A VERDADEIRA GRANDEZA ESTÁ EM SERVIR
“Se alguém quiser ser o primeiro, seja o último de todos, o servo de todos.” (Mc.9,35)
A liturgia deste Domingo, para nos ajudar a progredir no seguimento de Jesus Cristo, apresenta duas maneiras de enxergar e conduzir a existência humana: a “sabedoria do mundo” (poder, dominação) e a “sabedoria de Deus” (caridade e serviço).
Na primeira leitura (Sb.2,12.17-20), somos apresentados ao Livro da Sabedoria[1]. No ambiente da Diáspora, surge um confronto cultural entre os judeus e os pagãos gregos que transmigra para dimensão religiosa. Os filósofos buscam mostrar a superioridade da cultura grega, apontando os preceitos judaicos como insensatos e convidando os judeus dispersos a se “modernizar” aderindo aos valores da sociedade grega. O escritor sagrado revela então que os ímpios são todos aqueles que zombam dos costumes e valores religiosos, buscando perverter o coração humano fazendo enxergar uma vida materialista, corrupta e imoral como um caminho digno de aplausos. Deste modo se apresenta a difícil convivência entre aqueles que escolheram a lógica da dominação e os que escolherem servir aos planos de Deus. A atitude de obediência vivida pelo justo envergonha e inquieta a quem escolheu o caminho do mal. O modo de viver da pessoa justa revela a falsidade de vida dos injustos, tornando-se uma denúncia, pois o Serviço, a Coerência, a Honestidade, Humildade e a Fidelidade do justo se tornam espinhos que ferem a prepotência e ganância do malvado e impedem que sua consciência tenha paz. Assim, a figura do justo, perseguido e ameaçado por fazer o bem, se torna o anúncio da paixão de Jesus Cristo e nos ensina que viver a vontade de Deus trará perseguição ao invés de prestígio e poder humanos.
Na segunda leitura (Tg. 3,16-4,3), São Tiago convida os cristãos a viver segundo a “sabedoria de Deus”, e fugir da “sabedoria do mundo”. Para ajudar na escolha que guiará nosso coração, ele apresenta os frutos de cada sabedoria. Pureza, modéstia, paz, mansidão, justiça e misericórdia são os frutos da sabedoria que vem do alto. Violência, divisões, conflitos, inveja, guerras, infelicidade, morte são os frutos da sabedoria do mundo. O próprio Jesus Cristo já havia afirmado: “Pelos frutos os conhecereis” (Cf: Mt. 7, 15-19). O que estamos cultivando e colhendo em nossa vida? Os frutos que buscamos revelam se estamos verdadeiramente seguindo Jesus Cristo e colaborando na sua missão redentora.
O Evangelho de hoje (Mc.9,30-37), nos coloca dentro dos acontecimentos que sucederam o primeiro anúncio da Paixão. Diante da apreensão manifestada por Pedro – fruto da sua incompreensão da verdadeira missão do Messias – Jesus percebe que tanto o anúncio como a catequese a respeito da paixão não produziram o fruto desejado. Consciente da clareza que deveria ter para os discípulos a respeito do término de sua missão e das consequências que incidiriam na vida de cada um deles, o Mestre então faz uma pausa na atividade missionária, aproveita um raro momento em que caminhava a sós com eles pela região de Cesaréia e realiza o segundo anúncio da Paixão.
Os discípulos estão apegados aos projetos pessoais de poder e não aceitam um Messias sofredor, porque desejam um líder poderoso e guerreiro. Enquanto Jesus Cristo fala da sua paixão, morte e ressurreição, eles discutem sobre quem é o mais importante dentre eles. Como todo agrupamento humano, a sociedade judaica criou uma hierarquização que confundia o valor da dignidade da pessoa (essência) com o cargo ou posto que ela ocupava. Fosse nas celebrações ou nos banquetes, as pessoas acabavam ordenadas como as peças de um xadrez e macular esta ordem poderia causar constrangimentos e conflitos por ferir o protocolo. Esta lógica entrou na cabeça e no coração dos discípulos. Em outras ocasiões, Jesus baterá de frente com este “modus operandi[2]” (Cf: Lc. 14,7-11 – A parábolas dos primeiros lugares. Mt. 23,6 – Crítica a atitude reprovável dos fariseus).
E sim. A conduta dos discípulos não é muito diferente da nossa quando perdemos força, vida e tempo discutindo sobre quem “deve dar as ordens na comunidade”, quem manda na festa do padroeiro, quem fala mais alto na paróquia, etc. Santa Terezinha do Menino Jesus, conta um episódio de quando fora nomeada para colaborar na formação das aspirantes que ingressavam no Carmelo. Ela narra que aos poucos percebeu que no grupo de jovens aspirante havia nascido um espírito de competição. Quem rezava mais? Quem cantava melhor? Quem era mais disciplinada? Certa tarde ela reuniu todas e apontou para última cadeira no coro onde rezavam e disse: “Demos as mãos e vamos correndo para o último lugar… ninguém o vai disputar conosco” (Carta 243). Mesmo que não seja ainda o Céu ou o Reino, a Igreja é semente, sinal destas duas realidades. Lembremos que no céu não haverá lugar marcados. Todos estaremos diante do Senhor.
A atitude de Jesus ao acolher e abraçar uma criança, revela para eles e para nós, que só há lugar na comunidade cristã para quem escuta e aceita os planos de Deus e decide fazer da vida um serviço aos irmãos, principalmente aos fragilizados, aos pequenos, aos pobres. É preciso compreender que na comunidade de Jesus, no Reino de Deus, ser grande, não significa ter poder ou dominar os outros, mas acolher, amar e servir aos pequenos, que o mundo rejeita, persegue e abandona. Acolher, com afeto e ações concretas, essas pessoas que não tem voz e nem vez é acolher a Ele mesmo e ao Pai, que O enviou para consumar nossa salvação.

Pe. Paulo Sérgio Silva.
Diocese de Crato.
[1] Este livro faz parte do conjunto chamado “Deuterocacônicos”. O conjunto é composto por: Tobias, Judite, Sabedoria, Baruc, Eclesiástico (Sirácida), I Macabeus e II Macabeus. São livros inspirados e escritos no período da Diáspora e que por isto não foram incluídos no cânon da Bíblia Judaica e de algumas confissões cristãs.
[2] Modus operandi (plural: modi operandi): trata-se de uma expressão latina que significa “modo de operação”. É utilizada para designar uma maneira de agir, realizar ou executar uma atividade que deve geralmente os mesmos procedimentos em todas as suas ocorrências.





