Evangelho Jo 1, 29-34. Iniciamos o período litúrgico chamado de Tempo Comum. Nele, somos convidados a contemplar, de maneira habitual, os mistérios da vida de Jesus. E, sem se perder a solenidade, mas com muita serenidade, vamos celebrando no comum de nossas vidas, sobretudo, a cada domingo, a semanal Festa da Páscoa do Senhor. E se em cada uma dessas páscoas são ditas as palavras Eis o cordeiro de Deus, que tira os pecados do mundo, notamos a feliz necessidade de meditarmos um pouco sobre essa afirmativa, a fim de se poder entender sua extensão e intensidade.
A frase é, sem dúvida alguma, um relato de testemunho. A humanidade de Jesus esconde a sua divindade, como no sacramentos da eucaristia, o Pão e o Vinho, velam o Cristo imolado e vencedor. E porque o Verbo Divino não se revela direta e completamente em si mesmo, tendo-se de apreciá-lo no seu humano corpo, quem o experimentou e sentiu no seu modo humano de ser, ou na sua efetividade sacramental, outra intuição não terá senão a de testemunhar a realidade extraordinária manifestada no ordinário da existência. Aquele que fora prometido, que estava por vir, está diante de nós, no nosso meio.
O que era o Cordeiro Pascal? O alimento daqueles que estão em saída, que fazem o êxodo da terra da escravidão para o lugar da liberdade e da paz, da fraternidade e do amor solidário, dos que estão prontos para se colocarem a caminho de uma promessa que se desponta como realidade certa e segura no horizonte da existência. A Páscoa de Jesus, a santa missa de ontem, de hoje e de amanhã, nos põe no rumo e no prumo de uma vida em comunhão com Deus e com os irmãos. E tudo que aí se celebra deve se tornar vida, vida comum. Do dizer que o amor nos reúne à despedida que nos envia, diz-nos que é no cotidiano de nosso existir que estas afirmações encontram a sua verdade prática.
Para que um Cordeiro Pascoal? Para retirar o pecado do mundo. De fato, o mundo, como cada um de nós, tem apenas um pecado. E é este que origina todos os outros: a desobediência. Esta é o não ouvir, com largueza e autenticidade, a Deus, pelo Filho, no Espírito Santo. Enquanto os homens e as mulheres buscarem somente a conversão dos pecados, serão como um médico que trata os sintomas, mas não cura a doença. Qual é a fonte, a cabeça, de tua desobediência, ou seja, daquilo que faz originar em ti todos os teus pecados? A soberba, a inveja, a gula, a preguiça, a avareza, a ira, a luxúria? Esses são pecados capitais porque deles derivam todos os outros.
Da soberba, a autossuficiência e a autorreferencialidade; da inveja, as fofocas, as intrigas e as dissimulações; da gula, as drogas (lícitas ou não); da preguiça, a mentira, a falsidade e a hipocrisia; da avareza, os roubos e enganos, as fraudes e adultérios; da ira, o ciúme e os preconceitos; da luxúria, os desejos desenfreados, o relativismo prático. E o enfrentamento do pecado que deveria ser responsabilidade nossa, vez por outra, terceirizamos para outros. E, naturalmente, pedimos para Maria pisar a cabeça da serpente. Não seria melhor pedir para nós o mesmo Espírito que habitou nela a fim de que, habitando em nós, pudéssemos também nós pisar a cabeça da serpente do nosso pecado?
Maria teve a sua participação na história da salvação. Ela pode nos ajudar e auxiliar, no entanto, não assumirá o nosso lugar e dever. Pois agora Deus quer a nossa colaboração. E, para isso, como fez com ela, doutro modo em nós, no batismo, deu-nos o seu Santo Espírito. E este Espírito nos habilita para, da celebração eucarística para a vida, ver e testemunhar que Jesus é Filho de Deus. Ver, nesse caso, significa participação e experiência na existência de uma pessoa para testemunhá-la, isto é, dizer ter parte e comunhão de vida com Jesus nos leva à plenitude existencial da máxima realização. Eis porque dizemos que o filho da Virgem é o divino primogênito.

Por: Pe George de Brito, Sacerdote diocesano e Pároco do Sagrado coração de Jesus, em Crato; Especialista em Filosofia Hermenêutica e Mestre em Teologia Dogmática.





