“Vós sois o sal da terra […] Vós sois a luz do mundo”. (Mt. 5,13;14)
Em nossa catequese de hoje, em meio ao Sermão da Montanha, continuamos – ao lado dos discípulos contemporâneos a Jesus Cristo – nossa formação de discípulos missionários. Depois de apresentar as Bem-Aventuranças como seu projeto de vida e resumo dos valores do Reino, Jesus reforça a exigência do compromisso e testemunho para aqueles que ouviram o seu chamado, seus desafios e mesmo assim decidiram permanecer O seguindo. Ao longo destes dois milênios os discípulos dos diferentes séculos passaram, passam e passarão pela tentação de acomodar-se na falsa imagem de missão realizada e de deixar a vocação esfriar numa vivência meramente ritualística da fé com muita pompa e espetáculo, mas vazia de gestos e testemunhos concretos. Tal qual o sal que revigora o sabor dos alimentos e a luz que torna possível contemplar a beleza do mundo, a vida dos cristãos, por sua vivência concreta do Evangelho, deve oferecer para toda a humanidade um caminho de vida e santidade através da edificação do Reino.
Na primeira leitura (Is. 58,7-10) o Profeta Isaías escreve para o povo de Israel em meio a divisão instalada na vida religiosa. Na volta do exílio, Israel ficou dividido entre duas orientações que outorgavam a si mesmas a autoridade para conduzir a rebanho de Deus: os religiosos influenciados pelo sacerdote Sadoc que foi exilado e os religiosos influenciados pelo sacerdócio levítico que permaneceu atuando em Jerusalém mesmo durante o exílio da Babilônia. Em meio a esta contenda, o profeta, através do tema do jejum, levanta a questão de que o rito deve ser acompanhado por um testemunho concreto na vida cotidiana. O jejum sempre foi uma forte expressão da relação humana com Deus, pois manifesta renúncia do egoísmo e autossuficiência e confiança no amor divino (Cf: Ex. 34,28; Lv. 16,29.31; Dn. 9,3; Esd. 8,21; Est. 4,16). Todavia, o profeta denuncia que com o passar dos anos o povo perdeu a consciência religiosa do jejum e passou a praticá-lo mais como uma tentativa de “barganhar” com Deus na esperança de que seus desejos e vontades egocêntricas fossem rapidamente atendidas. Por isto, o profeta proclama que o verdadeiro jejum é aquele que é acompanhado da partilha dos bens materiais com os pobres e também de ações que promovem o fim da corrupção, da opressão, da injustiça, da violência e tudo mais que ameaça a vida e dignidade dos mais fracos. A luz de Deus não se manifesta através de quem cumpre ritos religiosos com intuitos interesseiros, mas de quem se compromete verdadeiramente com a promoção da justiça, da paz e da fraternidade. Pois a relação com Deus somente progride para a autêntica intimidade quando o ser humano pratica com os irmãos o mesmo respeito, benevolência e misericórdia que ele espera alcançar de Deus.
Na segunda leitura (1Cor. 2,1-5) continuamos acompanhando o esforço missionário do Apóstolo Paulo para reconduzir a comunidade de Corinto a verdadeira vivência da fé. Ao longo destas semanas percebemos como a referida comunidade se perdeu no caminho vocacional por querer construir sua estrada através da divisão em grupos internos que privilegiam o ensinamento de um apóstolo enquanto acabam esquecendo que a verdadeira sabedoria é Jesus crucificado. Por isto, Paulo insiste em lhes recordar os ensinamentos de sua teologia da cruz; e ao fazer isto, reafirma a gratuidade da salvação. Na comunidade existiam alguns membros que se julgavam merecedores da salvação por terem muito conhecimento racional a respeito de Deus. Utilizando a si mesmo como exemplo, o Apóstolo recorda que se apresentou a comunidade com simplicidade e confiança em Deus, mas também não deixou de manifestar suas fraquezas e temores enquanto humano. Apesar disto conseguiu fazer nascer uma comunidade cheia de fé. Assim sendo, deixando a busca por vanglórias, a comunidade deve voltar a depositar sua confiança na graça de Deus que os reconduzirá ao caminho da sabedoria do Evangelho.
No Evangelho (Mt. 5, 13-16), continuamos escutando o Sermão da Montanha, momento singular catequético, onde Jesus oferece um conjunto de ensinamentos básicos para a vida cristã. Se no domingo passado as Bem-Aventuranças foram apresentadas como a nova lei que deve conduzir o coração de sua comunidade, hoje, através da utilização de duas parábolas, Jesus busca formar o espírito missionários dos seus seguidores para evitar que eles se instalem na mediocridade de uma vida cômoda e vazia de testemunho evangélico.
A primeira analogia é sobre o Sal. Se trata do tempero mais comum a todas culturas; utilizado não apenas para conferir sabor, mas também para realizar a conservação do alimento. Logo, ele simboliza algo incorruptível e inalterável, pois transforma os alimentos, mas não é transformado por eles. Ao comparar a vida do discípulo com o sal, Jesus está ensinando que os cristãos devem se inserir na vida da sociedade para transformá-la por dentro como o sal que se dissolve no alimento, passando a fazer parte da comida e mudando seu sabor. A sua vivência dos valores do Reino irá pouco a pouco manifestar o amor como verdadeiro sabor da vida humana.
A segunda metáfora é sobre a Luz. Por princípio lógico ninguém acende uma lâmpada para mantê-la escondida ou cobri-la para impedir a propagação da sua luminosidade. Assim sendo, Jesus manifesta que não deseja que sua comunidade se torne uma espécie de clube elitista e fechada em si mesma, mas sim que seus discípulos, depois de serem formados nos valores do Reino, retornem para suas famílias e comunidades e as iluminem com o anúncio do Evangelho. Em um mundo imerso pela escuridão do pecado, o cristão que recebeu o Espírito Santo através do Batismo jamais deverá se omitir escondendo sua presença transformadora. No entanto, é preciso sempre lembrar que esta luz deve indicar o caminho que conduz a Deus, não o martelo que julga e condena. Infelizmente em nossa sociedade atual não faltam cristãos que cultuam a errônea imagem de que o anúncio do Reino deve ser feito apenas apontando os erros dos outros através da doutrina moral. E assim esquecem que o que deve servir de porta para a entrada no Reino é a proposta do cativante e redentor encontro com Jesus Cristo.
A humanidade regida por leis civis e religiosas, com mentalidade punitiva e vingativa, que impede o alvorecer da justiça, somente será transformada no Reino se os discípulos permanecerem com o sabor do Evangelho que é o amor e a luminosidade da graça divina que é a bondade. De fato, para que o discípulo possa transformar o mundo com sua existência, ele deve primeiro ter seu coração transformado de modo permanente pelo encontro com Jesus. Deste modo, sempre se faz necessário recordar o anúncio do Evangelho não como uma doutrina enrijecida que deve ser decorada e imposta goela a baixo, mas como verdade proclamada pela própria vida do cristão. Pois, se a verdade do cristão é Cristo, então é Ele que deve ser “encarnado” na sua vida diária através do serviço aos irmãos. Aparentemente com o passar os séculos esquecemos que o método mais eficaz de anúncio realizado pela Igreja na era apostólica e patrística foi primeiramente a vivência concreta do Evangelho. Foi o espírito fraterno e de comunhão que fez os pagãos almejarem se tornarem cristãos. Hoje muitos querem forçar os membros não-cristãos da sociedade a viver os valores do Reino sem que antes nós, cristãos, os vivamos. Nesta sociedade hedonista e narcisista que vivemos, se insistirmos em querer tornar a Igreja um grupo de seletos elitistas que agem como funcionários que se sentem obrigados a “vender” um produto que eles mesmo não consomem e que anunciam um moralismo centrado no pecado, o máximo que conseguiremos é ouvir aquilo que outrora Mahatma Gandhi afirmou a nosso respeito: “Eu gosto de Cristo. Eu não gosto de vocês, cristãos. Vocês cristãos são tão diferentes de Cristo.”
Sejamos sal e luz do mundo! Sejamos discípulos continuadores das ações de Jesus Cristo porque a última coisa que este mundo machucado precisa é de cristãos sem Cristo.
Pe. Paulo Sérgio Silva.
Paróquia Nossa Senhora da Conceição – Farias Brito.




