A realidade atual do matrimônio e da família está marcada por imensos desafios, isto é, pela defesa dos valores que os constitui, mas também por sérios problemas que representam um grande desafio para a reflexão e para a vida moral dos cristãos. A fé cristã tem contribuído muito para a compreensão mais aprofundada do sentido do matrimônio, bem como para orientar a vivência moral dos casais e das famílias. É à luz da fé que o cristão deve procurar compreender e resolver os desafios que surgem na vida moral dos dois. A consciência que o casal possui acerca do matrimônio é de suma importância para que as suas vidas sejam conduzidas e orientadas para o amor e para a realização de ambos, mistério que ultrapassa a realidade humana, histórica e cultural.
A moral matrimonial, entendida à luz da fé cristã, não deve ser vista apenas como um mero contrato entre um homem e uma mulher. Trata-se de um sacramento que tem a sua fundamentação na pessoa de Jesus Cristo, conforme é apresentada pela Tradição da Igreja. Dessa forma, é necessário compreender a moral conjugal à luz do mistério da sacramentalidade do matrimônio, onde a mútua doação de ambos e a vivência de um para o outro terá a sua razão de ser em Deus. Assim sendo, a visão que estes possuem acerca do sacramento do matrimônio deve orientá-los constantemente diante dos problemas que se apresentem internamente em suas vidas e das insídias externas que tentem a macular esse solo sagrado.
Mas, como de fato reconhecer o sacramento do matrimônio num sentido em que compreenda também as realidades sobrenaturais? Qual é a mística que envolve a celebração deste sagrado convívio? Essas são questões que, infelizmente, nem todos os casais cristãos se põem a responder, provavelmente por não compreenderem o mistério no qual está envolvida a sua aliança conjugal. O matrimônio, enquanto sacramento, é sinal visível do amor de Deus pela humanidade, da união indissolúvel e fecunda de Cristo e de sua Igreja. Uma aliança vivida na fidelidade e no compromisso mútuo de amar incondicionalmente e exclusivamente um ao outro. Desta forma, assumindo o compromisso de amar respeitosamente um ao outro, a celebração matrimonial deve estender-se na vida cotidiana do casal, como sendo um compromisso de amor com o próprio Cristo, que amou e se entregou por sua Igreja (Ef 5, 25).
A vida matrimonial é um processo de amadurecimento humano e espiritual em que o outro tem a pura missão de tornar a pessoa amada livre. O verdadeiro amor não sobrevive de amarras. O amor não é um processo em que se aprisiona o outro em suas próprias convicções e nas injustiças. É preciso estar atentos às ações e ser conscientes de que as escolhas terrenas se tornam ecos na eternidade. O amor matrimonial assemelha-se, portanto, àquele que marca a relação entre Deus e a sua Igreja, isto é, por uma entrega total e dinâmica, onde o casal deve buscar o bem um do outro em suas relações, seja em suas atitudes, seja em suas realizações particulares, mas tendo sempre em vista que a unidade sacramental que os une deve ser preponderante em suas vidas devido ao compromisso assumido diante da Igreja e da comunidade cristã.
O que une uma pessoa à outra é, justamente, a capacidade de amar na liberdade e de escolher com toda lucidez os atos bons que conduzem à realização da pessoa. A relação de ambos não deve ter espaço para a “coisificação” de seus corpos como algo meramente voltado para o simples prazer ou a individualização do “tu”, voltado unicamente para o “eu”, mas na união deste “eu”, vivenciado na entrega e na realização do “tu”, gerando o “nós” na comunhão de duas liberdades que se unem e vivem de forma integral. Este “nós” se nutre e vive da Santidade de Deus que gera vida na comunhão esponsal manifestada na união dos corpos do homem e da mulher, tornando-os sinais visíveis do amor de Deus.
O verdadeiro amor na vida matrimonial não permite espaços para o ódio, vingança, desarmonia, desconfiança constante, incompreensão. Todas estas realidades servem como gatilhos para fragmentar e destruir tudo o que foi construído ao longo do tempo com áridas lágrimas. Aquele que ama deve manifestar com a suas condutas o verdadeiro significado de amor livre a si e ao próximo, vive sua liberdade e promove a liberdade do outro, definindo-se e realizando-se no amor. O amor não deve ser assumido somente com palavras, mas deve conduzir àquela unidade que proporciona sua realização integral como criatura singular, única a ser querida como fim e não como meio.
Por fim, em tempos de experiências contrastantes, de inflação de significados, o plano divino é um projeto para plena realização e felicidade do ser humano, num aprofundamento do significado do mesmo em sua inteireza e essencialidade. Quando um homem e uma mulher amam-se mutuamente na liberdade, acompanhados por uma verdade e decisão de vida, doando-se um ao outro, acabam correspondendo ao projeto de Deus e, contemporaneamente, realizam-se como criaturas feitas do – e para o – amor.
Deus é misteriosamente entre eles, sustenta-os na vida cotidiana, nos desafios que se apresentam em seu caminho de vida comum e que são próprios dessa união abençoada e desejada grandemente pelo Amor divino. A relação matrimonial não é um dado imanente fechado em si mesmo, mas carrega no seu conjunto o Totalmente Outro, um horizonte transcendente e indestrutível.
Por: Adolfo Lima, seminarista da Diocese de Crato, cursando o 4º ano de Teologia.