HOMILIA DO 30º DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO C

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HUMILDES, BUSCAI A DEUS E O VOSSO CORAÇÃO REVIVERÁ

“… Jesus contou esta parábola para alguns que confiavam na sua própria justiça e desprezavam os outros.” (Lc 18,9)

Celebramos ainda o Mês Missionário e a liturgia deste domingo, ainda no tema sobre a Oração, ensina-nos como um discípulo missionário deve assumir sua vida e missão diante de Deus. Jesus ao reprovar a atitude dos orgulhosos e autossuficientes semelhantes ao presunçoso fariseu da parábola, nos propõe a atitude humilde de um publicano pecador, que se apresenta diante de Deus de mãos vazias, mas disposto a acolher o dom de Deus para deixar-se transformar pela graça em uma nova pessoa.

A primeira leitura (Eclo 35,15b-17.20-22a), nos apresenta alguns provérbios do Livro do Eclesiástico. Este livro foi escrito na época em que os judeus estavam sob o domínio dos gregos e de sua cultura racional. O autor escreve unindo a teologia hebraica com os argumentos lógicos/racionais gregos para lembrar que a “Torah”, revelada por Deus, permanecia sendo a verdadeira “sabedoria” que os judeus deveriam continuar seguindo. Em meio a um rigorismo escrupuloso que ameaçava engolir a piedade hebraica na tentativa de combater o relativismo moral imposto pela cultura grega, o autor sagrado recorda aos fiéis leitores que a verdadeira fé/religião une o cumprimento dos mandamentos da Lei com à vivência da justiça comunitária, principalmente no respeito do direito dos mais pobres(cf. Dt 15,4) Àqueles que praticam corrupção e ganância e depois tentam “subornar” a justiça divina com numerosos sacrifícios, é comunicado que Deus, justo e misericordioso juiz, não se deixa comprar pelas coisas que lhe oferecemos, pois não necessita disto (cf: Sl 49, 7.9-12.14-16.23 ). Ele nos considera justos e amigos dele, quando lhe oferecemos um coração contrito, humilde e disposto a escutar as suas súplicas (Sl 50, 18-19).

A segunda leitura (2Tm 4,6-8.16-18), parece a princípio fugir do tema reflexivo deste domingo, todavia se trata de uma percepção enganosa. O autor continua convidando seu irmão e missionário Timóteo a revitalizar a fé em meio as perseguições e permanecer numa entrega confiante a Deus como o próprio Apóstolo Paulo permanece realizando mesmo na prisão. Sendo assim, podemos dizer que São Paulo “personifica” com estas suas palavras, o publicano apresentado na parábola do Evangelho, que com humildade reconhece-se como pecador, mas que é imensamente amado, acolhido e justificado pela Graça. Paulo lutou, sofreu, ofereceu em oblação a sua vida, deixando que esta fosse consumida, num dom total para que o anúncio da salvação de Deus que um dia lhe foi ofertada naquela estrada empoeirada no caminho de Damasco, chegasse também a todos os povos da terra. Diante do seu martírio próximo e do abandono de alguns irmãos cristãos, o apóstolo não se recente, ele, na verdade, sente-se seguro como um atleta que correu até a linha de chegada e está satisfeito com seu percurso. Confia e afirma que resta-lhe receber a coroa de glória, reservada não apenas a ele, mas também a todos aqueles que buscam com a mesma fidelidade e coerência, anunciar a chegada do “Reino” na pessoa do Senhor e Salvador, Jesus Cristo. Em suma, o Apóstolo ao contrário do fariseu da parábola, confiou não nos próprios méritos, mas na misericórdia de Deus, que justifica e salva todos os homens que a acolhem.

No Evangelho (Lc 18,9-14), ainda no caminho de Jerusalém, Lucas novamente nos convida a sentar-se ao lado da multidão faminta da Palavra, para também saciarmos nossa fome e sede da presença de Deus. Em mais uma parábola, Jesus nos apresenta dois personagens que vão ao templo rezar. Eles não são nomeados. Todavia através das suas orações, isto é, daquilo que carregam no coração e externam pelas palavras ditas, conhecemos suas identidades. O fariseu se manifesta como modelo de judeu: cumpre fielmente os preceitos da Lei de Moisés. O publicano é visto como exemplo de pecador incorrigível e infiel ao seu povo por causa do trabalho que exerce. E nós, quem somos?

O fariseu, embora inicie seu “discurso” com uma aclamação voltada para Deus, não profere uma verdadeira oração. Ele vai para frente do altar, não se ajoelha, permanece de pé como querendo expressar que pode falar com Deus de igual para igual. Suas palavras são apenas para autovangloriar-se. E pior ainda, ao atribuir suas grandes qualidades e virtudes, bem como os pecados e defeitos dos outros a uma “predileção” divina, ele torna Deus o legítimo responsável pelo mal e perdição dos seres humanos. O fariseu, aparentemente sem perceber, usurpa o lugar de Deus na oração e se autoproclama, pela sua arrogância e prepotência, uma pretensa divindade, em suma, um ídolo. Seu maior erro é presumir que a salvação é fruto do seu próprio mérito. Nas suas palavras, a salvação não é um dom de Deus, mas uma conquista humana. No futuro, esta concepção grotesca dará origem a heresia do Arianismo que ao negar a necessidade da Graça, atribui a salvação puramente ao esforço o humano. O fariseu presume que sua vida seja irrepreensível diante da Lei (mesmo que ele viva de desprezar e abominar os outros seres humanos), e que por isto Deus tem por obrigação de lhe entregar a salvação, como se Deus fosse um escrupuloso escrivão que anota nossas ações para pesá-las numa balança e oferecer uma peça de outro equivalente como recompensa.

O publicano também inicia a sua oração com uma aclamação. Mas sua súplica não se trata de uma palavra corriqueira. O início de sua oração remete ao salmo 50; salmo que é considerado por muitos como o ato penitencial bíblico por excelência. Sua postura corporal revela a atitude de um filho que caiu e espera a ajuda do pai para poder levantar-se. Ele confia-se inteiramente a Deus e sabe que não tem mérito algum. Tem consciência de que, no templo, casa de Deus, o que lhe for dado será fruto da mais pura e misericordiosa Graça divina. Jesus não está negando os numerosos pecados que o publicano carregava. O que o leva a ser “justificado/salvo” é sua consciência de indigência. À luz desta consciência de “pobreza” dirá São Paulo aos Romanos: “todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus. Esses são justificados gratuitamente pela Graça de Deus, por meio da redenção em Cristo Jesus” (Rm 3, 24-24). O publicano ao se colocar diante de Deus de mãos vazias e sem qualquer pretensão, revela a atitude de “pobre em espírito” (Mt 5,3; Sl 145/146) que Jesus propõe aos discípulos de todos os tempos.

Mas do que uma bela parábola, esse ensinamento de Jesus expressa sua vida de oração e de reconhecimento de si mesmo, diante de Deus. Mesmo isento de todo pecado, Jesus assume o pecado da humanidade e repete na sua vida a atitude do publicano. Como nos recorda o autor da Carta aos Hebreus: “Ele, nos dias de sua vida terrena dirigiu preces e súplicas com forte clamor e lágrimas, àquele que tinha poder de salvá-lo da morte. E foi atendido, por causa de sua livre submissão.” (Hb 5,7) Seus momentos de oração revelam, então, sua íntima e indissolúvel união com quem Ele nos revelou como Pai.

Guiados por esta vital atitude do Mestre, estejamos atentos pois carregamos em nosso coração tanto o fariseu quanto o publicano. Quando reconhecemos o caminho errado que nos levou a queda, mas buscamos ser “remoldados” pelo amor de Deus, somos salvos como o publicano. Todavia quando nos enganamos e projetamos uma autoimagem de perfeição e nos preocupamos em demasia com os sinais e práticas externas de nossa vida religiosa, caímos no farisaísmo que acabará por nos tornar um ídolo fechado totalmente a Graça justificadora de Deus. Qual atitude queremos tornar permanente em nossa vida? À luz do ensinamento da parábola apresentada hoje, lembremos o que afirmou São Pedro de Alcântara: “É preciso ter para com Deus um coração de menino, para com o próximo, um coração de mãe e para consigo um coração de juiz.” 

Pe. Paulo Sérgio Silva

Diocese de Crato.

Paróquia Nossa Senhora da Conceição – Porteiras.

Paróquia Nossa Senhora das Dores – Jamacaru.

 

 

 

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