HOMILIA DO 2º DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO C

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ESTEJAMOS ATENTOS E SOLÍCITOS PARA FAZER A VONTADE DE DEUS

Sua mãe disse aos estavam servindo: fazei o que ele vos disser”. (Jo 2,5)

No início do Tempo Comum, tempo oportuno para se conhecer a identidade e a missão de Jesus, a liturgia nos apresenta o início do seu ministério redentor através do primeiro sinal que ele realiza como manifestação da presença do Reino de Deus. De modo semelhante ao que muitas vezes aconteceu no Antigo Testamento, a imagem do casamento surge então como um símbolo que revela a relação de amor que Deus (o marido) estabeleceu com a humanidade (a esposa). Portanto, em última instância, enquanto iniciamos a peregrinação do Tempo Comum, somos convidados a permanecer fielmente decididos a fazer o que Jesus nos disser.

Na primeira leitura, o profeta e poeta Isaías, na intenção de renovar a fé e a esperança, escreve para o povo eleito que retornava à terra prometida depois dos anos de desolação no exílio na Babilônia. Como aconteceu com outros tantos profetas, Isaías utiliza-se de imagens próprias do matrimônio para expressar a fidelidade incondicional de Deus e reacender a esperança do Povo Eleito (Cf: Os 1,1-9; Jr 2,1-3;31-32; Ez 16,8-14; Ml 2,13-16; Ct 8,6-7). A cidade santa é apresentada como uma esposa que se deixou seduzir ao acreditar em falsas promessas de segurança, abandonou seu esposo e sofreu as consequências sendo desolada. Jerusalém é a imagem da humanidade seduzida pelos artifícios do pecado e do mal. O profeta proclama a fiel justiça do esposo/Deus definindo o seu amor divino como inabalável, perene, insistente e eterno. O seu oráculo, assim, mantém viva a fé e a esperança do povo eleito. Deus desposou seu povo escolhido. E nesse amor residiu a alegria de Deus que continuamente renovou, ao longo das eras, a sua promessa, resgatando e perdoando, mesmo em face das infidelidades à Aliança.  Com este recomeço, a cidade de Jerusalém que estava “abandonada e deserta”, voltará a ser chamada de “desposada e predileta”. Esta núpcia anunciada pelo profeta será futuramente realizada de forma definitiva e eterna pela pessoa de Jesus Cristo, no altar da cruz.

A segunda leitura fala dos “Dons” – aptidões e carismas, através dos quais o Espírito Santo continua a manifestar o amor oblativo de Deus. Era e ainda costume, entre alguns povos do Oriente, a família da noiva oferecer presentes em forma de dote para a família do noivo. No contexto das bodas de Caná é o “Pai/Deus” do noivo que oferece a humanidade/noiva o maior de todos os dons: o seu Filho Unigênito. Como o vinho nas bodas de Caná, os dons são sinais do amor divino, ofertados para servir a toda a humanidade. Por isto, são Paulo alerta para o perigo de transformá-los em meios para competição, egoísmo, divisão e promoção do orgulho. Estas atitudes causam conflitos, exclusão e impedem os atributos de frutificar a graça. Os dons são expressão do amor e da unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo, sendo assim, o Apóstolo insiste em recordar que eles não são frutos de méritos pessoais, mas sinais da graça que devem ser colocados a serviço do bem comum e de todos, assim como o vinho, milagrosamente trazido por Jesus, foi servido a todos da festa de Caná.

O Evangelho apresenta, no contexto de uma festa de casamento (lugar propício da “aliança”), Deus comunicando-se na pessoa do seu Filho, Jesus Cristo. É neste ambiente matrimonial que Jesus manifesta o primeiro “sinal” da sua redentora missão afim de revelar a humanidade o Deus Pai que os ama, e que deseja, com o seu amor, transformar suas vidas em alegria e a felicidade plenas.

Como João é o evangelista da mistagogia, é preciso estar atento aos sinais e símbolos que ele utiliza para construir sua catequese e teologia. A princípio nos chama a atenção o fato dos noivos não serem nomeados, apesar de ser o dia das suas núpcias. Por isto, muitos teólogos e biblistas enxergaram a presença de Jesus como uma imagem da aliança matrimonial entre Deus e a humanidade tão utilizada pelos profetas no A.T. Deste modo, Jesus é o noivo decidido a fazer uma nova, definitiva e permanente Aliança com a humanidade. Outras imagens apresentadas pelo evangelista indicam que a antiga aliança está desgastada e se tornou infrutífera. O vinho sempre foi sinal de alegria na sagrada escritura. Se o vinho acaba, termina a alegria. Se não há alegria, não há festa. A qualidade e o sabor do “vinho novo” servido por Jesus e que encantou o paladar e o coração do mestre sala, são a manifestação da plenitude que a Eucaristia oferecerá a humanidade e que nenhum outro rito religioso foi capaz de realizar.

 As seis talhas (potes) de pedra usadas para purificação ritual manifestam uma humanidade preocupada em manter externamente limpo corpo, mas não puro interiormente o coração/espírito. Na bíblia, sete é o número divino que indica perfeição, plenitude. As talhas, apresentadas em número de seis, representam, portanto, algo incompleto, imperfeito. O material de que são feitas as talhas (pedra) representa a frieza da relação da antiga aliança que se tornou mera formalidade e cumprimento de ritos. As talhas são de pedra e estão vazias. O fato de estarem vazias representa uma vivência religiosa feita apenas de ritos, mas sem vínculo de afetos com a vida cotidiana.

Além da ação de Jesus, é importante contemplar a atuação das outras pessoas que surgem no cenário do casamento afim de compreender o seu significado na catequese do evangelista João. Vale ressaltar a presença de Maria. Foi ela, com seu coração cheio de graça e atenta caridade, que percebeu a tristeza no casamento. Maria representa a última esperança do povo de Israel e da humanidade que em sua fidelidade busca Deus (Jesus) para transformar a sua situação de tristeza em felicidade. O mestre sala, responsável pela organização da festa, provavelmente tem consciência da situação delicada da falta do vinho, mas não age. A sua inexplicável inércia e acomodamento representam aqueles cristãos que mesmo enxergando os sinais dos tempos e sabendo da responsabilidade de sua missão discipular, preferem ficar sentados e de braços cruzados do que colaborar no crescimento do Reino de Deus. Já a solicitude dos serventes, nos recorda a prontidão e a obediência do povo de Israel nos primórdios da sua peregrinação tendo Deus por guia e pastor (Cf: Ex 19,8; Ex 24,6-8; Dt 5,27; Js 1,13-17). Eles prontamente seguem ao conselho de Maria e obedecem às ordens de Jesus, logo representam todos aqueles que estão abertos, atentos e decididos a “fazer o que Jesus disser”, bastando para isto receber uma indicação de que é chegada a hora de realizar a vontade de Deus.

Rezemos para que esta peregrinação espiritual do Tempo Comum, enquanto nos conduz ao longo do ano, nos torne capazes de compreender “quem é Jesus e qual a sua missão”. Em um mundo tão diverso e cheio de pretensos messias e de autoproclamados salvadores, sempre será necessário não esquecer o essencial em nossa fé: Jesus Cristo. É ele o centro da Festa. É ele que devolve, restitui a alegria/dignidade da humanidade. Sua vida e missão remodelaram a história da humanidade. Todavia, para que isto ocorra em plenitude é necessário assumir com fidelidade nossa vocação e missão e também permanecermos atentos ao que Ele nos disser através do Espírito Santo e da Igreja. Isto nos lembra a importância do tempo de escuta vivenciado no Sínodo que ainda repercute através deste Jubileu da Esperança. Longe de preservar ritos e instituições acomodados, a ação e missão de Jesus Cristo trouxe uma impetuosa novidade. Esta novidade aconteceu de forma plena quando finalmente chegou a sua “Hora” (a sua morte na Cruz) onde do seu lado aberto, do seu coração, ofereceu novamente água e sangue como sinal do amor pleno, permanente e fiel de Deus.

Pe. Paulo Sergio Silva.

Diocese de Crato.

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