GUIADOS PELO ESPÍRITO SANTO, CAMINHEMOS COM JESUS NOS DESERTOS DA VIDA
“Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do Jordão, e, no deserto, ele era guiado pelo Espírito.” (Lc 4,1)
Ao longo da nossa peregrinação Quaresmal, a Palavra de Deus, ao relatar anos do povo de Israel no deserto, de Moisés e Elias no monte sagrado e os dias de Jesus no deserto, irá questionar nossas opções de vida e ao apresentar as “tentações” que nos afastam dos caminhos do Reino, nos convidará a confiar plenamente em Deus. Através do testemunho daqueles que auxiliados pela graça divina venceram as tentações, somos convidados no tempo presente a renovar nossa fé em Jesus Cristo, por meio dos exercícios quaresmais.
Na primeira leitura (Dt 26,4-10) Moisés, durante um ato litúrgico, faz uma recordação das ações realizadas por Deus em favor do seu povo eleito ao longo da história. As suas palavras expressam um tipo de “Credo” primitivo resumindo a fé de Israel. Neste memorial é revelada uma confissão de fé nas intervenções salvadoras de Deus na história, resumidas essencialmente na libertação da escravidão do Egito e na instalação do povo na terra prometida (Cf. Dt 6, 20-24; Js 24, 1-13; Ne 9, 6-37; Jr 32, 17-25; Sl 136). E Israel, depois de ouvir e tomar consciência, oferece agradecido os primeiros frutos da colheita em ato de adoração. Nesta recordação, tanto o povo de Israel quanto nós somos convidados a rejeitar “os falsos deuses” e suas seduções e a depositar em Deus a nossa plena confiança e fé. É preciso afastar-se da atitude de orgulho e da autossuficiência que somente conduzem a desgraça e a morte.
Na segunda leitura (Rm 10,8-13) São Paulo exorta-nos a fugir da atitude arrogante de querer “tomar posse” da salvação que Deus nos oferece, pois, a graça salvadora não é fruto de uma conquista humana, mas um dom gratuito de Deus. O Apóstolo afirma que nos é exigida então uma fé que não se reduza a uma confiança superficial em Jesus, mas sim crer naquilo que Ele é de fato e de verdade: o Redentor. Se faz necessário, pois, “converter-se” a Jesus, reconhecendo como o “Senhor” e acolher no coração a salvação que, em seu Filho, Deus propõe a humanidade.
O Evangelho (Lc. 4,1-13) nos coloca diante do início da missão de Jesus. Nas tentações em meio ao deserto é apresentado o horizonte que Ele vislumbrará durante toda a sua vida e missão. A narração descrita por Lucas se trata de uma catequese sobre as escolhas livres de Jesus. Em vista disto é preciso ter em mente que Jesus foi tentado não apenas nestes três momentos, mas durante toda sua vida terrena.
Jesus escolheu iniciar missão paralelamente à sua vida pública e do mesmo modo que todos os homens. Mesmo sem necessitar (porque é o Filho de Deus) se deixou batizar como os pecadores arrependidos. Inseriu-se assim na vida cotidiana e na existência de todos os seres humanos, percorrendo a mesma estrada que conduz a salvação. Aquele que é a salvação personificada, se fez penitente necessitado e percorreu a via da salvação, por amor aos irmãos, afim de conduzi-los ao céu, como pastor a reconduzir as ovelhas de volta a segurança do redil.
Nas tentações da gula (materialismo), da ambição (poder/domínio), da vaidade e presunção (sucesso/êxito fácil/status/ostentação) são apresentadas as seduções primordiais do pecado e do mal: o Ter, o Poder e o Ser. Jesus, em meio a debilidade física e espiritual, rejeitou livremente os caminhos do egoísmo, do autoritarismo e do espetáculo, para viver uma vida de partilha, de serviço e de simplicidade. Depois de 40 dias de oração, renúncias e jejuns, como Cristo resistiu as seduções do maligno? Mantendo-se com a plenitude do Espírito de Deus, tendo a consciência de que não estava sozinho e revivendo toda a história do seu povo. O ato de manter-se em comunhão com Deus Pai não é apenas uma decisão por Ele, mas por toda humanidade.
Assim como o povo de Israel no deserto, Jesus experimentou a fome, e mesmo compreendendo a necessidade do alimento, reconheceu que a vontade do Pai era essencial e esta convicção o sustentou. O diabo tenta “comprar” Jesus dando em troca o alimento de que o corpo necessita. Do mesmo modo, ao longo da história, inúmeros seres humanos diabolicamente corrompidos pela ilusão da riqueza material, seduziram e compraram os corpos de irmãos e irmãs indigentes que diante da suprema miséria e debilidade física, viram sua dignidade ser ferida por aqueles que coisificam o ser humano. Esta primeira tentação acontece com todo ser humano como um pedido sedutor para centralizar-se em si mesmo enquanto nega os outros até o que é essencial para a sobrevivência.
A carência do alimento é seguida pelo pensamento de que possuir/tomar/dominar todos reinos poderia suprir esta fome, mas o custo é alto demais. O preço por esta tentação é rejeitar Deus. É construir novamente o bezerro de ouro; é adorar a satanás. A fé no Pai que já fez tanto pela humanidade ao longo da história é mais fundamental que a honradez efêmera advinda das grandezas materiais. A segunda tentação impera em nosso coração quando escolhemos dominar no momento em que deveríamos servir, quando julgamos ao invés de nos compadecer solidariamente.
A última tentação é a mais sedutora, refinada e cruel e tem como intuito levar Jesus a duvidar ou esquecer do que Ele é essencialmente: Filho de Deus. Assim como aconteceu com Adão e Eva e com o povo no deserto, Jesus Cristo é levado a desconfiar do amor divino e tentar Deus. No entanto, Jesus não esquece em quem colocou a sua confiança. Em suas respostas Jesus parece rezar o salmo 90 que meditamos hoje também na nossa liturgia da Palavra. Esta terceira tentação domina nosso coração quando em meio as vicissitudes da vida cotidiana, nos revoltamos porque achamos que Deus está ignorando nosso sofrimento, e pedimos provas do seu amor.
Diante deste relato, pensemos também em quantos irmãos e irmãs abandonam sua fé em Deus por causa da fome que nosso egoísmo impõe aos pobres e necessitados! Quantos se deixaram seduzir pelo desejo de posse material por ter o trabalho e a dignidade negados! Quantos afastaram-se do Evangelho e ingressaram em seitas centradas em curas milagrosas, para conseguir rapidamente aquilo que acham que Deus deve dar a eles! Quantos se ajoelham diante dos poderosos por medo da violência e dos horrores e desolação impostos pela guerra!
O relato se encerra afirmando que vencido temporariamente, o diabo se retirou para voltar “no tempo oportuno” que será a hora da Cruz. Será lá, no abandono da Cruz, onde tornar-se-á concreta a maior e mais silenciosa tentação. E mesmo sentindo-se abandonado na sua comunhão plena com o Pai e com o Espírito, Jesus escolherá “entregar” o espírito ao Pai.
A partir deste domingo acompanharemos Jesus pelos caminhos da Galileia enquanto ele sobe para Jerusalém, indo ao encontro daqueles que experimentam a realidade de sentir-se como ovelhas em pastor. Anunciaremos a chegada do Reino com Ele na sua confiança plena no Pai? Ou cairemos ante o peso das tentações e O abandonaremos pelo caminho ao longo da história?

Pe. Paulo Sérgio Silva
Diocese de Crato.




