O que o Auto da Compadecida tem a nos ensinar sobre Maria?

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De Ariano Suassuna, a obra “O Auto da Compadecida” voltou a ser exibida, vinte anos depois. Agora, em forma de minissérie. O clássico apresenta a intercessão de Maria de forma belíssima e comovente. Na cena do julgamento, em que João Grilo recorre ao socorro da “Mãe de Deus de Nazaré”, é-nos apresentado todo o drama do ser humano, ao mesmo tempo em que se manifesta a Misericórdia de Deus pelos lábios da Virgem em defesa de todo aquele que recorre à sua intercessão materna: “Intercedo por esses pobres, meu Filho, que não têm ninguém por eles. Não os condene”. E quando, no personagem João Grilo, já não se acha aparentemente nenhuma possibilidade de salvação e ele se deixa abater, achando-se condenado, está Ela a suplicar outra vez.

A cena também nos faz recordar o encontro de Maria com o pobre Juan Diego, que se encontrava desanimado por não conseguir convencer o bispo da localidade, na construção de uma capela em honra da Virgem de Guadalupe. Ela, por sua vez, consola-o: “Filhinho querido, não estou eu contigo? Eu, que sou tua mãe?”. Ao ouvir essas palavras, o índio animou-se novamente. Maria é a mulher da fé, a mulher que ama profundamente as coisas de Deus. A pessoa que não aprende a amar não pode trilhar os caminhos de Deus, pois quem ama enxerga mais do que com olhos humanos, enxerga com os olhos da fé.

No coração de cada cristão subsiste um João Grilo ou um Juan Diego, isto é, aquele homem velho que ainda não se converteu e não aprendeu a enxergar com os olhos da fé. Por outro lado, existe também a fé dos personagens que, agarrando-se à Mãe, confia na justa misericórdia de Deus. Diante de nossas misérias, podemos nos sentir desanimados e, como João Grilo ou Juan Diego, quase certo da condenação ou do não cumprimento de tal pedido, embora nunca deixemos de rezar, mesmo em meio às tribulações da vida. Ainda assim, estamos propensos a desanimar ou desistir. Eis, então, que a Mãe nos grita, apontando para o diabo: “Não, João, não Maria, não José,  não se entregue. Este é o pai da mentira, está querendo lhe confundir”. Sim, é preciso uma exortação para que recuperemos a estrada do céu. A graça, como o próprio nome já diz, é gratuita. Mas, não coincide com a presunção que insiste diariamente em meio às securas da vida de oração.

Essa presença materna e consoladora é aquela mesma, manifestada aos pés da Cruz, quando o Filho de Deus experimentava em sua carne o dilacerante encontro do pecado do mundo com a misericórdia divina. Juntamente com o discípulo amado, ouve de Jesus: “Eis a tua mãe” (Jo 19, 27). E, naquela hora, antes de pronunciar as palavras consumatórias da missão que o Pai Lhe confiara, o divino Mestre confia ao discípulo amado os devidos cuidados que este deverá ter para Maria.

Podemos compreender, a partir deste fato, que Jesus estende a maternidade de sua mãe a toda raça humana. Maria se torna Mãe espiritual de todo aquele que busca amar incondicionalmente o seu Filho e busca trilhar os seus caminhos, cotidianamente.

Aos pés da cruz, na hora suprema da nova criação, Cristo nos conduz à Maria e, nesta imagem, podemos contemplar os Mistérios do Evangelho. Não é do agrado do Senhor que falte à sua Igreja o ícone feminino. Maria, que gera o Cristo, por meio de sua carne e de seu sangue, também gera filhos para Deus por meio de sua intercessão materna e afetuosa. Ela, a filha de Sião, a mãe do redentor, não gera filhos para si mesma, mas nos conduz, por meio de suas orações, à vontade do verdadeiro intercessor e único intercessor: “Fazei tudo o que ele vos disser” (Jo 2, 5). Maria não tem a pretensão de se colocar num lugar de destaque, mas nos ensina, com as suas ações, a verdadeira convivência comunitária que devemos ter entre irmãos: “Todos eles perseveravam unanimemente na oração, juntamente com as mulheres, entre elas Maria, mãe de Jesus, e os irmãos dele” (At 1, 14).

Maria nos ensina que a vivência comunitária deve ser fundada numa vida de oração contínua com os irmãos de caminhada. Ela, como uma verdadeira mãe, caminha conosco, luta conosco e nos aproxima incessantemente de Deus. Maria nos ensina que até mesmo no silêncio da vida nos relacionamos com Deus e amadurecemos a imagem que temos d’Ele. Maria é o verdadeiro ícone de fidelidade a Deus e ao seu projeto salvífico. Ela é a mulher de fé, que vive e caminha com fé, por isso recorremos a sua excepcional intercessão para que nos ajude constantemente na peregrinação da fé, rumo a uma destinação feita de serviço e fecundidade evangélica.

Nesta peregrinação da vida, nunca nos faltará as fases áridas, que são próprias deste caminho, de ocultação e de certo cansaço na vida de oração. Mas, em Maria, percebemos que a humildade e a confiança não são para os tolos e os fracos, como afirmava o filósofo Nietzsche, mas para os fortes, que não precisam maltratar os outros com o seu poder para se sentirem importantes. Na pessoa de Maria, aprendemos a reconhecer os vestígios do Espírito de Deus nos grandes e pequenos sinais da vida, sempre confiantes na promessa de Cristo que um dia voltará e nos levará com Ele.

Por meio da história de Ariano Suassuna, aprendemos ainda que a intercessão que Maria concede a João Grilo é uma nova oportunidade para ser santo. É o que também recebemos todas as vezes que nos arrependemos e confessamos nossos pecados por meio do sacramento da reconciliação. Maria acolhe nosso pedido de perdão e o entrega às mãos de Cristo, para que Ele as cure. E este é o nosso grande consolo: saber que receberemos o Reino dos Céus pelas mãos de nossa Mãe. Com Ela, tudo se torna mais fácil. Sem Ela, tudo se torna mais difícil e quase insuportável.

Virgem de Nazaré, rogai por nós!

 

*Seminarista Adolfo Lima, 3º ano de Teologia

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