UMA SÓ COISA É NECESSÁRIA: ACOLHER A DEUS EM NOSSA VIDA
“Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada.” (Lc 10,42)
Em continuidade com nosso processo formativo de discipulado, enquanto subimos com o Senhor à Jerusalém, a Palavra de Deus hoje nos convida a refletir sobre aspectos relevantes para a vida de discípulo: a hospitalidade, a atenção e o acolhimento. Em nossa sociedade atual, imersos em relações apenas virtuais, preocupados em acumular posses e fama, tão agitados por problemas e angústias, esquecemos facilmente que o Senhor nos visita no hoje de nossa vida. Para nós, cristãos, é preciso ter sempre na mente e no coração, que nossa vida e ação missionária deve nascer de um verdadeiro encontro com Jesus e também da escuta da sua Palavra. É esta atitude que alimentará o sentido da nossa ação e da nossa missão.
A primeira leitura (Gn 18, 1-10a) nos apresenta o patriarca Abraão e sua esposa Sara recebendo a visita de Deus à sombra do carvalho de Mambré. Na figura de Abraão, pai e modelo para os que tem fé, compreendemos porque o ato de acolher e hospedar se tornou tão importante para o povo de Israel a ponto de tornar-se parte da Lei (Lv 19,34 / Rm 12,13). Na atitude de Abraão e de Sara vemos conciliadas as atitudes das irmãs Marta e Maria: eles acolhem, oferecem atenção e partilham a mesa com Deus. Apresentam-se como pessoas bondosas, acolhedoras e solícitas às necessidades dos peregrinos. Acolher o irmão que passa é acolher e manifestar a presença de Deus. É cativante e apaixonante a imagem de um Deus, que de modo inesperado e sem avisar, adentra na vida humana, que aceita entrar em nossa casa e senta-Se à nossa mesa, formando uma comunidade conosco. Esta imagem revela o significado do ato de partilhar: criar comunhão, estabelecer laços familiares, compartilhar a vida. No final da visita, Abraão e Sara, por acolherem Deus peregrino e oferecerem tudo que tinham, recebem de Deus a graça que tanto buscavam: um filho.
A segunda leitura (Cl 1,24-28) apresenta o Apóstolo Paulo no seu esforço catequético para amadurecer e purificar a fé dos cristãos da comunidade de Colossas. A comunidade herdou da mentalidade grega fortes tendências sincretistas (sincretismo = junção de diferentes teorias filosóficas para formar uma só teoria) que levava alguns fiéis a se preocupar com hierarquias angelicais a ponto de se perguntarem se Cristo seria superior aos anjos. O Apóstolo ensina a comunidade que o essencial na fé é acolher Jesus Cristo como fundamento e alicerce de nossa vida. Por isto, tomando a si mesmo como exemplo e testemunho, ele recorda sua própria caminhada de fé fruto da experiência na companhia de Cristo. Ele sabe que os sofrimentos vivenciados são consequências de sua resposta ao chamado que recebeu de Cristo. Em suma, ele lembra que é este o chamado que Cristo faz a todos os seus discípulos: anunciar, admoestar e ensinar. “Para tornar todos perfeitos em união com Cristo.”
No Evangelho (Lc 10, 38-42), enquanto sobe à Jerusalém, Jesus pára em Betânia e hospeda-se na casa de Lázaro, Maria e Marta. Ele dedica-lhes tempo, convive com a família hospedeira e espera a atenção para que se realize um encontro que realmente transforme as suas vidas e transfigure as relações sociais. A atitude de Jesus embora aparente normalidade, na verdade constitui uma verdadeira mudança de mentalidade e conversão, uma vez que naquela sociedade as mulheres não tinham o direito de aprender com nenhum mestre. E assim como acontecera com Abraão e Sara, novamente uma família hospeda e acolhe Deus.
Ao longo dos séculos nós, cristãos, temos alimentado uma imagem negativa de Marta identificando sua ação com a daqueles que vivem no ativismo sem espiritualidade e não rezam, ao mesmo tempo que enxergamos sua irmã Maria como aqueles que vivem em ato de adoração, mas não vivenciam a fé na ação diária. Todavia, esta não era a intenção do evangelista Lucas quando decidiu eternizar este encontro narrando o episódio.
Marta estava tão preocupada em bem acolher em gestos concretos que quase perdeu a oportunidade de acolher Jesus em seu coração através da escuta e da atenção. Abraão e Sara oferecem um banquete de acolhida, mas não deixam de escutar atentamente o que Deus tem a lhes falar. As condutas diferentes das duas irmãs que hospedam Jesus em casa, levam-nos a refletir sobre como estamos atentos à presença de Jesus em nossa vida, sobre como valorizamos sua presença, dedicando a ele tempo para ouvir sua Palavra e assim não reduzir a própria vida a preocupações e ações ativistas. O banquete que Marta deseja oferecer já é fruto da presença de Cristo em sua vida, mas naquele dia Jesus desejava aprofundar esta presença através do diálogo e da escuta.
Todavia, a intenção do evangelista ao narrar este episódio nunca foi dividir as comunidades cristãs em ativistas e adoradores e tão pouco hierarquizar os cristãos. Ao invés de perpetuar rivalidades e escolher grupos, se dividindo entre aqueles que querem imitar Marta ou Maria, aqui devemos pôr em prática o princípio aristotélico que afirma: “Virtus in medio est – A virtude está no meio”. Com base nisto, contemplemos o exemplo de quatro mulheres de nossa era moderna que viveram a santidade: Santa Josefina Bakhita, Santa Teresa de Calcutá, Santa Dulce dos Pobres e Beata Nhá Chica. Estas quatro santas conciliaram em suas vidas as virtudes que o evangelista desejava ensinar às comunidades através das figuras de Marta e Maria. Estas santas mulheres viveram em constante ato de acolhida, caridade e ação missionária para com os peregrinos, pobres e necessitados. No entanto, a vida caritativa delas sempre foi alimentada e sustentada por uma profunda comunhão com Deus através de uma fiel e permanente vida espiritual e orante.
O essencial, o fundamental, o necessário é um só: acolher e escutar Deus. Naquela sociedade basicamente uma só coisa era reservado e autorizado para as mulheres: o serviço da casa. Jesus oferece a Marta um novo tipo de serviço: a escuta da Palavra para que ela como discípula possa também se tornar anunciadora do Evangelho aos irmãos e irmãs. Jesus deseja fazer dela, Marta, assim como de Maria, discípula e anunciadora do Evangelho. Para tornar-se verdadeiramente discípulo, mas do que correr em um ativismo desenfreado ou esconder-se em orações que só mascaram a indiferença, o essencial será sempre acolher Deus em sua casa/coração, escutar sua Palavra e propostas, pois todos os serviços da Igreja/Comunidade supõem primeiramente um tempo de escuta da Palavra e de encontro e convivência com Jesus, nosso Mestre e Salvador.

Pe. Paulo Sergio Silva
Diocese de Crato.




