HOMILIA DO 25° DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO A

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O REINO DE DEUS É GRAÇA E GENEROSIDADE

“Meus pensamentos não são como os vossos, e vossos caminhos não são como os meus caminhos, diz o Senhor.” (Is. 55,8)

A liturgia da Palavra deste domingo convida-nos a adentrar no coração amoroso de Deus afim de compreendermos que os caminhos e pensamentos divinos estão acima dos caminhos e pensamentos humanos. Em vista disto, os fiéis devem renunciar aos planos e a lógica egoísta e materialista do mundo e se quiserem partilhar o Reino de Deus.

            O trecho retirado de evangelho de Mateus narra uma “parábola do Reino” através da qual Jesus catequiza os discípulos para que eles compreendam a realidade do Reino e se tornem capazes de testemunhá-lo (Mt.20,1-6a). Apresentando o agir de Deus através da imagem de um patrão que age com generosidade com todos os trabalhadores independente do horário que chegaram ao trabalho, o Mestre lembra aos discípulos que seu Pai convida à salvação todos os seres humanos, sem levar em conta a origem étnica, o tempo de acolhida da fé, os seus méritos, suas qualidades ou seus erros cometidos no passado. A Deus interessa apenas a decisão e convicção com que se acolhe o seu convite. Independentemente do nosso passado, Cristo pede-nos uma transformação da nossa mentalidade, uma conversão pastoral, pessoal, eclesial e comunitária, de modo que a nossa relação com Deus não seja marcada por interesse em recompensas, mas pelo amor e pela gratuidade.

            A parábola serve para denunciar a concepção errada que alguns possuíam de Deus e da salvação. Os fariseus, por exemplo, enxergavam Deus como um patrão que pagava as ações do ser humano. Se o homem cumprisse escrupulosamente a Lei, conquistaria determinados méritos e Deus lhe pagaria uma recompensa. (cf: parábola do fariseu e do publicano, Lc. 18,9-14) Segundo esta imagem, Deus não dá nada, é o homem que conquista tudo por próprio mérito. Esta concepção errada da fé pode conduzir inclusive a heresia do pelagianismo[1] que negava a ação benevolente da Graça e colocava o ser humano como protagonista exclusivo da própria salvação. Assim, Deus se torna uma espécie de comerciante, que todos os dias aponta no seu livro de registros, as dívidas e os créditos do homem, que no final de semana faz as contas, vê os dias trabalhados e entrega a recompensa ou aplica um castigo. No entanto, o Deus Pai que Jesus conhece e cuja misericórdia é refletida no agir de Jesus, não é um contador, com calculadora ou lápis na mão fazendo as contas da humanidade para lhes pagar conforme os seus merecimentos. Ele é um pai, cheio de bondade e compaixão, que ama todos os seus filhos igualmente e que derrama sobre todos, sem excepção, a superabundância do seu Amor.

            Por isto, na primeira leitura (Is.55,6-9) encontramos o profeta Isaías, que cumprindo a sua missão profética entre os exilados da Babilônia, procura consolar sua fé e manter acesa a chama da esperança no meio de um povo amargurado, desiludido e decepcionado. O povo de Israel, ao longo de 70 anos de sofrimento no cativeiro babilônico, tomou consciência das suas falhas e infidelidades, e descobriu que viver longe de Deus não conduz à felicidade. O convite do profeta é, portanto, para um recomeço. Assim como o povo de Israel depois do exílio, somos todos convidados a converter-nos. Devemos deixar o passado para trás e ouvir decididos o convite “para trabalhar na vinha” e prontamente responder com convicção.

            A segunda leitura (Fl. 1,20c-24.27a) nos apresenta o exemplo do Apóstolo Paulo. Ele não estava entre os primeiros discípulos. Ele se quer conheceu Jesus no período da missão. Foi encontrado por Cristo no caminho de Damasco, ouviu o convite e deixando o passado para trás iniciou sua missão para levar a proclamação do Evangelho até os confins da terra. São Paulo transformou Jesus Cristo no centro de sua nova caminhada. Deixou sua vida de perseguidor e tornou-se arauto, anunciador da misericórdia de Deus. Paulo foi inclusive muito perseguido e rejeitado por escrupulosos que afirmavam que ele não era verdadeiro Apóstolo porque não conheceu Jesus Cristo no período da sua Paixão, Morte e Ressurreição.  Nos deve cativar e espantar a centralidade de Cristo na vida de Paulo. Mas não apenas deve nos admirar, isto deve-nos levar a viver do mesmo modo. Falo novamente aqui de nossa tendência a esquecer o que é essencial e se fixar no que é secundário, mesmo que este secundário seja importante. É mais relevante falar de Cristo e do seu Evangelho do que saber decorado todo o Código de Direito Canônico. É mais notável testemunhar Cristo e os seus valores do que falar da hierarquia da Igreja. É mais valoroso anunciar Cristo e a sua proposta de Reino do que debater questões de disciplina. Direito Canônico, Disciplina, Hierarquia devem servir para aproximar. São meios para anunciar Jesus Cristo, não cercas ou grades para separar. Assim, devemos nos perguntar: Cristo está, verdadeiramente, no centro do anúncio que realizamos em nossas ações eclesiais aos seres humanos do nosso tempo?

            Meus irmãos e irmãs com os quais tenho a graça de compartilhar a mesma fé, a parábola nos lembra assim, que todos têm lugar no Reino de Deus e na Igreja. No entanto, todos terão a mesma dignidade e importância? Jesus, no seu modo de ser e agir, garante inegavelmente que sim! Não existem trabalhadores (discípulos missionários) mais importantes do que outros. Seu Reino não possui trabalhadores de primeira e de segunda classe. O que existe são homens e mulheres das mais diversas idades que aceitaram o convite do Senhor (infância, adolescência, adulto, idoso, não interessa) e foram servir na sua vinha.

            As parábolas do Reino são um tremor desconcertante que abala a estrutura dos nossos pensamentos interesseiros. Em tempos de uma sociedade narcisista, egocêntrica e enraizada na falsa meritocracia, contemplar a benevolência de Deus que acolhe e aceita todos que estão dispostos a deixar sua vida passada para trás e viver no seu Reino, trará algumas dificuldades para nossa consciência baseada em interesses e recompensas.

            A partir da lógica da misericórdia de Deus, que sentido que faz as atitudes de quem se sente dono da comunidade porque está nela há mais tempo do que os outros? Exemplo concreto: ao longo destes dez anos de ministério convivi muito com o serviço denominado ECC. Se trata de um importante serviço evangelizador das famílias e pelo qual tenho muito carinho. Todavia, sua pedagogia muitas vezes jaz sem eficácia porque alguns casais permanecem com o mesmo pensamento dos primeiros trabalhadores que foram chamados na parábola. Ouvi muitas vezes em reuniões: “Eu estou há 12 anos no ECC. Tenho mais direito”. E esta mesma atitude repercute, se repete, nas coordenações de capela comunitárias, nas pastorais e movimentos, etc.

Encontramos cristãos que não entendem como Deus ama, aceita e convida a todos a se aproximar da sua infinita e inesgotável misericórdia. Pessoas que estão engessadas na mesma atitude do filho que não aceita o irmão que gastou a herança e volta para casa machucado e faminto (Lc. 15,11-32). igualmente os primeiros trabalhadores da parábola de hoje ou o irmão mais velho da parábola do Filho Pródigo, muitas vezes nos sentimos injustiçados porque alguém que passou a vida longe de Deus agora faz parte da Igreja ou de nossa comunidade local. E o resultado disto é que nos tornamos invejosos e condenamos a lógica de misericórdia. Às vezes, nós nos achamos no direito de censurar Deus e sua compaixão benevolente por causa da dureza de nosso coração. Queremos impor a nossa frieza e indiferença, fruto do pecado, acima da compaixão infinita de Deus. Esquecemos que somos nós que fomos feitos a imagem e semelhança de Deus e queremos impor nossa imagem fria, débil, quebrada pelo pecado e amargurada sobre Ele.

            Na comunidade cristã, no Reino de Jesus, a idade, o tempo de serviço, a cor da pele, a quantidade de moedas que trazemos no bolso, a posição social ou hierárquica, não servem para oferecer privilégios ou tornar superior aos outros irmãos. Embora tenhamos missões e funções diversas devido as necessidades da evangelização, todos são iguais em dignidade e todos devem ser acolhidos, amados e considerados da mesma forma. Contemplemos a vocação do Apóstolo Paulo que acabamos de ouvir na segunda leitura. Quem é São Paulo senão um destes trabalhadores que chegaram atrasados ao trabalho na parábola? E este “trabalhador tardio” se tornou o maior missionário evangelizador de todos os tempos!!! Alguém que conheceu Jesus Cristo no “horário da tarde” foi o responsável por levar o Evangelho aos confins da terra e se tornou o “doutor das Nações”.

             O que importa é que o quanto antes ouvirmos o chamado, o quanto antes abandonarmos a vida passada, o quanto antes nos convertermos, mais tempo seremos felizes na vinha do Senhor e saborearemos a presença de Deus que é a verdadeira recompensa que deveríamos buscar tenazmente.

Oremos: Ó Deus de bondade, sempre disposto a convidar a humanidade a conversão. Abre os nossos olhos, as nossas mãos e os nossos corações, Senhor de infinita ternura, ensina-nos, pelo teu Espírito, a acolher a todos que querem servir no anúncio do Teu Reino. Amém.

Pe. Paulo Sérgio Silva.

Paróquia Nossa Senhora da Conceição – Farias Brito.

[1] O Pelagianismo trata-se de uma heresia iniciada por um monge da Bretanha, chamado Pelágio. Ele afirmava que a Graça de Deus não era necessária para que o homem realizasse atos de virtude. Cristo morreu na cruz e deu o exemplo. A heresia induzia ao grave erro de negar a necessidade de Deus para nossa salvação.

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