O REI DA VERDADE, DA COMPAIXÃO E DA MISERICÓRDIA
“Jesus respondeu: Tu dizes, que eu sou Rei. Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da Verdade. Todo que é da verdade, escuta a minha voz.” (Jo. 18,37)
No último domingo do ano litúrgico, celebramos a solenidade de Cristo, Rei. Aquele que iniciou a história com a criação do universo é também quem encerrará a mesma história, não com a destruição do cosmo, mas com a restauração de todo o universo no seu mistério de Amor e de Verdade. De fato, como nos anuncia o prefácio da oração eucarística o seu reino é “um reino de verdade e de vida, de santidade e de graça, de justiça, de amor e de paz”.
Na primeira leitura (Dn.7,13-14), o profeta Daniel anuncia que Deus irá eliminar a lógica da ambição, a violência, a opressão que são os alicerces dos reinos humanos. Através de uma figura misteriosa que surgirá sobre as nuvens, Deus intervirá na história fazendo com que toda a humanidade alcance em fim a liberdade e a paz. Os discípulos ao interpretarem as Escrituras à luz da ressurreição de Jesus, compreenderam que Nele se cumpriram as promessas messiânicas. Cristo cumpriu em plenitude tudo o que os profetas anunciaram. Este “filho de homem” vitorioso tornou-se um anúncio da realeza de Jesus.
Na segunda leitura (Ap.1,5-8), reafirmando o que ouvimos na profecia de Daniel, o Livro do Apocalipse apresenta Jesus como o Senhor do Tempo e da História, o princípio e o fim de todas as coisas (o Alfa e o Ômega). No início do seu livro, São João nos revela que toda sua obra se trata de uma grande celebração litúrgica em honra do Cordeiro imolado e ressuscitado, que é o centro da fé cristã. Assim a comunidade cristã em todas as épocas é convidada a aceitar e a celebrar Cristo como centro da história humana. Ele é o princípio e o fim de todas as coisas. “A Jesus, que nos ama, que por seu sangue nos libertou dos nossos pecados e que fez de nós um reino, sacerdotes para seu Deus e Pai, a ele a glória e o poder, em eternidade. Amém.” (Ap. 1,5-6). Estas palavras proclamadas nos fazem compreender que ao contrário da realeza dos nobres deste mundo, a realeza de Jesus se expressa numa vida pautada pelo amor abnegado e oblativo, através do serviço, na doação de Sua vida e no perdão infinito, concedido a todos que vivem numa atitude sincera de arrependimento e conversão. É Nele que a comunidade deve depositar a confiança, pois somente através de sua glória e majestade chegará a plenitude do reino de felicidade, de vida em abundância e de paz.
O Evangelho (Jo.18,33b-37) nos apresenta o encontro entre dois poderes: Pôncio Pilatos como representante do poder humano construído através da ambição, violência, opressão, perseguição e corrupção. E Jesus Cristo, encarnação da majestade e glória de Deus, cuja missão é dar testemunho da verdade através do amor, do serviço, da partilha e da doação da própria vida pela salvação da humanidade.
Ao assumir-se como rei diante da pergunta de Pilatos, Jesus indica que o seu reino não foi, não é e não será nunca construído sobre alicerces de morte e sofrimento do seu povo. Cristo é Rei, mas a sua ação é de Bom Pastor que ama, guia, protege e dá a vida pelo rebanho. Sua sabedoria concede a verdadeira interpretação e observação das Escrituras. Seu amor julga o mundo com clemência, justiça e misericórdia. Por ser Deus e Homem, Nele finalmente acontece a união indissolúvel entre Deus e a humanidade, pois Ele é ao mesmo tempo o homem/sacerdote que realiza a oração, o Templo e o altar onde se realiza a celebração, a oferta para o sacrifício e Deus que recebe e acolhe a oferta.
Nossa sociedade atual, fruto do pensamento modernista, vive uma profunda crise de liderança que se espalha por todas as esferas das relações sociais. Nossos líderes políticos e econômicos mais do que nunca se apresentam como pessoas de visão turva e voltados apenas para os interesses de seus grupos políticos e pessoais. Poucos realmente buscam voltar o pensamento para o bem comum. Como cristãos não devemos confiar nossas lideranças a lógica egoísta do mundo. O Papa Francisco inclusive tem nos recordado que somos todos irmãos e irmãs em busca da fraternidade universal, pois temos um só Rei e Pastor.
O Papa Bento XVI, outrora, nos questionou acerca do sentido de celebrar Jesus Cristo, Rei do Universo em meio a uma sociedade desprovida da presença de Deus. Nos questionemos também: queremos mesmo que “venha a nós o seu Reino? (Mt. 6,9)”. Nossa vida é expressão desta súplica? Ou a oração do Pai Nosso se tornou em nossa boca um texto retórico e vazio de sentido? Ainda somos capazes de gritar como São Paulo: “é preciso que Ele reine”? (1Cor 15,25) Estamos nos esforçando para fazer que com Cristo reine em nossas famílias e na humanidade inteira? Ou estamos como vivendo como os homens da parábola de Lc 19, e gritando: “não queremos que Ele reine? (Lc. 19,11-14)”
Jesus afirma que veio ao mundo para dar testemunho da Verdade. Como cristãos não conseguiremos ser continuadores do seu testemunho se vivermos espalhando mentiras nas redes sociais. A verdade que Jesus anunciou e viveu é o amor incondicional e infinito que Deus derramou sobre nós, a fim de nos conduzir à vida em abundância. Se escolhemos livremente viver a mentira, egoísmo, o pecado e a injustiça podemos nos afirmar como qualquer coisa menos como discípulos missionários anunciadores da Verdade do Evangelho.
Em suma, supliquemos para que Ele reine em nossa inteligência, nos fazendo conhecer e compreender as verdades da fé. Que Jesus reine em nossa vontade para que ela se identifique com o projeto divino de salvação. Que Ele reine em nosso coração para que não vivamos nada contrário ao seu amor de Deus.

Pe. Paulo Sérgio Silva
Diocese de Crato.




