“… atirou-se aos pés de Jesus, com o rosto por terra, e lhe agradeceu.” (Lc.1716)
Até onde vai a nossa fé? Ela desperta apenas em momentos de necessidades e angústias? Ou também nos move para agradecer a Deus por tudo aquilo que Ele fez e faz em nosso favor? Graça, gratuidade, ação de graças, gratidão, agradecimento sãos palavras que norteiam a nossa reflexão catequética deste domingo. A Gratuidade do agir de Deus e a gratidão da humanidade. Contemplemos e meditemos os exemplos concretos que Palavra de Deus oferece afim de reconhecermos o dom divino, acolhê-lo com amor e gratidão enquanto caminhamos em direção a à vida plena.
A primeira leitura (2Rs 5,14-17) narra o episódio onde o estrangeiro e pagão Naamã, foi curado da lepra pela intercessão doprofeta Eliseu. Este fato ao mostrar a graça divina, agindo de modo simples e desinteressada na vida de um estrangeiro, nos ensina que Deus oferece a todos os seres humanos, vida e salvação em abundância. Três lições podemos aprender destes fatos. Primeiro:O autor sagrado indica que Deus se serve de pessoas para realizar sua vontade – como o fez com o profeta Eliseu – no entanto não se pode esquecer que é apenas d’Ele que vem a salvação e a vida. Naamã reconheceu isto e os israelitas – que haviam aderido ao culto a Baal – precisavam também reconhecer para voltarem aos fundamentos de sua fé. Segundo: Naamã não foi apenas curado fisicamente de uma doença. Aconteceu nele uma completa mudança espiritual que o levou a converte-se a Deus e abandonar o culto dos deuses pagãos. O catequista no ensina com isto que ação de Deus não é superficial, mas uma presença que atinge o mais profundo do ser humano. Terceiro: o episódio mostra claramente que a graça e a salvação advinda dela não são dons oferecidos apenas a alguns privilegiados ou a um povo. Mediante estas lições, cabe a nós acolher a gratuidade dos dons divinos e reconhecer-lhe como único caminho de salvação, deixando-se transformar plenamente pela sua presença.
A segunda leitura (2Tm 2,8-13) continuamos acompanhando as palavras do Apóstolo Paulo, escritas na prisão, ao seu amigo e missionário, Timóteo. Depois de exortar Timóteo a permanecer em total e radical entrega na missão que recebeu, Paulo recorda que embora ele próprio esteja preso e algemado, a Palavra de Deus a qual ele serve não estava acorrentada, pois ela continua sendo anunciada pelos diversos cristãos nas inúmeras comunidades que nasciam. Em meio as perseguições e sofrimentos, o Apóstolo cita um hino de louvor que reconhece e agradece a fidelidade de Cristo aos seus discípulos. Paulo sabe que assim como foi necessário o caminho da cruz e a entrega da vida para Cristo chegar à glória da ressurreição, permanece também necessário que os cristãos ofertem a própria vida para que a Palavra transforme o mundo e o anúncio do Reino ecoe pelos confins da terra. Afinal ser cristão é ser “outro Cristo” na terra; é imitar o seu dom e assemelhar-se a Ele na entrega da vida e no serviço aos irmãos.
No Evangelho (Lc 17,11-19) Lucas, em sua narração,continua nos conduzindo pelo caminho que leva a Jerusalém. No evangelho escrito por Lucas, o caminho de Jerusalém é uma estrada espiritual, através da qual os discípulos vão aprendendo e assimilando os valores do Reino de Deus. Hoje ele nos coloca em uma região da Galiléia onde ocorreu o encontro de Jesus com dez leprosos. A lepra mais do que uma doença física, era interpretadacomo um sinal concreto de castigo divino. O leproso deveria viver isolado para não contaminar ninguém com seu pecado. A pessoa leprosa acabava sendo excluída totalmente do convívio social, fato que a teologia da época atribuía também ao afastamento de Deus por causa do pecado.
Este episódio – que somente é narrado no evangelho de Lucas – é amplamente rico em simbologia e elementos de catequese. Os leprosos provavelmente já tinham ouvido falar de Jesus. No entanto, apesar de clamarem por misericórdia, permanecem a distância como orientava as prescrições normativas. A iniciativa de aproximar-se é de Jesus Cristo. Assim, Ele é apresentado como o Deus encarnado, que vem ao encontro da humanidade investida demiséria e sofrimento, para oferecer em palavras e gestos concretos,sua bondade, seu amor e salvação a todos sem exceção ou exclusão, principalmente aos oprimidos e excluídos. Os dez leprosos não recebem imediatamente a cura, a “lepra” desaparece, quando em obediência e fé em Jesus, eles se encaminham paraapresentar-se aos sacerdotes. Isto revela que a ação de Jesus não é uma mágica, mas um caminho progressivo que se chama discipulado. Por mais que atualmente tenhamos seguimentoscristãos que se baseiam na ampla divulgação de supostos e inesgotáveis “milagres e curas”, nossa “cura” não será em um instante mágico acontecido em um momento de oração emotiva e nem mesmo quando somos batizados, fazemos a primeira comunhão ou quando confirmamos a fé com a crisma. Nossa cura é resultado de uma caminhada ao longo da nossa história na qual todos os sacramentos estão incluídos como etapas durante as quaisdescobrimos Cristo e nascemos para a vida nova.
Os dez leprosos representam a totalidade da humanidade resgatada pela redenção em Cristo. O judaísmo considerava necessário pelo menos dez homens na reunião, para que a oração fosse iniciada ou uma decisão comunitária fosse considerada digna de respeito, porque o número “dez” representa a totalidade da comunidade. O fato de um samaritano estar no grupo indica, que a salvação oferecida por Deus, em seu Filho Jesus, não era reservadaapenas à comunidade do “Povo eleito”, mas sim a todos os povos, e até mesmo àqueles que a teologia e o moralismo consideravam definitivamente afastados da salvação.
Todos são chamados a libertação e salvação. No entanto, assim como ocorreu com o estrangeiro Naamã na primeira leitura, dos dez leprosos curados, somente o estrangeiro voltou até Jesus para agradecer. Ao que parece, na visão de Lucas, a graça de Deusé sempre acolhida com gratuidade verdadeira pelos estrangeiros. Parece que eles não pensam que possuem direito de posse sobre Deus e por isto reconhecem sua ação como pura Graça e Misericórdia. As pessoas que se supõem “eleitas” acham que tudo o que recebem de Deus é “por direito” e que, portanto, não precisam agradecer. Esquecem que tudo é graça. Os “eleitos” acham que quando cumprem as prescrições exigidas pelos ritos e mandamentos já pagaram a Deus. Citando um exemplo concreto atual, não é à toa que os cristãos mais indiferentes e frios aos apelos da Palavra são aqueles que moram mais perto da Igreja. São estes inclusive que estão indo a justiça civil para ordenar o silenciamento dos sinos de nossas Igrejas porque não querem ouvir o chamado para sair de seus confortáveis acomodamentos e celebrar a Graça e o Amor divinos no dia que deveria ser dedicado ao Senhor.
Será sempre justa e necessária uma resposta de gratidão a salvação que Deus oferece. E esta resposta não poderá ser jamais exclusivista. Muitas vezes aqueles que lidam diariamente com a fé e o sagrado acabam se tornando cheios de autossuficiência e orgulho. Se procedermos assim acabaremos impedidos de acolher com gratuidade, humildade e simplicidade os dons de Deus e também aceitar sua infinita liberdade em oferecer sua Graça para quem seu amor divino quiser.
Rezemos para que nossa vida eclesial ao invés de nos levar a fechar nossas portas e nossos corações para diversas pessoas que se encontram isoladas e excluídas pelos diferentes tipos de lepra físicas e espirituais (estigmas e misérias) da atual sociedade, nos converta e nos leve a imitar as atitudes divinas e humanas de Jesus Cristo. E em tudo sejamos gratos, afinal, é este o significado último e essencial da Santíssima Eucaristia: Ação de Graças.
Pe. Paulo Sérgio Silva
Paróquia Nossa Senhora da Conceição




