O AMOR COMO ANÚNCIO DO EVANGELHO
“Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros.” (Jo 13, 35)
Depois de apresentar o Bom Pastor como expressão da solicitude, do zelo e do cuidado de Deus para com o seu povo no domingo anterior, a liturgia, hoje, apresenta o amor como a essência do discipulado a Jesus Cristo. O que sustentou Jesus Cristo em meio as angústias e perseguições foi o amor e a comunhão com o Pai e o Espírito Santo e a sua capacidade de amar até a doação da própria vida. A mensagem central é para que a comunidade cristã tome consciência de que deve ser um farol de amor e unidade, refletindo o amor de Deus no mundo. Sua luz (a Unidade e a Caridade) guiarão a humanidade que navega no mar da história em busca do porto seguro que é Deus.
A primeira leitura (At 14,21b-27) continuando a narrar alguns momentos das viagens missionárias de Paulo e Barnabé, nos apresenta as vicissitudes e destemores vivenciados pelas primeiras comunidades cristãs enquanto buscavam viver na prática amor fraterno. Mesmo em meio as perseguições, desafios e crises, os apóstolos exortam as comunidades a “permanecerem firmes da fé” (v.2) através da oração, jejum e caridade fraterna. Formadas pelo anúncio do Evangelho, as comunidades se tornaram, pouco a pouco, verdadeiras famílias onde seus membros fortaleciam uns aos outros durante as dificuldades e testemunhavam o amor de Deus. Diante dos bons frutos, as missões de Paulo e Barnabé passaram a ser vistas como ação do Espírito Santo uma vez que manifestavam as maravilhas que “Deus fizera por meio deles” (v.27) aos pagãos. A ausência física de Jesus Cristo se torna presença na vida cotidiana da comunidade que assumiu como distintivo a prática do amor e da solidariedade. Em um futuro próximo, diante do crescente testemunho da caridade e do martírio, dirão os Padres da Igreja aos pagãos em forma de convite: “Vede como eles se amam!” (Tertuliano – Apologia 39)
Na segunda leitura (Ap 21,1-5a), repetindo a metodologia catequética e escatológica do domingo anterior, o livro do Apocalipse ao nos apresentar em plenitude a “Nova Jerusalém” vinda de Deus, revela-nos a finalidade da peregrinação da comunidade cristã na história: Nós nascemos e caminhamos para alcançar o novo céu e a nova terra. As imagens descritas longe de causarem temor – reação comum quando não compreendemos o livro do Apocalipse – trazem esperança, pois transparecem todo o esplendor e alegria próprios de uma boda matrimonial. Sendo uma celebração resultante da comunhão plena com Deus, na nova Jerusalém não há lugar para dor, desunião, sofrimento, lágrimas e morte. Não se trata de uma projeção utópica ou pura idealização. É o nosso futuro. É a realização essencial da comunidade humana chamada a viver no amor, com amor e para o amor.
O Evangelho de hoje (Jo 13,31-33a.34-35), ao apresentar um fato anterior a ressurreição, possui como intenção catequética nos preparar para a Ascensão do Senhor – festa litúrgica que se aproxima. Mesmo que a Ascensão de Jesus signifique um distanciamento físico, à medida que a comunidade amadurece a fé, compreenderá que ela revela uma intimidade espiritual ainda maior que os cristãos precisarão vivenciar para manter-se em comunhão plena como o Mestre.
A primeira parte apresenta a ação de Judas, na Última Ceia, saindo para trair Jesus. Sua atitude apresenta uma rejeição ao plano do Reino de Deus e um distanciamento paulatino da pessoa de Jesus Cristo. Enquanto Judas se distancia, Jesus escolhe entregar-se por completo na cruz e deixa seu testamento espiritual aos apóstolos/discípulos. Na segunda parte, Jesus se refere aos discípulos como “meus filhos”. Sua atitude nos remonta aos patriarcas do Antigo Testamento reunindo os filhos para conceder a bênção paterna diante da proximidade da morte (Gn 48,8-16). Nas últimas horas de vida, Jesus compartilha com sua comunidade a essência de sua sabedoria de vida e lhes entrega seu testamento espiritual, isto é, aquilo que é verdadeiramente fundamental para todos os cristãos.
Jesus é a norma e a medida do amor (“como eu vos amei”. V.34). Aqui, nesta atitude dele, a humanidade entenderá que amor não é apenas um sentimento romântico. Amar é se colocar a serviço dos outros, é reconhecer a dignidade e o valor de cada vida em todos os estágios de sua história (fecundação, gestação, infância, adolescência e maturidade). É também respeitar absolutamente a liberdade do outro como Jesus faz com o Judas mesmo diante da iminente traição. As nossas celebrações, nossas pregações, nossos retiros espirituais, nossas formações catequéticas, nossas assembleias pastorais e todas as demais ações da Igrejas somente terão sua eficácia plena se forem acompanhadas de um verdadeiro testemunho de amor evidenciado em atitudes práticas. Tertuliano, Padre da Igreja que viveu entre os séculos II e III, visando combater as mentiras que eram espalhadas sobre os cristãos, escreveu ao império romano “desenhando” o rosto das comunidades cristãs como pessoas se reuniam para viver em comunidade, tendo como centro a Palavra de Deus, a caridade e a comunhão eucarística. Atualmente, quando as outras confissões religiosas contemplam as comunidades católicas ainda podem afirmar o mesmo que Tertuliano?
Os cristãos, os discípulos de Jesus, não são guardiães e anunciadores de uma mera doutrina ou de uma ideologia. Não somos membros de um grupo burocrático obcecados pelo cumprimento legalista de ritos litúrgicos ou de normas morais. Somos “filhos de Deus” chamados, pelo amor que partilhamos, a ser um sinal vivo do Deus que vive em eterna e plena comunhão trinitária. Vivendo assim, do mesmo modo que Jesus e pelo seu amor, seremos no mundo, sinal da presença amorosa de Deus. Pois é na vivência e partilha do amor, cujo ápice é a doação da vida, que se realiza a vocação cristã e que se dá testemunho no mundo do amor materno e paterno de Deus.
A comunidade cristã não é um lugar físico onde as pessoas se encontram para conversar ou planejar eventos festivos de arrecadação financeira. É um ato de viver em Cristo, acolher, ajudar e sustentar no amor. Não há outro caminho: “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13, 35).

Pe. Paulo Sérgio Silva.
Diocese de Crato.




