O REINO DOS CÉUS É GRAÇA, PACIÊNCIA E MISERICÓRDIA
“Naquele tempo, Jesus contou outra parábola à multidão: ‘o Reino dos Céus é como’…” (Mt. 13,24)
A liturgia deste Domingo permanece buscando revelar a essência do Reino dos Céus através da pedagogia de Jesus Cristo em suas inigualáveis parábolas. Seus ensinamentos são um convite a descobrir o coração de Deus. Esta descoberta nos revela um Deus paciente e cheio de misericórdia, que ao invés de sentir prazer na condenação do pecador, anseia que ele se torne parte da comunidade do “Reino”. Esta atitude divina deve ser o modelo para as nossas ações missionárias ao onde quer que estejamos.
Na primeira leitura (Sb. 12,13.16-19) meditamos um trecho do Livro da Sabedoria, obra sagrada na qual o autor, unindo a filosofia grega com a teologia judaica, revela que a verdadeira sabedoria que leva o ser humano a plenitude se encontra no Deus de Israel. Mais do que uma vã preocupação em mostrar a superioridade de Israel em relação aos outros povos, o que percebemos neste trecho é um reconhecimento da misericórdia divina que é oferecida como salvação universal. Diante da complacência que Deus demonstra tanto para com seu Povo Eleito, como também com os povos pagãos, o autor reconhece que a compaixão, paciência e bondade de Deus são apenas a outra face de sua insondável e misteriosa Justiça.
Antes de se tornar sinônimo de aplicação irrestrita da Lei e rigidez, a justiça no Antigo Testamento significava fidelidade a própria essência. E se a essência divina é benevolência e amor, Ele somente pode usar de misericórdia e compaixão para com todos os seres humanos. Deste modo, Israel compreende que assim como Deus, eles devem ser mais condescendentes, indulgentes e misericordiosos com os povos que os rodeiam e praticar o bem não apenas com seus familiares, mas até mesmo com os que praticam o mal.
Na segunda leitura (Rm. 8,26-27) depois de apresentar a “vida segundo o Espírito” como único caminho capaz de fazer o ser humano encontrar a salvação, dom gratuito do amor divino, São Paulo apresenta o Espírito Santo como o nosso “intérprete” junto a Deus. Diante da dificuldade humana em discernir as reais e essenciais necessidades de nossa existência, o Espírito vem em auxílio da nossa fragilidade, guiando-nos no caminho para a vida plena. À luz das parábolas que podem possuir misteriosos significados devido ao uso pedagógico das imagens, compreendemos que Ele, o Espírito Santo, pode mediar nosso diálogo e ajudar a compreender o verdadeiro significado dos ensinamentos de Jesus Cristo, para assim vivermos conforme o plano de salvação divino.
Ao longo destes últimos domingos temos sido guiados pelo capítulo 13 do Evangelho segundo Mateus. No referido capítulo, o evangelista apresenta um conjunto de sete parábolas que por terem como propósito revelar a inegável novidade do Reino dos Céus, são chamadas de “as parábolas do Reino”. Nestas parábolas bem como nas explicações que as acompanham, Mateus desvela o coração de um Pastor que de modo paciente e até insistente, procura exortar, animar, ensinar com amor e fortalecer a fé daqueles aos quais o Evangelho se destina.
O Evangelho (Mt 13,24-43) de hoje nos apresenta três destas parábolas que, com sua riqueza de imagens, nos revelam a gratuidade e irresistível força transformadora do Reino. Nelas, aqueles que permanecem seguindo Jesus e se colocam como missionários construtores do Reino, vão aos poucos compreendendo que para que este Reino aconteça, se faz “justo e necessário” colocar em prática três atitudes: ter a paciência de Deus, saber acolher a todos e deixar que no tempo oportuno, a justiça/misericórdia aja conforme seus insondáveis desígnios. Esse modo de viver nos vem pela sabedoria divina, fruto do Espírito que habita em nós, auxiliando-nos em nossa fragilidade humana e fazendo nossa vontade se conformar ao seu projeto salvífico (Rm. 8,26). Em suma, as três parábolas de hoje – o joio e o trigo, o grão de mostarda e o fermento – falam-nos do mistério do Reino dos Céus, que, em sua amplitude e força transformadora, acolhe a todos, sejam eles, bons ou maus, e na pedagogia da paciência divina espera o surgimento da verdadeira conversão como um agricultor espera colher trigo da sua lavoura.
O Reino dos Céus não é um clube de elite preparado para aqueles que cumprindo cegamente normais morais acham que isto lhes dará o direito de invadir o céu com corações desumanos, frios e inclementes. Como os fariseus do tempo de Jesus, aqueles que já se consideram perfeitos, bons, justos e irrepreensíveis muitas vezes sentem satisfação em repartir a humanidade em grupos de pessoas boas e más, anulando a possibilidade da conversão pela graça. Quando percebem que Deus não realiza julgamentos automáticos e decisivos, chegam a acusar Deus de injustiça ou conveniência com o pecador. No Reino apresentado por Jesus Cristo, todos – bons e maus – desde que estejam dispostos a caminhar pela estrada da conversão, encontram a possibilidade de crescer, de amadurecer e de ser transformados pela graça, enquanto caminham na estrada da vida terrena.
A parábola do joio e do trigo nos exorta a entender que o tempo de missão na e da Igreja se trata do período de semear a Palavra e contemplar seu crescimento no coração. Neste período todos convivem – justos e injustos, puros e pecadores – juntos. Realizar a separação entre quem é verdadeiramente “bom e mau” é algo que somente Deus pode e faz no seu “tempo” divino. Como a parábola nos ensina, não cabe a nós decidir quem entra e quem sai, Ele que perscruta o coração humano, poderá, no último dia, separar o joio do trigo. É a misteriosa, infinita, insondável e livre paciência de Deus. Vemos isto concretamente no ministério de Jesus Cristo. Ele conviveu com pessoas pecadoras e excluídas que a autoridades religiosas já haviam abandonado por considerá-las condenadas e abomináveis. O coração de Jesus nos ensina que o que guia e orienta o coração do Pai é a misericórdia e a paciência, nunca a exclusão ou segregação, pois é um Deus “compassivo e clemente, lento para a ira e rico em misericórdia” (Sl. 103,8; Ef. 2,1-5).
As duas outras parábolas, mesmo apresentando elementos e imagens diversas, possuem o mesmo propósito e anseio: revelar a gratuidade e força transformadora da graça do Reino. O diminuto e ínfimo grão de mostarda é capaz de se tornar uma volumosa árvore que oferece abrigo e alimento; o fermento mesmo em uma pequena porção é capaz de transformar a massa onde é colocado. Quem pode poderia imaginar que uma comunidade formada por um carpinteiro peregrino e doze homens simples poderiam se tornar a comunidade de salvação que age como força do Reino dos Céus? Com estas parábolas, Jesus ensina àqueles que teimavam em não acreditar no Evangelho que o Reino acontece sempre de modo misterioso e sucinto, mas que se trata inegavelmente de uma realidade irresistível e irreversível, ou seja, ainda que demore, nada nem ninguém poderá impedir o Reino dos Céus de acontecer e se plenificar, pois pela Cruz e Ressurreição, nos foi revelado que sem dúvida alguma, esta é a vontade do Pai.
Compreender a pedagogia da construção do Reino dos Céus bem como a paciência divina é de suma importância para nós que desejamos fazer parte desta comunidade de salvação. Em nossa sociedade atual, nossa vida foi incorporada a dinâmica alucinante da rapidez dos meios de comunicação e da tecnologia. Assim, somos empurrados a viver com esta pressa psicológica que nos impulsiona a passar pela estrada da vida sem ter tempo para contemplar a estrada; correr pela vida ao invés de vivê-la. As exigências da vida profissional, os problemas familiares, os desencontros ao longo do dia, nos tornam sempre ocupados, cansados espiritual e mentalmente e sobrecarregados com o peso do pecado e do stress. Compreender que o Reino dos Céus cresce e alcançará seu propósito utilizando-se de uma pedagogia leve, suave e redentora (Mt. 11,28-30), nos ajudará a redirecionar o caminho de nossa vida bem como discernir as verdadeiras prioridades que podem nos auxiliar na vivência deste Reino.
Se tivemos a coragem de acreditar e nos entregarmos sem reservas ao amor de Deus, então este pequeno grão de mostarda, esta pequena porção de fermento, haverá de transformar nosso coração em um lugar onde todos que buscam a Deus encontrarão abrigo para descansar e recomeçar a caminhada para a vida eterna.
Pe. Paulo Sérgio Silva.
Paróquia Nossa Senhora da Conceição – Farias Brito




