A PLENITUDE DA LEI É O AMOR
“O que torna o homem impuro não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior.” (Mc.7,15)
Eis que iniciamos o mês de setembro. Neste ano de 2024, o então mês temático da Bíblia será dedicado ao estudo e meditação do Livro do Profeta Ezequiel, tendo como lema: “Porei em vós o meu Espírito e vivereis.” (Ez. 37,14). Nas palavras do Dom Leomar Brustolim (Arcebispo de Santa Maria e presidente da Comissão para a Animação Bíblico-Catequética da CNBB) quando “cada comunidade, a seu modo, se une às outras no propósito comum de tornar a Palavra de Deus conhecida, rezada, meditada e, principalmente, anunciada pelo testemunho autêntico de tantos fiéis comprometidos e encantados pela Escritura”, elas se tornam expressão de sinodalidade. Guiados pelo testemunho de Jesus no evangelho de hoje, aproveitemos a centralidade da Palavra de Deus para fortalecer e amadurecer a fé enquanto buscamos transmitir, na comunidade, a fé cristã a crianças, jovens e adultos não apenas através do anúncio de uma doutrina, mas também do encontro pessoal com Jesus Cristo cuja lei e doutrina maior é a Caridade.
A primeira leitura (Dt. 4,1-2.6-8) nos ensina que Deus em sua sabedoria para evitar que a humanidade se autodestrua na imundície e selvageria do mal e do pecado, propôs-lhe a sua “Lei” como caminho que pode ajudar o ser humano a alcançar a vida plena. Seguir as orientações de Deus faz com que o povo de Israel se torne sábio e capaz de testemunhar os prodígios do Senhor a todos os povos. Todavia, é preciso entender que a salvação não é fruto da mera observação mecânica dos mandamentos. A doutrina perde o sentido quando se torna prática vazia que não conduz a conversão e ao compromisso para com o amor a Deus e aos irmãos. O seu Povo deve acolher a Palavra de Deus e se deixe guiar por ela pela misericórdia presente nela.
A segunda leitura (Tg.1,17-18.21-22.27) aprofunda a reflexão sobre a necessidade de escutar e acolher a Palavra de Deus. No entanto, reforça que essa Palavra uma vez escutada e acolhida no coração, deve frutificar em um compromisso de amor e de fraternidade para com todo os seres humanos. O autor, São Tiago, é claro e direto nos apresentando o caminho que Jesus irá indicar no evangelho: “sede praticantes da Palavra e não meros ouvintes, enganando-vos vós mesmos.”
No Evangelho (Mc. 7,1-8.14-15.21-23), somos apresentados a mais um momento de controvérsia dos líderes religiosos em oposição a Jesus. Longe de se subtrair da polêmica, Jesus aproveita para fazer do episódio uma tentativa de catequizar os grupos que ainda não tinham compreendido sua missão messiânica. Muitos (como os fariseus e mestres da lei) se perderam no cumprimento superficial da Lei, enxergando-a como a Salvação, e esqueceram que a lei é apenas um caminho para alcançar a conversão e adesão ao plano de salvação de Deus.
Como podemos perceber, tanto os fariseus quantos os escribas eram presença constante nas cidades e povoados por onde Jesus passava. Seus ensinamentos não estavam totalmente errados. O modo como eles buscavam despertar no povo o zelo e o amor pela Torá, foi inclusive elogiado por Jesus. Todavia, sua observância escrupulosa e fundamentalista impedia de compreender a essência da Lei. A respeito disto Jesus afirmará: “Portanto, tudo o que eles vos disserem, fazei e observai, mas não imiteis suas ações, pois eles falam e não fazem.” (Cf: Mt. 23, 3)
É preciso entender que Jesus não está negando a importância da Lei, mas tentando lhe dar pleno cumprimento (cf: Mt. 5, 17-20). De nada adianta a preocupação com a pureza externa através de ritos higiênicos se não cuidarmos da nossa consciência e do nosso coração. Afinal, é do interior humano que surgem os maus pensamentos, intenções perversas, corrupção, prostituições, roubos, homicídios, adultérios, maus desejos, perversidades etc.
Na ótica do Reino de Deus, a verdadeira religião não está centralizada no cumprimento rigoroso e detalhista das leis, mas num caminho de conversão que conduza a humanidade à comunhão de amor com Deus e com os irmãos. Os fariseus eram observadores minuciosos dos ritos e os mestres da lei eram profundos conhecedores das Escrituras, mas agiam assim com desejos de autossuficiência e com a intenção de julgar e condenar aqueles que segundo eles, feriam a lei.
Na nossa sociedade atual percebemos um grande número de cristãos ostentando a soberba de terem profundo conhecimento das leis doutrinárias, mas com o coração vazio de caridade. Assim, tal qual aconteceu com os fariseus e escribas, o conhecimento da doutrina que poderia ajudar a estes cristãos mesmos e a outras pessoas, deixou de ser um caminho do serviço para se tornar uma espécie de tribunal inquisidor. A finalidade da nossa experiência religiosa não é cumprir minuciosamente as leis, achando com isto que somos superiores ao resto da humanidade ou que nos tornamos merecedores do céu por direito de posse. O discípulo deve viver sua prática religiosa com sinceridade diante de Deus, humildade e amor para com os outros e não viver de forma legalista, fundamentalista e autossuficiente.
Na sua vida Jesus soube viver o verdadeiro significado da Lei e seu conhecimento da doutrina presente nas Escrituras conduziu sua vida de serviço e caridade até a doação máxima na cruz. Por isto, seu modo de viver tornou-se o nosso modelo para aprofundar a nossa comunhão com Deus e com os outros seres humanos.

Pe. Paulo Sérgio Silva.
Diocese de Crato.




