O EVANGELHO É JUGO SUAVE E FARDO LEVE
“Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso de vossos fardos, e eu vos darei descanso.” (Mt. 11, 28)
A liturgia deste domingo nos revela a insistência de Deus em nos buscar. Mesmo diante de nossa constante recusa e rejeição, Ele permanece repetindo: “vinde a Mim!”. Seu amor é gratuito e incondicional, basta que aceitemos sua presença em nossa vida e nos deixemos conduzir pela suavidade de seu amor.
Na primeira leitura (Zc. 9,9-10) situado na sociedade israelita depois do exílio e sob influência da cultura helênica, o livro do profeta Zacarias possui um forte apelo a espiritualidade messiânica. Tanto que o Messias é apresentado sob diferentes formas e anseios: como rei, como pastor e como servo do Senhor. O oráculo que meditamos anuncia o Messias como a intervenção definitiva de Deus em favor do seu Povo. Nesta mensagem é descrita uma cidade jubilosa por acolher o cortejo de retorno do seu rei vitorioso. Se trata de um cortejo de vitória, mas sem as pompas e exibições das cortes imperiais. Pelo contrário, sua entrada na cidade é feita de modo singelo, humilde e pacífico. O cavalo de guerra – que simboliza força, poder e violência – que deveria ser usado como montaria para o rei, cede seu lugar para o jumentinho – que simboliza mansidão, serviço, humildade. Este rei pacífico e dócil, sem fazer uso das forças da agressividade, porá fim as guerras, destruindo seus instrumentos de morte. Ele iniciará a paz universal que se estenderá até os confins do universo. A história da salvação ao longo das eras revelou, inúmeras vezes, que é através dos pequenos, dos humildes, dos pobres, dos insignificantes que Deus realiza sua vontade salvífica. As primeiras comunidades cristãs enxergaram na descrição deste cortejo e deste rei o anúncio da entrada de Jesus Cristo em Jerusalém. No Evangelho de hoje, Jesus deixa de lado a rigidez normativa da lei para convidar a humanidade que sufoca sob o peso dos pecados, a viver a simplicidade do amor.
Na segunda leitura (Rm. 8,9.11-13), continuamos acompanhando a catequese do apóstolo Paulo que em sua maturidade missionária tenta despertar os cristãos vindos do judaísmo e do paganismo para viver sob o senhorio de Cristo e sem as divisões culturais. A salvação que é dom divino e gratuito oferecido a toda a humanidade, chega até nós através de Jesus Cristo e atua em nossa vida pelo Espírito Santo. Cabe a cada um aceitar livremente viver esta realidade salvífica. Aqui, são Paulo faz novamente uso de suas famosas analogias de oposição: O Espírito e a Carne. Viver segundo a carne é viver afastado de Deus e fechado a sua Graça; construindo projetos de egoísmo e distantes dos valores do Reino. Insistir em tais projetos apenas produzirá morte e destruição. Viver segundo o Espírito é viver em permanente atitude de escuta a Palavra, abertura e obediência aos projetos divinos e na doação da própria vida como ensinou e viveu Jesus Cristo.
No Evangelho (Mt 11,25-30) depois de completar sua catequese formativa no “discurso da Missão” e enviar os discípulos para pôr em prática os valores do Reino anunciando a Boa Nova, Mateus nos coloca diante de Jesus ouvindo as partilhas dos discípulos que retornam da missão com as impressões e reações daqueles que ouviram o anúncio. O Mestre percebe que os habitantes das grandes regiões e cidades estão cheios das próprias verdades e se negam a abrir o coração para a Verdade salvífica do Reino dos Céus. O Evangelho foi anunciado e rejeitado. As sementes foram lançadas, mas os diferentes tipos de terreno não permitiram que elas nascessem e crescessem (Mt. 13,1-8; Mc. 3,3-9; Lc. 8,4-8).
O trecho que nos é proposto revela que Jesus sabe que o Evangelho rejeitado pelos poderosos, egocêntricos e autossuficientes, será acolhido pelos pequenos e considerados invisíveis e insignificantes; a semente lançada em terra fecunda dará fruto em abundância.
A catequese de hoje é dividida em três partes. As duas primeiras reflexões são complementares. Na primeira, Jesus louva ao Pai por esconder sua sabedoria daqueles que pensam já ser sábios e inteligentes e, portanto, pensam que não necessitam de nada nem de ninguém. Na segunda, repete a ação de graças por Deus não esquecer dos pequenos e desamparados que são solícitos aos apelos divinos. Estes “sábios e inteligentes” mencionados por Jesus possivelmente são os fariseus, escribas e mestres da lei que ao fecharem-se na observação escrupulosa e obcecada da doutrina tornavam a Lei fonte única e absoluta da salvação. Os pequenos, são primeiramente os próprios discípulos, eles próprios pessoas vindas da simplicidade e depois também os excluídos (publicanos, prostitutas, doentes, órfãos, viúvas, etc.); aqueles que Jesus encontrava pelos caminhos tortuosos e empoeirados da Galileia e que eram considerados amaldiçoados pelos “sábios e inteligentes” por não conhecerem a Lei em sua vastidão.
Nestas afirmações Jesus Cristo deixa claro que a verdadeira sabedoria do Reino não é mero acúmulo de conhecimento intelectual que adentra pelos olhos, alcança a razão, mas não penetra e nem transforma o coração. A sabedoria elogiada por Jesus é fruto de uma experiência de intimidade com Deus. Assim como alguns cristãos extremistas, os mestres da lei, fariseus, escribas enxergavam o conhecimento da lei como sinônimo de conhecimento da vontade de Deus. Achavam que por conhecê-la já tinham livre acesso a salvação e eram os “donos” dos projetos de Deus. Por isto, não abriram o coração para acolher o Verbo de Deus; e ao se fecharem as propostas do Evangelho, se negaram a acolher Jesus e não aprenderam a viver em comunhão com Deus e com seu projeto libertador e salvífico.
A Lei considerada norma absoluta da vida dificultava demais a vivência da fé para o povo simples e iletrado. Se para alguém com conhecimento acadêmico já era difícil decorar e viver os 613 mandamentos, imaginemos como isto poderia ser causador de angústia e desolação para alguém que sequer conhecia o Decálogo… Todavia, a última afirmação de Jesus Cristo apresenta a novidade singular do Evangelho: a salvação como dom gratuito e incondicional para todos que aceitarem viver o projeto que Deus Pai apresenta por meio do seu Filho. Se o Reino é semente lançada, todos devem recebê-la; não cabe ao semeador decidir quem deve ou pode receber; ele lança a semente confiando no mistério da Graça que trabalha dia e noite para que a semente cresça (Mt. 4, 26-28). A proposta do Reino é para todos, sem exceção: para os que pensam já ser sábios e entendidos e para aqueles que sabem que não são; aqueles que tem consciência da própria fragilidade e das feridas que o pecado impôs em suas vidas e querem a misericórdia para curar-lhes as feridas e oferecer-lhes uma vida nova. A única exigência para ter acesso a este Reino é viver segundo o Espírito Santo (Rm. 8,9.11-13), isto é, ter o coração decidido a fazer parte da comunidade dos discípulos e acolher a proposta do Reino do Pai na pessoa de Jesus Cristo.
Acolhendo a pessoa de Jesus e se fazendo seu discípulo todos passarão a ter como lei absoluta o Amor, porque conhecerão a verdade do coração de Deus. Provavelmente muitos podem presumir ser por demais arriscado ter como instância normativa da vida o amor já que vivemos numa sociedade que perdeu o sentido de tão sublime palavra. Todavia, é preciso estar atento, o parâmetro do qual estamos falando não é uma mera afetividade interesseira que muitas vezes se disfarça pretensiosamente de pura gratuidade; a norma essencial para ser discípulo e verdadeiramente humano é o Amor que se doou por nós na Cruz.
E quem ama como Jesus Cristo conhece perfeitamente a norma moral porque o amor é a plenitude da Lei (Rm. 13,10). Pois, “O sentido último de toda a norma moral é a caridade; toda a norma moral não exprime senão uma exigência da verdade do amor”. (São João Paulo II). É aqui que o fardo pesado se torna um jugo suave e leve, porque todo aquele que acolhe a proposta do Reino e se torna discípulo de Cristo tem a certeza de que está sendo mirado por um coração manso e humilde (Mc. 10,21), o mesmo coração que nos contemplará no fim dos tempos, pois no “entardecer de nossa vida, seremos julgados pelo Amor”. (São João da Cruz).
Pe. Paulo Sérgio Silva.
Paróquia Nossa Senhora da Conceição.




