nos quer, mas não nos obriga a aceitarmos o seu amor. Essa deve ser uma decisão e escolha pessoal, voluntária, sem coação e sem medo.
A decisão pelo batismo nos remete à conformarmos nossas vidas à vontade de Cristo, entregamos nossa liberdade ao discipulado de Cristo. E, porque somos cristãos católicos, não só entregamos nossa liberdade a Jesus, mas, de certa forma, também à Igreja, sinal de salvação para os homens. A Igreja deve proclamar a Palavra de Deus, mas isso só pode ocorrer por meio de uma constante reinterpretação do Evangelho de Jesus Cristo, tornando-se anunciadora deste Evangelho a todos os homens. A liberdade dada a Cristo e, por sua vez, à Igreja, compreende que Ele é grande e nós, em nossa pequenez e pobreza, somos limitados e necessitados do seu amor. Böttigheimer afirmara de forma única que “A fé busca o conhecimento da razão para fundamentar-se a si mesmo” (2014, p. 25).
Segundo Kierkegaard, a fé cristã trata primariamente do tipo de relação existencial (e não racional) com a questão de Deus. Ser um ser humano significa: “Existência diante de Deus”. As verdades sobrenaturais da fé em si não podem ser provadas pela razão, justamente pelo fato de não serem acessíveis à razão humana em seus fundamentos íntimos, elas só podem ser apresentadas, esclarecidas e defendidas. Elas só podem ser reconhecidas e aceitas como verdadeiras na base da revelação de Deus. Algumas coisas só podem ser explicadas pela fé e pela revelação; outras, também ou apenas pela razão. Santo Agostinho já afirmara que enquanto o nosso coração não repousar em Deus ele sempre estará inquieto.
Na encarnação de Cristo se manifesta a ação mundial da bondade de Deus, e na figura de Crucificado se revela a majestade e beleza de Deus que abrange tudo. O Evangelho de Cristo deve ser encarnado em nossas ações diante dos outros, Cristo deve ser anunciado ao mundo e ao coração de todos os homens que tenham necessidade de conhecer a Deus, verdade única que todos os homens buscam. Todo homem procura sua verdade. Somente Cristo é o revelador desta Verdade que tanto procuramos. Jesus se doa em uma autoentrega servil e amorosa como uma substituição, à medida que Ele se introduz do modo mais radical na situação humana de perdição e assim experiencia o efeito mortífero dos pecados. À medida que Ele assume o sofrimento humano de livre sobre si, ele alcança a redenção dos seres humanos da sua culpa desgraçada, justamente por amor aos seus: “Como o Pai me ama, assim também eu vos amo. Perseverai no meu amor. Se guardardes os meus mandamentos, sereis constantes no meu amor, como também eu guardei os mandamentos de meu Pai e persisto no seu amor. Disse-vos essas coisas para que a minha alegria esteja em vós, e a vossa alegria seja completa” (Jo 15, 9-11).
Referências Bibliográficas
Bíblia Ave Maria
BOFF, Clodovis. Experiência de Deus e Outros Escritos de Espiritualidade. São Paulo: Paulus, 2017.
BÖTTIGHEIMER, Christoph. Manual de Teologia Fundamental: a racionalidade da questão de Deus e da revelação. Trad. de Markus A. Hediger e Eduardo Gross. Petrópolis, Rj: Vozes, 2014.
Por Adolfo Lima, Seminarista da Diocese de Crato





