HOMILIA DO 32º DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO B

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A OUSADIA DOS PEQUENOS DE CONFIAR EM DEUS

[…] ao passo que ela, em sua pobreza, deu tudo o que tinha para viver.” (Mc. 12,44)

            A liturgia da palavra nos convida a fugir da falsa piedade enquanto nos recorda que quando temos a ousadia de viver na fé que nos leva a repartir e compartilhar, generosamente e com amor, os bens repartidos tornam-se fonte de vida e de bênção.

Na primeira leitura (1Rs. 17,10-16) vislumbramos o exemplo da viúva pobre de Sarepta que, mesmo mergulhada na pobreza e necessidade, se deixou interpelar por Deus através da súplica profética e repartiu os poucos alimentos que lhe restavam com o profeta Elias. A história dessa mulher pagã agraciada pela generosidade divina, nos revela que a confiança na providência que leva partilha e a solidariedade não empobrecem, mas frutificam em vida abundante. Esta viúva e seu filho (órfão de pai) manifestam duas lições catequéticas importantes: a viúva e o órfão são exemplos de desfavorecidos que sempre são objeto da predileção do amor de Deus que se esmera em cuidados para com eles; a viúva é uma fenícia, portanto, pagã, com isto é ensinado que a graça de Deus é universal e independe da raça, língua ou crenças religiosas. Ela é oferecida a todos os povos.

A segunda leitura (Hb. 9,24-28) oferece-nos o exemplo de Cristo, o sumo-sacerdote pleno. Tal qual a viúva que oferece no Templo suas duas moedinhas, cumprindo o projeto do Pai, Ele oferece aquilo que tinha de mais precioso: sua vida. Aos olhos dos observadores, as duas moedinhas da viúva pouco ou quase nada acrescentavam ao já abundante tesouro do Templo, no entanto, sua generosidade com tão pouco enquanto já não possuía mais nada, revelou um coração rico e abundante de confiança no Senhor. Do mesmo modo, aos olhos dos fundamentalistas e rigoristas, o sacrifício de Cristo foi apenas uma condenação sem fruto algum. Todavia, uma única gota do seu sangue precioso, uma só vez oferecido, teve a eficácia que milhares de oblações e holocaustos nunca alcançaram.

No Evangelho de hoje (Mc. 12,38-44) constatamos que uma vez concluída a peregrinação espiritual e física em direção a Jerusalém, Jesus entrou naquela cidade e começou a anunciar o Evangelho como fizera em todas as outras localidades por onde passara. Com a entrada de Jesus na cidade santa, percebemos também que na liturgia já se aproximam os dias de preparação para sua entrada na história e na humanidade por meio da Encarnação. Sim, o Advento já se aproxima no horizonte de nossa estrada. E logo mais novamente um fisicamente diminuto sacrifício será reclinado numa manjedoura em Belém. A mesma ínfima criança que foi olhada com menosprezo pelos grandes de Jerusalém, será um dia novamente reclinada na cruz ante os olhares depreciativos daqueles que não conheceram verdadeiramente a Deus. O mesmo supremo e divino sacrifício, rejeitado pelos homens em época diferentes.

 No entanto, se no caminho para lá Ele teve que enfrentar a incompreensão dos próprios discípulos, em Jerusalém, recebe a oposição das lideranças religiosas e políticas que novamente levam a Ele perguntas maliciosas com intuito de o desmoralizar. Na verdade, mas do que todas as outras peregrinações, esta em questão foi permeada por confrontos e controvérsias: Houve a expulsão dos comerciantes do templo (Mc 11,15-19); a figueira amaldiçoada como imagem de Israel (Mc. 11,12-14); a indagação duvidosa sobre a autoridade de Jesus (Mc. 11,27-33) as acusações reprobatórias contidas na parábola dos vinhateiros homicidas (Mc 12,1-12); a cobrança de pagamento do imposto de César (Mc 12,13-17); a polêmica sobre a ressurreição contra os saduceus (Mc 12,18-27) e a questão do maior mandamento (Mc. 12,28-34).

Jesus e os discípulos aproveitam uma pausa nas polêmicas para contemplar a vida da cidade santa. E nisto utilizam-se dos gestos e atitudes dos transeuntes para aprofundar a necessária catequese sobre os valores do Reino. Através do filtro do coração de Jesus são apresentados dois modelos ou formas de cultuar a Deus e render louvores a sua providência. De um lado da balança estão os escribas, tidos como modelo de fiel judaico, com suas vestes garbosas, ritos solenes, doações e sacrifícios minuciosos, todavia perdidos na teatralidade demagógica dos rituais vazios advindos de corações ressequidos pela autossuficiência e ganância. Do outro lado, uma pobre e anônima viúva, que “esperando contra toda esperança” (Rm. 4,18) permanece com o coração imerso em generosidade, despojando-se de si mesma, e insistindo em confiar em Deus. Aquela mulher, invisível seja para os transeuntes apressados, seja para os soberbos que buscam visibilidade enquanto fingem rezar, foi contemplada por Deus, no céu e na terra, e proclamada como autêntico modelo de fé. Lembremos que no caminho à Jerusalém Jesus convida um homem rico a segui-lo e este como medo de renunciar a todo seu supérfluo, recusa o convite e vai embora, triste (Mc. 10,17-22). E agora dentro da cidade, de modo discreto, uma mulher viúva, pobre e desamparada (imagem de Israel quando foi encontrado por Deus no Egito) oferece a Deus no templo, não um acúmulo frívolo, mas tudo o que possuía para viver.

Ao lado dos fariseus e saduceus, os escribas imperavam como líderes religiosos. Seus grupos rivalizam-se entre si a ponto de não importar a verdade da Escritura, mas sim manter a autoridade de sua categoria. Infelizmente muitas vezes, nós, discípulos atuais, também agimos assim. Cada vez mais, nas redes sociais, esfacelamos e despedaçamos a Igreja como um espólio que deve ser dividido, devorado e tomado como posse entre conservadores e modernos. Isto quando não o fazemos também em âmbito paroquial competindo para saber quem possui a verdadeira espiritualidade ou quem manda mais: carismáticos ou CEBs, catequistas ou liturgos, leigos ou sacerdotes […]. E enquanto fazemos isto, provavelmente a “pobre viúva” está a passar novamente, ante nossos olhos cegos pela soberba, em direção ao sacrário para oferecer, como Jesus Cristo, sua vida a Deus Pai, pela salvação do mundo.

Em tempo de encerramento do Sínodo sobre a Sinodalidade, e de Ano de Oração em preparação para o Ano Santo Jubilar, rezemos para que nossas ações eclesiais, mas do que refletir ou ecoar a vontade de nosso grupo eclesial, movimento, pastoral ou associação, seja manifestação desta mesma atitude de humildade, generosidade, total confiança e amor verdadeiro.

Pe. Paulo Sergio Silva

Diocese de Crato.

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