NOSSO DEUS PACIENTE NOS CONVIDA A CONVERSÃO
“O Senhor é indulgente, é favorável, é paciente, é bondoso e compassivo.” (Sl 102,8)
“Mas se vós não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo”. (Lc 13,3)
Nesta terceira parada da nossa peregrinação quaresmal em direção à Páscoa, somos chamados, outra vez, a refletir a nossa vida à luz do Evangelho. Depois de apresentar as tentações no deserto e a transfiguração como etapas na missão de Jesus e dos próprios discípulos, a liturgia nos convida ao tema da Conversão ao lado da Libertação. Deus aconselha-nos a uma transformação em uma nova humanidade, livre da escravidão do mal e do pecado, para que enfim se revele em nós a plenitude da sua Graça, manifestada na ressurreição.
Na primeira leitura (Ex 3,1-8a.13-15), depois de ouvirmos o relato da aliança entre Deus e Abraão, somos apresentados ao relato da missão de Moisés, vocação que está diretamente ligada a libertação do povo escolhido. A história do povo de Israel é a imagem da relação de Deus com a humanidade. O povo se reconhece através da fé neste Deus justo e paciente e Deus se manifesta agindo e intervindo na história com eles e por meio deles. Aqui entendemos que Deus que não é conivente com as injustiças, tirania, abusos e opressões. Deus vê, ouve, conhece, desce e age em favor do seu povo. Merecem atenção os verbos que aparecem na voz divina: vi, ouvi, conheço e desci para libertá-los. É o Deus do encontro e da compaixão. Ele se aproxima do ser humano. Vê o sofrimento de seu povo, ouve o seu clamor, conhece seus sofrimentos porque caminha com eles, e age para conduzi-los a libertação. E esse mesmo Deus libertador espera que também nós nos oponhamos contra tudo aquilo que nos escraviza e fere a dignidade de seus filhos e filhas. Assim como fez com o povo de Israel, e depois para com toda a humanidade na pessoa do seu Filho, Jesus Cristo, Deus, em sua providência, prova que esteve, está e estará sempre com a humanidade (Is 41,1-14).
A segunda leitura (1Cor 10,1-6. 10-12) em sua sabedoria pastoral, o Apóstolo Paulo realiza uma recordação dos anos do povo de Israel em peregrinação no deserto. A nuvem da presença de Deus, a travessia do mar, o maná, a rocha que jorra água, são apresentados como imagem do próprio Jesus que acompanha a humanidade ao longo da história. Todavia, o Apóstolo nos recorda que ainda que o cumprimento de ritos externos seja importante na fé, eles podem se tornar vazios e estéreis se não forem acompanhados de uma adesão firme e verdadeira a Deus e a sua proposta de libertação e salvação. Abertura para realizar sua vontade e colaboração com seu plano salvador são atitudes essenciais para se viver uma comunhão íntima com Ele. As murmurações, desobediências, infidelidades e suas consequências destas na história de Israel são experiências para aprender e não repetir os mesmos erros no tempo presente em nossa vida. O conselho exortativo dado pelo Apóstolo no final – “quem julga estar de pé tome cuidado para não cair” – possui o mesmo apelo da recomendação dada por Jesus no evangelho de hoje – “se não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo”.
Assim sendo, compreendemos o relato do Evangelho de hoje (Lc 13,1-9) como um urgente e necessário convite a conversão (conversão pessoal, pastoral e comunitária). Se trata de uma exortação a uma transformação radical da existência e da mentalidade. Uma forma de recentralizarmos nossa vida tendo Deus como âmago e cerne de nosso coração. Deus e os valores do seu Reino como nossa prioridade fundamental.
Como ocorrido em outras ocasiões, pessoas levam a Jesus indagações que expressam dúvidas em relação a ação divina. Jesus escuta perguntas relevantes sobre o significado das mortes e tragédias cotidianas e também interrogações se estes eventos não seriam na verdade castigo de Deus como resposta aos pecados cometidos. O Mestre não julga sobre as motivações que culminaram na morte das vítimas, mas contempla e compreende o evento como um apelo à uma urgente conversão. O seu silêncio pastoral nos faz compreender que a morte, seja por acidente, violência, doença ou tragédia, não é um castigo, mas consequência da humanidade percorrendo sua história fora dos designíos divinos.
Se pode perceber uma implícita irritação de Jesus neste episódio. Ele demonstra irritação porque aqueles que lhe fazem o relato dos desastres estão convencidos de que tudo se tratava de um castigo divino como pagamento pelo pecado alheio. Esta concepção de Deus como rancoroso e implacável, revela uma idolatria que perpetua aquela falsa imagem semeada pelo diabo no coração dos primeiros seres humanos, levando-os a imaginar Deus como invejoso, vingativo, impaciente, impiedoso e implacável (Cf. Gn 3,1-5; Gn 4,13-15; Gn 11,1-9). Deus não é um carrasco obcecado por punição e muito menos um contador escrupuloso a anotar minuciosamente os erros e acertos, pecados e virtudes individuais de cada ser humano. Deus não brinca com a vida e a dignidade dos seus filhos (Is 43,1-7). Estas tragédias nos lembram que quando não vivemos com coração voltado para a vida eterna, a morte se torna sempre um desastre.
O apelo a conversão transforma-se na parábola da “figueira estéril”. O homem em busca de frutos representa o Senhor, que espera de nós um verdadeiro e coerente compromisso com o Reino através das boas obras. Já se completavam três anos de ministério público de Jesus, Ele busca frutos na videira (humanidade) e nada encontra. Mas Deus é paciente e oferece mais prazo para que nos convertamos e produzamos bons frutos, ou seja, boas obras na vivência de nossa fé. Aqui é revelada a verdadeira imagem de Deus: clemente, paciente e cheio de compaixão para com todos. Como fez com adão e Eva e com Caim depois do assassinato do irmão, Deus convida à conversão. Ele é compassivo e clemente, paciente, bondoso e cheio de misericórdia (Sl 103,8). O vinhateiro dá mais um ano para a figueira dar frutos, pois o seu desejo não é a morte do pecador, mas que ele se converta e viva (Cf: Lc. 5,27-32; Ez 33,11). Se isso não acontecer, nos diz Jesus, a nossa vida será cada vez mais dominada pelo egoísmo, autossuficiência e pecado que leva à morte vista como algo desastroso ou de vingança divina.
Assim como foi com as catástrofes mencionadas no evangelho de hoje, os eventos atuais (pandemia, desastres naturais, guerra) não são desejados por Deus, mas podem ser compreendidos como um sinal de que a humanidade necessita mudar seu modo de se relacionar consiga mesma e com a natureza. Nesta mesma ótica, o que acontece em nossa própria vida e história pode ser interpretado como convite à conversão, para que semeemos o Reino e produzamos bons frutos de misericórdia e compaixão.

Pe. Paulo Sérgio Silva.
Diocese de Crato




