HOMILIA DO 27º DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO C

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A FÉ COMO FIDELIDADE E CONFIANÇA EM DEUS

Se vós tivésseis fé, mesmo pequena como um grão de mostarda…” (Lc 17,6)

Iniciamos o Mês das Missões e a Palavra de Deus que hoje é proposta para guiar nossa semana, embora apresentando diversos assuntos (salvação, justiça e testemunho) faz um tema se destacar pela sua necessária presença na vida de um discípulo missionário: a Fé / Fidelidade. A medida em que o caminho do discipulado vai se direcionando para a cruz, os discípulos devem, com obediência e modéstia, tomar consciência de que ação divina permanece mistério mesmo quando tem a nossa participação. Diante de situações que fugiram aos nossos cálculos, ao invés de perder-se na frustração, o mais importante será renovar nosso compromisso com o “Reino” sem cobranças ou exigências. Ao contemplar a violência social e a soberba dos poderosos, nossa fé pode entrar em crise enfraquecendo a esperança, todavia o que  devemos fazer é revigorar a confiança na ação divina, esperar, acolher os seus dons e fazê-los frutificar pela ação missionária.

Na primeira leitura (Hab 1,2-3;2,2-4), o profeta Habacuc dialoga com Deus, indagando sobre as constantes tragédias sofridas pelo povo eleito. O profeta viveu em uma época cheia de violência, injustiça e opressão. A ganância dos governantes lançou Israel num caos social. Os poderosos adulteravam a Lei para usá-la em proveito próprio. Como resultado disto a injustiça imperava causando desigualdades, violência e morte. Diante dessa situação o profeta grita a Deus para que Ele se apresse e coloque fim a estes infortúnios (Hab 1,2). Em sua resposta, Deus convida a viver a esperança e a paciência na fidelidade. Deus lembra ao profeta que não age conforme as exigências e as ansiedades humanas, mas sim no tempo oportuno e conforme seu plano de salvação. A verdade é que a realidade atual ainda não difere muito daquela na qual viveu o profeta. Seja pelo contexto de injustiça e guerras, seja pela indignação que sentimos quando achamos que Deus não está agindo para pôr fim ao mal que parece reinar no mundo. Do mesmo modo que o profeta, precisamos amadurecer a fé e entender que Deus não é um solícito garçom sempre à espera do nosso aceno para vir organizar a mesa do restaurante que nós deliberadamente destruímos. Afinal, não é esta a imagem de temos de Deus? De alguém que deve vir apressadamente consertar a destruição que nossa ganância e maldade causaram?

Na segunda leitura (2Tm 1,6-8.13-14) somos apresentados ao segundo escrito de São Paulo ao seu amigo e companheiro de missão, Timóteo. Em meio as dificuldades do anúncio do Evangelho, o Apóstolo exorta-o a manter o ânimo diante das perseguições, renovar seu compromisso e fidelidade ao Senhor Jesus Cristo. Como discípulo, ele deve firmar-se na fidelidade, para poder confirmar seus irmãos na fé. De modo semelhante ao que acontece em nossa sociedade atual, a fé cristã era ridicularizada e perseguida no mundo da antiguidade, por isto, Paulo lembra ao amigo que ter fé também significa não se envergonhar de Cristo diante dos perseguidores. E se hoje sofremos com ideologias que se mascaram dentro da Igreja com a imagem de falsas e erradas teologias, na época antiga não era diferente, por isto o missionário deveria buscar manter fielmente o anúncio da sã doutrina recebida dos Apóstolos e não se deixar enganar pelas seitas gnósticas e heresias que começavam a surgir. Como guardião de um tesouro, Timóteo devem zelar pelo “bom depósito” da fé que é o verdadeiro Evangelho confiado a ele.

O Evangelho (Lc 17,5-10) nos lembra que continuamos a caminhada para Jerusalém, acompanhando Jesus em seus ensinamentos. São “lançadas” duas parábolas que visam preparar o coração dos discípulos, fazendo-os compreender o verdadeiro sentido da fé, virtude essencial para enfrentar as dificuldades que viriam. No Antigo Testamento, ter fé era resultado de um conjunto que unia Esperança, Autenticidade e Lealdade para com Deus; no Novo Testamento, o seguimento a Jesus Cristo sugere que todas estas atitudes são indicadas pelo mesmo termo em grego, pistis[1], e em latim, fides[2]. De fato, a fé exige não apenas “crer”, mas também a lealdade e a fidelidade, ou seja, reivindica que sejamos fiéis ao objeto de nossa fé.

O pedido dos discípulos sobre a Fé (vs.5) revela que eles a enxergavam como quantidade, ao passo que Jesus a enxergava como qualidade. Por isto, o importante é que nossa fé seja capaz de dar grandes frutos como a semente da mostarda que no seu início é a menor das sementes, mas que pela perseverança e fidelidade a sua própria essência, se torna a maior das hortaliças. Os discípulos deveriam ter fé, como ato de confiança em Deus. Uma fé viva, perseverante, forte e eficaz.

A segunda parábola ensina que viver a vida de fé significa continuar realizando os trabalhos de evangelização com toda confiança mesmo quando não temos nossos esforços reconhecidos, não recebemos agradecimentos e nada parece frutificar. Devemos permanecer consciente de que somos servos comuns. Sem buscar feitos fabulosos ou espetaculares que erroneamente levariam o discípulo a querer se tornar o centro das atenções. (Algo bem comum em nosso tempo cada vez mais cheio de supostos “apóstolos” que reivindicam para si a “posse” do Espírito Santo e uma infindável lista de milagres e curas para assim levar o povo a sua “igreja”, ao invés de o conduzir a Jesus Cristo).

Estejamos atentos: Jesus não está negando que a ação missionária dos discípulos seja importante e útil. Mas lembra que os cristãos, trabalhadores na vinha do Senhor, são servos passageiros, pois o Reino não se encerra com a nossa missão e nossa vida. Graças a providência divina, um dia, outros discípulos missionários nos substituirão e darão continuidade ao anúncio do Evangelho cuidando com igual zelo e amor do seu rebanho e sua vinha.

Jesus convida aos discípulos de todas as épocas a aderir, com coragem e radicalidade, ao projeto de vida que Nele, Deus Pai veio oferecer a humanidade. A fé (fidelidade) em Deus cresce quando saímos de nós mesmos para servir a quem precisa. Desta “fé” que leva a servir a Deus através do serviço ao próximo depende a edificação do “Reino” no mundo. Aqueles que se comprometeram com a construção do “Reino” devem saber que não agem por si próprios, são instrumentos através dos quais Deus realiza a salvação. Santa Tereza de Calcutá disse: “Sou apenas um lápis torto e quebrado que Deus insiste em usar para escrever a salvação”.

Em uma sociedade mercantilista e egocêntrica como a nossa que exige sempre uma gratificação por qualquer serviço, aos cristãos resta dar o testemunho de cumprir o seu papel com humildade e gratuidade, como “servos que apenas fizeram o que deviam fazer”.

Pe. Paulo Sérgio Silva

Diocese de Crato.

Paróquia Nossa Senhora da Conceição – Porteiras.

Paróquia Nossa Senhora das Dores – Jamacaru.

 

[1] Do grego Pistis significa garantia, opinião, fé, fidelidade, lealdade. Para os cristãos o termo pistis assume o significado de convicção (da verdade religiosa ou a veracidade de Deus) e especialmente confiança em Jesus Cristo para a salvação.

[2] A palavra Fides designava, no início da língua latina, a “adesão” (do devoto aos preceitos de sua religião). Na evolução desse idioma, o sentido da palavra se alargou, passando a agregar diversos sentidos, como, “sinceridade”, “retidão”, “honestidade”, “responsabilidade”, “confiança”. Em latim, fidelitas significa “aquilo que possui fé”. o conceito de fidelidade revela então que é necessário que sejamos fiéis ao objeto de nossa fé.

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